Construindo a Favela: A História de Daniel Ferreira Campos da Vila União de Curicica

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Essa é a primeira parte da série Construindo a Favela, uma coleção de histórias que narram como as pessoas constroem suas casas. A informalidade das favelas do Rio faz com que os moradores sejam criativos e usem seus conhecimentos para construírem quase todas as estruturas que existem nas favelas. Essa série nasceu da seguinte pergunta: “Como você construiu a sua casa?”. As respostas variavam de “Contratamos um pedreiro” a “Fizemos fazendo!”. A série tem como objetivo mostrar a diversidade e complexidade dessas histórias, que são milhares.

Quando Daniel Ferreira Campos se mudou para o Rio, ele alugou uma casa no Rio das Pedras na Zona Oeste da cidade.

“Eu morava lá em um barraco que era muito ruim. Quando chovia eu tinha que colocar a mão e segurar nos quatro canos. A família toda segurava, cada um segurava um cano. Eu trabalhava na Antárctica como motorista. Eu trabalhei lá um pouco mais de cinco meses. Eu estava super feliz com o trabalho, mas eles me dispensaram e eu ganhei um bom dinheiro nessa época, era o começo do plano real. Eles me deram 1200 reais.”

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De lá, Daniel se mudou com sua família para a Vila União de Curicica, também na Zona Oeste, onde ele pôde comprar um terreno para começar a construir sua nova casa.

“O preço do terreno era R$1200, e eu conheci um cara que queria vender. Eu não podia dar os R$1.200, precisava pensar na minha família. Então eu dei R$1000 e faltou R$200. Eu negociei com ele. Foi R$1200 no total, eu dei R$1000 e fiquei devendo R$200”, explica Daniel.

“Meu genro, que estava namorando a minha filha na época, me deu esses R$200. Ele me ajudou a pagar. E nós compramos um monte de material: terra, pedra, ferro, doze metros quadrados de areia e pedra, e cinquenta varas de ferro. Eu ganhei uma janela de madeira e uma porta que minha irmã trouxe da pequena favela, de onde ela tinha sido removida, atrás do Barra Shopping.”

“E eu fiz uma barracão aqui que todo mundo ficou com inveja. Uma barraca quadrada muito grande que agregou eu, minha esposa, minha filha, meu filho e meu genro que as vezes dormia aqui também, que estava namorando a minha filha. Daí começamos a fazer por partes até fazer a casa atual. Eu fiz toda essa estrutura. Aqui na frente deu 4.5m2 de material para cada sapata da fundação, porque é dentro de um valão. Fizemos toda a fundação e levantamos a casa. Eu dividi a casa no meio. Metade para o meu genro e eu fiquei com a outra metade, já que minha filha e meu genro já tinham se casado. Eu dividi com ele porque ele morava de aluguel também. Eu construí as duas casas: a minha aqui e a dele ao lado. E ele me ajudou muito. Eu passei 20 anos construindo essa casa.”

Daniel escolheu esse lote porque era uma das únicas opções que ele tinha com o dinheiro que lhe foi dado ao sair do trabalho.

“Eu fiz esse barracão porque minha prioridade era parar de pagar aluguel, porque pagar aluguel é muito difícil, tendo que criar os filhos. A alimentação era a prioridade da nossa vida, e era muito cara também”, disse Daniel. “Era o local que dava para comprar. O dinheiro dava só para isso, não dava para outra coisa. Era muita luta com dois filhos. O país nunca teve uma boa situação. Infelizmente, o Brasil nunca olhou por moradia, educação e saúde para o povo”.

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Dentro de uma favela o processo de construção, muitas vezes, é feito pedaço por pedaço, dependendo de muitos anos de poupança e planejamento cuidadoso para ser concluído. Daniel diz que aprendeu as habilidades necessárias para construir casas através de um curso em uma igreja em São Paulo.

Morei em São Paulo, eu fui morador de rua. Uma igreja me contratou para tomar conta e eu comia e dormia lá. Recebia um salário que me tirou da rua. Lá eu fiz curso de pintor e pedreiro, e ajudava a ensinar. Quando eu vim pro Rio, minha primeira profissão foi de pintor e depois eu também fazia reformas.”

A estrutura, que um dia foi de um galpão de madeira, agora é de quatro casas com um total de seis quartos, três banheiros, três cozinhas e três salas de estar.

“Cresceu assim: eu fiz a minha para agregar a minha família—eu, minha mulher e meus dois filhos. Em seguida, fui dando seguimento a casa, fizemos a da minha filha aqui em baixo. Quando meu filho se uniu a uma moça, em cima da minha, eu fiz uma casa para ele. Foi uma mini-casa, uma quitinete.”

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A principal fonte de renda da família veio de uma pequena confecção que faz calções para surfistas. Ele decidiu instalar a confecção dentro de sua casa e adaptou o projeto da casa para as necessidades do seu trabalho também.

“Aí depois que a confecção expandiu minha filha passou para cima. Ela pediu para fazer a confecção onde era a casa dela. Então a confecção tinha bastante espaço aberto. Nós tínhamos 20 funcionários e ganhavam bem. Ninguém saia daqui reclamando e nem queria sair”, lembra Daniel com carinho.

Daniel e sua família afirmam que é difícil saber com certeza quanto gastaram na construção da casa: “É difícil chegar a um cálculo. Muitas notas eu guardo até hoje. Inclusive, a loja onde nós comprávamos, aqui na Avenida dos Bandeirantes, nunca dava nota fiscal e até hoje é assim.”

“Para mim foi assim: trabalhando, juntando dinheiro e comprando um saco, dois sacos de cimento. Algumas portas e janelas eu comprei no cartão da minha esposa e íamos pagando.”

Quanto ao projeto Daniel conta como sua esposa e ele trabalharam juntos para criar a casa que eles queriam: “Eu mesmo fiz o rascunho no papel. Na época tinha boa saúde. E sempre minha mulher fazia o desenho. Era dela a ideia final.”

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No entanto, após uma vida de trabalho, Daniel e sua família se preocupam se a casa poderá ser demolida. Eles já sobreviveram à ameaça de remoção devido à linha TransOlímpica BRT e suportaram a destruição pela Prefeitura da ponte de concreto que cobria o córrego que passa entre a casa e a estrada principal. Recentemente, tem havido uma preocupação com o projeto TransRio, uma via que pode passar pelo que resta da Vila União de Curicica. Daniel diz que o projeto iria retirar tudo que está a sete metros da margem do rio, o que deixaria quase nada de sua casa. Os membros da comunidade dizem que não foram apresentados planos para o projeto. A comunidade Vila União de Curicica, bem como outras comunidades do Rio, como a Vila Autódromo, ganhou o direito legal à posse da terra durante o governo do governador Leonel Brizola na década de 90.

Além do projeto TransRio, as atividades de obras e construções em geral na área, acompanhadas por uma falta de comunicação transparente e mudanças frequentes nos planos propostos, mantêm Daniel preocupado. Para se precaver de uma possível remoção a família já mudou as máquinas de sua pequena confecção para um local mais seguro e cessou a produção.

“O processo foi de anos, foram 20 anos para chegar nesse ponto. E agora eu tenho que mudar. Depois que saiu a confecção, ficou o quarto que posso alugar. Eu desanimei de fazer qualquer coisa por causa da possibilidade de remoção.”

“Estou me sentindo acuado, dependente, humilhado. Fizeram tudo de ruim para destruir das nossas vidas. Aqui nunca foi área de risco. A Vila União sempre foi um lugar calmo, não tinha roubo, não tinha crimes, você não tinha medo de andar na rua, era bem iluminado.”

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A casa, que está próxima de um córrego no bairro de Curicica está cheia de memórias da família Campos: “O casamento da minha filha aconteceu aqui, o meu neto nasceu aqui em casa. A minha neta também foi formada aqui. Tudo começou aqui. O melhor prazer que eu tenho é minha família. Minha família me dá o apoio que eu preciso.”

O risco de remoção e a destruição da casa paira sobre a família Campos diariamente: “E agora, quando estamos pensando em mexer na casa um pouco mais, eles estão tentando destruir a minha vida e querem acabar com tudo. Agora, aos 61 anos de idade eu tenho que começar do zero: sem trabalho, sem saúde e sem nada.”

A casa da família Campos representa mais do que o custo dos tijolos, o tamanho do lote ou a quantidade de dinheiro que foi oferecida como indenização para a família deixar o local: “Eu estou confortável aqui, eu não tenho o sonho de ter uma casa grande. Para mim, está confortável. Eu moro em frente a um ponto de ônibus, tem comércio aqui a vontade, meus filhos estudaram aqui perto. Então, eu estaria satisfeito se eles me deixassem aqui.”