Protesto no Último Dia da Copa Recebido com Força Severamente Desproporcional, Prisões e Violência Policial

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Na tarde da final da Copa do Mundo 2014, no momento em que o Estádio do Maracanã se enchia de torcedores, manifestantes se reuniram a apenas 2km de distância, na praça Saens Peña, na Tijuca, Zona Norte do Rio, reagrupando depois de uma marcha pacífica pela manhã desde a Praça Afonso Pena, também na Tijuca. A manifestação reuniu entre 500-1000 manifestantes, de moradores de favelas e membros de grupos comunitários a militantes de partidos políticos de esquerda. Muitos ostentavam pôsteres onde líamos “Copa pra Quem?”, e as pessoas carregavam cartazes que faziam uma série de exigências, desde o fim da Polícia Militar para a garantia do direito ao protesto pacífico até a reforma da saúde e educação.

Enquanto o número oficial do Ministério do Esporte é de R$25.6 bilhões, estimativas recentes colocam o custo total da Copa do Mundo mais perto de R$44 bilhões (US$ 20 bilhões), tornando-se, de longe, a Copa do Mundo mais cara até o momento. Há descontentamento generalizado sobre a alocação de verbas do governo, despejando dinheiro em estádios e projetos de infraestrutura–dos quais 18% permanecem inacabados–ao tempo em que negligenciou sérios problemas de saneamento, os hospitais carentes de recursos, e escolas falidas. Além dessas preocupações, os manifestantes expressaram sua oposição às remoções e o uso de violência policial, tanto contra os manifestantes quanto aos moradores das favelas. Uma faixa dizia “Libera os presos políticos, Ditadura Nunca Mais”.

Sábado, 12 de julho, um dia antes da final da Copa do Mundo e do protesto planejado, a polícia emitiu 60 mandados de prisão temporária e fez 21 detenções de ativistas com a justificativa de suspeita de vandalismo e atividade de gangues. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirma que as prisões eram inconstitucionais, interferindo com o direito de manifestação pacífica. Na verdade, os riscos dos protestos eram alto demais para muitos como relatado em matéria muito difundida da ESPN. Os protestos recentes têm visto o aumento da violência policial, incluindo o uso de armas letais, bem como prisões feitas sem motivo razoável.

O governo brasileiro gastou R$2.2 bilhões em segurança para a Copa do Mundo. Um total de 170.000 policiais militares e pessoal de segurança privada foram utilizados em todo o Brasil durante o torneio, apoiados por um adicional de 10.000 membros do batalhão de Choque da polícia federal. No dia da final da Copa do Mundo, havia 26.000 agentes de segurança no Rio–um terço da capacidade total do estádio do Maracanã.

Várias centenas de policiais, a maioria com fardas e equipamento de choque, estavam estacionados ao redor da praça. Além de cercar e revistar alguns manifestantes, eles mantiveram a distância, permitindo que os manifestantes circulassem livremente. No entanto, grandes vans blindadas, fileiras de motos camufladas, filas de escudos policiais, e uma divisão de cavalaria montada bloqueou diversas ruas, com o maior número de policiais estacionados ao longo das ruas e avenidas que seguem em direção ao Maracanã.

Um manifestante segurava um cartaz em forma de uma lápide, com “RIP Direitos Humanos” e uma lista de estatísticas inquietante: 5 pessoas mortas pela polícia brasileira por dia, 250.000 pessoas expulsas de suas casas para os preparativos da Copa do Mundo, 10 mortes de trabalhadores durante a construção do estádio. Um homem vestindo apenas uma sunga e uma capa de saco de lixo trazia um grande mapa do Brasil, preenchido com as palavras “Arrastado, Enganado, Reprimido, Desaparecido, Roubado, Morto” em tinta vermelha.

Moradores de várias favelas formaram um semi-círculo em uma parte da praça e se revezaram com um megafone. Eles seguravam uma grande faixa com “A festa nos estádios não vale as lágrimas nas favelas”, a mesma mensagem de um protesto no dia 23 de junho na praia de Copacabana. Moradores focavam nos efeitos da violência da polícia, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e a atual ocupação do exército na Maré. Representantes da Maré, Rocinha, Complexo do Alemão, dentre outros, falavam ao som de batidas de palmas no ritmo do funk, expressando sua frustração com a política do governo que usou a Copa do Mundo para comprometer e até mesmo negar os seus direitos. Gizele Martins, jornalista e ativista da Maré, foi a primeira a falar:

“Temos direito à habitação, à vida. O Amarildo foi só um caso, mas inumeráveis favelados são exterminados nas favelas com políticas que visam os pobres, negros favelados. Estamos cansados de lágrimas de sangue. Estamos cansados de limpar o chão ensanguentado”.

Amarildo de Souza foi morto por policiais da UPP há um ano, em 14 de julho de 2013. O caso tornou-se um escândalo internacional, e 12 oficiais foram submetidos a investigação por sequestro, tortura, assassinato, ocultação de cadáver, fraude, corrupção e falso testemunho. Na semana passada, em 7 de julho, um inquérito policial militar concluiu que o major Edson dos Santos, ex-comandante da UPP da Rocinha, não era culpado, implicando três oficiais de baixa patente em seu lugar. A evidência do papel do Major no assassinato de Amarildo significa que a decisão passará por investigação interna; no entanto, a longa tradição de impunidade da polícia do Rio de Janeiro pode voltar a impedir o curso da Justiça. Policiais da UPP mataram pelo menos 30 pessoas; o número real é desconhecido, mas provavelmente maior.

O megafone continuou a mudar de mãos, com várias pessoas levando a multidão ao som de músicas de funk com carga política. Lidi, do grupo de funk feminista PaguFunk, cantaram uma música de MC Serginho ‘Era Só Mais Um Silva‘, fazendo referência ao assassinato pela polícia do dançarino DG Silva no Pavão-Pavãozinho em abril passado. Um morador da Rocinha contou sobre o legado da Copa do Mundo: “É a Copa do empresário. E o legado da Copa? Repressão, privatização, não é para o favelado”.

Os testemunhos pararam quando o protesto começou a se mover. Mais manifestantes começaram a chegar e andar na direção do estádio do Maracanã. Linhas triplas de policiais de choque cercavam o protesto por todos os lados com as ruas laterais barricadas por cavalaria e policiais militares. Depois de caminhar dois quarteirões, o protesto atingiu uma parede: veículos blindados e fileiras de escudos da polícia isolavam a estrada à frente. Os manifestantes foram forçados a fazer uma inversão de marcha e voltar para a Saens Peña.

Usando a controversa técnica Kettling para constranger fisicamente os limites de uma manifestação, a polícia, então, cercou os manifestantes em todos os quatro lados. A tensão começou a crescer, e o protesto se dividiu quando alguns manifestantes localizados na parte traseira da demonstração foram abruptamente cercados pela polícia e presos. O protesto continuou do jeito que tinha vindo, mas ao chegar à praça Saens Peña, as coisas se tornaram violentas. Uma bomba explodiu perto da parte dianteira da manifestação, enviando uma nuvem de fumaça azul acinzentada no ar. Com mais três explosões, o pânico se alastrou. A NPR documentou bem a mudança do som do samba otimista, às canções de protesto, a tiros e o uso de força desproporcional e arbitrária.

As forças de segurança dispararam uma combinação de granadas de efeito moral, gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha e bloquearam todas as rotas de evacuação da praça Saens Peña. As pessoas correram e acabaram por encontrar mais bombas de gás lacrimogêneo colocadas em diferentes pontos ao redor da praça, expelindo fumaça azul e verde. Os manifestantes correram para a entrada do metrô na praça, tentando escapar do gás, ao mesmo tempo em que a polícia fechava o portão de acesso. De acordo com a manifestante Anna Baptista Marim, que postou um vídeo da cena no metrô, “Eles [a polícia] bateram em muita gente que estava tentando entrar na estação enquanto eles fechavam os portões”. O próprio metrô virou um caos, com gás atingindo a multidão que havia entrado.

Aqueles que não chegaram ao metrô a tempo ficaram presos na praça, com manifestantes, bem como moradores, sem conseguir passar as barricadas policiais, incluindo uma mãe tentando chegar até o aniversário de sua filha e uma mulher grávida. O resto dos manifestantes enfrentou mais uma rodada de gás lacrimogêneo e bombas de fumaça, bem como foram relatados espancamentos com cassetetes policiais. Ainda que os manifestantes estivessem em menor número no início do protesto–havia pelo menos 2 policiais para cada manifestante–no final, a proporção era mais próxima de 5:1. Às 16:25 a polícia declarou o protesto como finalizado.

De acordo com o Sindicato dos Jornalistas do Rio, quinze jornalistas ficaram feridos, incluindo três estrangeiros. Pelo menos dois foram feridos por estilhaços de granadas, e uma menina foi hospitalizada por gás lacrimogêneo. A potência e a cor do gás lacrimogêneo usado levaram alguns a especular se tal armamento agressivo é de todo seguro ou recomendado para o uso em contextos civis.

Enquanto os protestos em junho de 2013 abalaram o país, com milhões de brasileiros saindo às ruas, os protestos recentes foram minúsculos em comparação. O presidente da FIFA, Joseph Blatter, perguntou recentemente de forma retórica: “Onde está a ira social?” durante um discurso 02 de julho. A resposta punitiva e antidemocrática da polícia ao protesto pacífico com o uso tão desproporcionado da força, juntamente com a criminalização pesada da mídia sobre os manifestantes durante o ano passado, têm sido bem sucedidas para dissuadir a maioria dos que protestaram no ano passado. No entanto, as manifestações continuaram, e a resposta foi o aumento da brutalidade policial.

Em resposta às prisões do fim de semana e a violência da polícia–que causaram indignação generalizada e comentários furiosos nas redes sociais–a Anistia Internacional Brasil pediu uma investigação sobre os abusos policiais. O Diretor da Anistia Internacional Brasil, Atila Roque, disse: “As prisões no sábado e a forma como a polícia se comportou no domingo, reprimindo violentamente um pequeno protesto perto do estádio do Maracanã, foram uma clara tentativa de intimidar os manifestantes. A violência dispensada pelas forças de segurança ao longo da Copa do Mundo foi excessiva, desnecessária e uma ameaça direta ao direito de protesto pacífico”.