A Força de um Termo: O Estigma do “Slum” Pelo Mundo

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Em 2007, a província Sul-Africana de KwaZulu-Natal aprovou o decreto de Eliminação e Prevenção da Re-emergência de Assentamentos Precários. Antes do decreto se tornar lei, Abahlali baseMjondolo, um movimento social de base cujo nome significa “moradores de barracos”, produziu um comunicado de imprensa onde declarou: “O projeto de lei usa a palavra “slum” de uma maneira que faz parecer que os locais onde pessoas pobres vivem são um problema que deve ser varrido, porque há algo de errado com as pessoas pobres… em vez dos ricos e a maneira pela qual eles fizeram o pobre… pobre por falta de desenvolvimento”.

Para os membros do movimento, a palavra “slum” carrega um estigma perigoso sobre os habitantes da região, incentivando políticas governamentais a ‘eliminar’ essas comunidades ao invés de trabalhar com os moradores para resolver os seus problemas. Abahlali declarou: “As pessoas que vivem no imijondolo devem decidir por si mesmas como elas querem que suas comunidades sejam chamadas”.

Ressurgimento do termo “slum”

A maioria das reportagens de língua inglesa no Brasil, durante o intenso holofote da mídia na Copa do Mundo, traduziu a palavra “favela” como “slum”. Não é uma tendência surpreendente. Não só qualquer jornalista ou editor nos dias de hoje encontra inúmeros exemplos de seus colegas usando essa definição, mas até mesmo o tradutor do Google acriticamente afirma que ‘favela’ é ‘slum’ e que ‘slum’ é ‘favela’.

O professor de geografia Alan Gilbert escreve que o termo “slum” foi cada vez menos usado ao longo do século XX, mas que a “Cidades Sem Slums” das Nações Unidas, iniciativa lançada em 1999, trouxe o termo de volta para como foco das conversas sobre desenvolvimento, juntamente “com todas suas associações ingloriosas”. Na definição de slums e de metas quantitativas para reduzi-las, Gilbert reconhece que a ONU está “engajada no moderno e perfeitamente apropriado exercício de estabelecer ‘marcos’ diante do qual o progresso possa ser medido”. No entanto, ele argumenta que o ‘slum’ não se presta a ser medido, em parte porque é um conceito relativo, e não absoluto.

O relatório da ONU de 2003 “Os Desafios dos Slums“, afirma que os slums são “complexos demais para definir de acordo com um único parâmetro” e “há muitas variantes locais entre slums para conseguir definir critérios de aplicação universal”, enquanto “slums mudam rápido demais para prestar qualquer critério válido por um período razoavelmente longo de tempo”. Ainda assim, o relatório oferece uma definição operacional de um slum: “Uma área que combina, em graus diferentes, as seguintes características (restringidas às características físicas e jurídicas do assentamento, e excluindo as dimensões sociais mais difíceis): acesso inadequado à água potável; acesso inadequado ao saneamento e outras infraestruturas; má qualidade estrutural de habitações; superlotação; estado residencial inseguro”.

Isso não corresponde à realidade de muitos moradores de favelas do Rio de Janeiro que têm vários graus de acesso à água, eletricidade e coleta de lixo, enquanto suas casas são estruturalmente sólidas e beneficiam de leis de usucapião e ocupação do solo. Chamar favelas–ou mesmo outros tais bairros globalmente–de ‘slums’ transmite uma imagem enganosa dessas comunidades para as audiências internacionais.

Rejeitando o rótulo

Rotular áreas de “slums” pode também criar uma lacuna entre a compreensão dos moradores sobre sua comunidade e da perspectiva de pessoas de fora que tentam ‘ajuda-los’. O antropólogo Rahul Srivastava e urbanista Matias Echanove discutem Dharavi, um distrito de Mumbai, que ganhou notoriedade como uma das maiores favelas da Ásia. Eles lembram que estavam “à procura de slums” e descobriram que “em todos os bairros os moradores diziam: ‘Não há nenhum slum aqui’! “Eles não pensam que suas casas estão situadas em um slum”. No entanto, eles escrevem que a representação dominante da mídia sobre o distrito permanece “como um terreno baldio com estruturas temporárias que mal ficam de pé; um imenso ferro velho repleto de pessoas subnutridas irremediavelmente desligadas do resto do mundo, sobrevivendo de caridade e puxando a economia de toda a cidade para trás”.

Para Srivastava e Echanove, retratar como “slum” incentiva projetos de abordagem “de cima para baixo”, de planejamento urbano que ignora a opinião dos moradores. A palavra carregada de estigma pesado obscurece as vantagens da área. Por exemplo, como a construção dos edifícios é realizada pelos próprios moradores locais conduzindo o desenvolvimento do bairro a uma resposta direta às necessidades locais.

A “eliminação de slums e área baldias”

Nos Estados Unidos, a rotulagem de áreas como “slums” tornou-se um meio de financiamento. A “eliminação de slums e áreas baldias” é codificada como um dos três objetivos nacionais do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Assim, os governos estaduais alocam recursos para projetos que trabalham para esse objetivo.

Em 2013, as autoridades da cidade de Augusta, Geórgia debatiam rotulando o centro da cidade de slum, uma designação que disponibilizaria $26.5 milhões de dólares para renovações. De acordo com um jornal local: “O administrador da cidade Fred Russell disse… que é lamentável que os legisladores da Geórgia exijam a caracterização de um “slum” para uma área receber benefícios especiais, mas sofrer a designação será útil para continuar a revitalização do centro”.

Da mesma forma, em 2013, em Rock Springs, Wyoming, a agência de renovação urbana da cidade procurou rotular bairros como ‘slums e baldios’. De acordo com uma reportagem local, a diretora de desenvolvimento da comunidade, Laura Leigh, explicou que a designação “não quer dizer que todas as propriedades dentro de uma área são dilapidadas e degradadas”. No entanto, os moradores “ficaram lívidos ao serem incluídos em uma área demarcada como slum”, deixando Leigh a questionar por que a linguagem não poderia ser alterada. Tal como acontece com a experiência de Abahlali com o Decreto de Assentamentos Precários, o termo “slum” é empregado para facilitar projetos de desenvolvimento a custo de traçar um retrato impreciso e estigmatizado de uma comunidade.