Fela Day: Uma Celebração do Fela Kuti e a Resistência Negra em Acari

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Quarta-feira, 15 de outubro, começou cedo para o Faveleira, um grupo ativista cultural da favela de Acari na Zona Norte do Rio. Por volta das 10 da manhã, os líderes do grupo estavam limpando o chão, decorando as paredes e preparando o sistema de som em uma pequena casa na Rua Pereira da Silva em preparação para o Fela Day.

Fela Day é uma celebração da vida de Fela Anikulapo Kuti, músico nigeriano conhecido por seu som afrobeat e sua implacável resistência à ditadura militar nigeriana. Os seguidores de Fela Kuti celebram o artista todo dia 15 de outubro, e esse ano o Faveleira recebeu seu primeiro Fela Day. O evento consistiu de oficinas, palestras, exibições de filmes e muitas apresentações de música.

O Faveleira foi formado em 2010 quando um grupo de artistas e ativistas da comunidade se uniram para construir um espaço de produção e exibição da arte alternativa que as pessoas “deveriam ouvir, segundo o organizador Wesley DelírioBlack. Desde então, toda quarta-feira é a Noite Faveleira, uma noite dedicada à músicos e artistas locais. O grupo também oferece outras atividades como aulas de capoeira.

“A Noite Faveleira é importante porque reafirma nossa identidade afro-indígena, além de ser um espaço onde as questões que não estão sendo disseminadas são discutidas e propagadas”, disse Wesley. “Outro aspecto importante é que isso nos reúne toda semana, cria perspectivas e diálogos importantes, e ajuda as pessoas à entenderem algumas questões melhor”.

Preparação para o Fela Day

O agora chamado Comitê Cultural Popular Revolucionário Poeta Deley de Acari (CCPR), um tributo ao Deley de Acari, poeta e ativista local de longa data, fica num local que já pertenceu à um traficante de drogas, e também à Polícia Militar por um longo tempo, disse Wesley. Acari, uma grande favela, tem uma longa história de tráfico de drogas e violência e continua sob o controle do tráfico. Nesse contexto, o Faveleira tornou a história violenta desse espaço específico da comunidade em um lugar de cultura e esperança.

“Esse espaço é muito importante para a gente porque por dez anos aqui foi um lugar de repressão, tortura e desaparecimentos. Os jovens que entravam aqui desapareciam”, afirmou Deley de Acari. “O cômodo que agora é o nosso escritório era uma cela usada para tortura e espancamentos. As pessoas que passavam por aqui podiam ouvir gemidos e gritos”.

Agora, as paredes brancas são cobertas de arte. Uma citação de George Orwell cobre a parede na frente de um mural de Marcus Garvey na parede oposta. Wesley organizou as cadeiras em um semicírculo para o Fela Day e, por volta das quatro da tarde, as pessoas começaram a chegar.

O primeiro evento no Fela Day foi uma oficina sobre turbantes, conduzida por Caroline Amanda Lopes Borges, a criadora do projeto Bastet Queen, que valoriza o uso dos turbantes. Caroline mostrou ao grupo de aproximadamente 30 pessoas inúmeras maneiras de usá-los.

 

Oficina do Projeto Bastet Queen

Imediatamente após a oficina, foi a vez do convidado especial Carlos Moore, autor do livro “Fela: Esta Vida Puta”, biografia de Kuti. Moore é um cientista social e pesquisador cubano que batalhou contra o racismo global por muitos anos. Mais de 60 pessoas assistiram a palestra, alguns sentados no chão, outros em pé do lado de fora, muitos deles eram de outras comunidades e vários eram estudantes universitários.

Moore disse que Kuti está sendo descoberto pelo mundo só agora, e apesar de sua incessante luta pelos pobres na Nigéria, ele está sendo introduzido como um produto popular para as pessoas da classe média. Kuti viveu sua vida inteira em um bairro pobre em Lagos, capital nigeriana. “É necessário levar Fela para lá, aonde sempre viveu, [levá-lo] até às pessoas por quem ele se sacrificou, aos pobres, às pessoas muito pobres das favelas”, ele disse, “Essa é a única arma que temos para lutar contra a comercialização de Fela”.

Wellington Agueá, morador do Morro do Turano na Tijuca, compareceu ao evento particularmente para ouvir Moore falar sobre Kuti: “Esse lugar aqui, Acari, é um lugar perigoso, muita coisa acontece aqui. Tem havido massacres, enchentes. É um lugar da resistência negra, e é por isso que estou aqui… Fela Day tinha que ser aqui porque essa era a vida do Kuti. Kuti viveu em uma Acari na Nigéria, ele não viveu em uma Copacabana nigeriana, ou em um Leblon”.

Aproximadamente às 8 da noite o evento se deslocou para um pequeno pátio perto da casa, onde o documentário sobre a vida de Kuti “Music is the Weapon” (A Música é Uma Arma) foi exibido.

Depois, a Noite Faveleira, evento musical semanal, começou. Os DJs do Sistema Kalakuta encheram a playlist com ninguém menos que Fela Kuti. O pátio se tornou uma pista de dança e a música só era interrompida para comunicados de mais musica por vir, sempre por artistas locais, inclusive membros do Faveleira como MC Pingo, Wesley DelirioBlack, Mano Teko e DJ Buiú.

As melodias ultrapassaram as paredes do centro comunitário e a multidão estendeu a celebração para a rua, bebendo, comendo yakissoba, conversando e cantando.