Dona Regina e mais uma comunidade invisível: a Fazenda dos Mineiros em São Gonçalo

Onda Solidária busca atrair atenção dos poderes públicos para a região do Porto do Rosa (Fazenda dos Mineiros), em São Gonçalo, e buscar alternativas de moradias para famílias em situação de risco na região

“A água estragou mesmo foi o armário e o colchão que a menina dorme. Tá tudo bem, meus filhos, não preocupa, não, que tem gente que perdeu mais no bairro vizinho, a Fazenda dos Mineiros, onde minha mãe mora”, disse Dona Regina, moradora do Porto do Rosa, localizada no entorno do Lixão de Itaóca, em São Gonçalo.

A casa escura dessa mãe de quatro filhos lembrava um canteiro de obras. No espaço, que só tinha um quarto com uma cama de casal, uma cozinha com um fogão velho, geladeira usada como armário e um banheiro onde o chuveiro era apenas um cano, vivia Dona Regina, três dos seus filhos e seu marido que, como ela, estava desempregado, cansado, sem esperança e doente.

Fomos levados até lá por Rosa e Elesi, duas moradoras da região que desde 2004 conhecem a Onda Solidária e dedicam-se em apoiar nossas ações sociais na região. “Quando vocês chegaram eu estava chorando”, disse Regina. “Chorando e rezando pedindo algum apoio a Deus, e não é que vocês apareceram”, falava em uma mistura de choro e sorriso. “Vamos, que eu vou ajudar vocês a encontrar as famílias que mais precisam de apoio lá na Fazenda dos Mineiros”, concluiu acendendo os olhos e iniciando o movimento para deixar a própria casa precisando tanto de apoio para ajudar outros.

Assim começou o sábado (24 de Abril) quando o grupo solidário formado por Ricardo, eu e Paulo, um jovem morador do abrigo municipal Don Helder Câmara bateu na casa de Rosa e Elesi e, depois de recrutar também Dona Regina, seguiu para a tão falada Fazenda dos Mineiros.

A Fazenda dos Mineiros, um aglomerado de casas no meio do mangue nos assustou de cara. Ali o tráfico ditava as regras. Dona Regina pediu licença, se aproximou dos “donos do local” e disse que era um trabalho solidário, não tínhamos nada com a policia. Autorizados a entrar e conversar com as pessoas, nos dividimos em pares e fomos de casa em casa perguntando o quanto eles haviam sido afetados pelas chuvas fortes no Rio.

Todos tiveram água entrado em casa. Os que tinham móveis, financiados em dezenas de prestações, perderam. A água barrenta e poluída causa um estrago que eu não havia imaginado. Colchões, imprestáveis, assim como sofás, roupas, eletrodomésticos. Tudo parecia úmido, mesmo tantas semanas após as chuvas, prestes a quebrar. A proximidade do mangue das casas nos assustava. Uma chuvinha mais forte e tudo poderia acontecer de novo.

Paulo, nosso jovem solidário que integrou o Projeto Galera Solidária e também o Animare, hoje é aprendiz de pedreiro. Durante as entrevistas, oferecia soluções, dizia que essa ou aquela casa só precisava de um pouco de cimento aqui, um tijolo ali, que faria o serviço sem cobrar, que resolveria. Ficamos todos emocionados em ver tanta solidariedade nesse jovem, tanta vontade de fazer alguma coisa, de ajudar.

Dona Regina nos levou à casa de sua mãe, muito castigada pela chuva. Lá não havia cadeiras para sentar. Todas estavam sendo usadas para levantar o armário do quarto. Na cama, uma linda menina de 14 anos dormia encolhida. Era a filha mais velha de Dona Regina que sofria com uma doença crônica e estava sentindo fortes dores naquele dia.

A agonia de Dona Regina nos deixou aflitos. Uma agonia sufocada, que parecia não ter direito de se expressar, mas que doía. Ela contou a história da doença da filha, dos problemas nas filas dos postos de saúde, da dificuldade de encontrar ânimo. A irmã mais nova, de 12 anos, da menina fazia bordado e ajudava a manter a casa.

Em um caderninho havíamos anotado as principais carências que poderíamos atender: colchões, cestas básicas, materiais de construção, remédios para a filha de Regina. Dali fomos todos ao supermercado e para uma grande loja de móveis. As encomendas foram feitas: 18 cestas básicas, 15 colchões, comprados com os R$ 1.846,23 que a Onda Solidária recebeu em doações entre os dias 12/04 a 26/04. O que havíamos trazido no carro, caixas de roupas e materiais escolares foram distribuídos ali mesmo para as crianças da região.

Apenas Regina levou direto da loja o colchão que faria a filha que mora com ela dormir em um local macio. A roupa de cama cor de rosa, escolhida com carinho fez muito sucesso e Dona Regina mais uma vez chorou.

Chorou sem conter. Como todos nós, estava cansada, já eram 20hs de um dia intenso. Não chorou pela filha doente, pelo marido desempregado, pela incapacidade de dar uma vida com mais saúde para sua família, nem pelo pai que havia falecido recentemente. Chorou porque disse ter gostado muito, estava muito feliz por ter tido a oportunidade de ajudar os outros.

Invisível até quando?

A Ilha de Itaóca situa-se no recôncavo da Baía de Guanabara. É ligada ao continente por uma ponte, tem cerca de 10 mil habitantes e as principais atividades econômicas são a pesca, a coleta de caranguejos do mangue e a busca de lixo reciclável para a venda.

A região enfrenta diversos problemas. Desde carências básicas para oferecer uma vida digna para seus moradores (não há saneamento básico, iluminação, segurança e, conforme pesquisa social realizada em 2009, mais de 20% não tem documentação). Além disso, muitas casas foram construidas próximas do mangue. Assim, com as chuvas fortes dos últimos meses, muitas pessoas ficaram desabrigadas, ou estão vivendo em condições precárias desde então. É fundamental descobrir se essa região poderia receber benefícios do Governo e, assim, articular com as lideranças locais possibilidades para melhorar a vida da comunidade e transferir famílas para regiões mais seguras.

Outro detalhe importante e triste é que o Lixão de Itaóca já deveria ter sido desativado há muito tempo, porém, continua a receber lixo e, no último mês, passou a ser o destino do material do morro do Bumba, em Niterói, e os moradores reclamam por estar agora convivendo com restos de corpos e mais riscos para a saúde, especialmente de crianças.

É hora de trazer visibilidade para a comunidade do Porto do Rosa / Fazenda dos Mineiros em São Gonçalo!! Vamos nos mobilizar???

3 Comentários

  1. foi um sofrimento;e vivo nesse sofrimento ate hoje;sem teto morando na casa dos outros sendo humilhada pela propria familia!!!!!!!!!!!!!!

  2. É uma vergonha o que fazem com este lugar,ou aliás, nada fazem! Visitei recentemente o lugar e pasmen,está pior que há 19 anos! Isso mesmo,Fazenda dos Mineiros vai ‘a contra regra,ao invés de evoluir,involui gradativamente,jogada ‘as traças!

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