Ciclos Virtuosos de Desenvolvimento: Educação e Cultura no Morro do Salgueiro

Click Here for English

Esta é a segunda matéria de uma série de três que analisa iniciativas comunitárias em três favelas. Lideradas por um ou mais moradores, estas iniciativas têm em comum o objetivo de levar às comunidades um ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico, social e/ou cultural.

Mais conhecida por sua famosa escola de samba, a história do Morro do Salgueiro remonta ao início do século XX, quando as terras de uma velha plantação de café foi ocupada pela primeira vez por escravos libertados e imigrantes. Localizado no alto do bairro da Tijuca, na Zona Norte do Rio, a comunidade é composta de famílias que migraram do Nordeste do Brasil e do interior do Estado do Rio durante o século XX, formando o que é hoje uma comunidade de pelo menos 5.000 pessoas.

Na última década, várias iniciativas comunitárias notáveis no campo da educação, cultura e meio ambiente foram estabelecidas no Salgueiro. Liderados por moradores da comunidade, estas iniciativas têm como objetivo aumentar a consciência e autoestima dentro da comunidade, contribuindo para o desenvolvimento local.

Photo-1

Entre os envolvidos desde o início nessas iniciativas estão Emerson Pires Menezes, Marcelo da Paz Rocha, Denise Vieira e Denise Francisca de Oliveira Santos. Com idades entre 37 e 50 anos, todos nasceram e foram criados na comunidade ou são moradores de longa data.

Em 2013, Emerson e Marcelo reabriram a padaria que antes era dos pais de Marcelo com o objetivo de modernizá-la e transformá-la em um espaço comunitário. O espaço Padaria Caliel foi ampliado e adaptado para servir almoços e realizar eventos culturais, tais como noites de poesia ou apresentações de Caxambu ou Jongo, uma dança afro-brasileira que tem sua origem nas danças de escravos de algumas áreas de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Emerson explica: “A gente considera o Caxambu do Salgueiro parte dos aspectos culturais do Morro pelo seu caráter ancestral, pela cultura de muitos anos e pela remanescência, pois é um modo de expressão que resiste ao tempo. O Morro do Salgueiro é um dos únicos representantes remanescentes dessa cultura ancestral. Então este espaço é um lugar que eles utilizam [o grupo Caxambu] para ensaios, reuniões e quaisquer outras atividades que envolva cultura”.

Com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura, eles organizaram uma troca de livros na padaria para “incentivar as crianças, adolescentes e os jovens a ler”, disse Emerson. O restaurante serve comida tradicional de Minas, o estado de origem dos pais de Marcelo, e o espaço é utilizado regularmente por organizações locais para reuniões. Emerson diz que é “um serviço oferecido à comunidade”.

Photo-2

Denise Vieira e Denise Francisca de Oliveira Santos administram a Biblioteca Comunitária Jurema Gomes Batista no Salgueiro. Inaugurada em 2008 com a ajuda da Prefeitura e de vários doadores privados, a biblioteca é aberta para crianças todas as tardes e tem um evento mensal chamado “Come Livros”, onde Denise Francisca anda pela comunidade com um carrinho e distribui livros nas partes mais isoladas da favela.

Denise Francisca também dirigi a rádio comunitária. A transmissão é feita a partir do estúdio–que fica na biblioteca–e se propaga através de alto-falantes para toda a comunidade. A rádio é usada para relatar notícias da comunidade e promover eventos locais desde a década de 70, mas ficou fechada por um tempo devido a deterioração dos equipamentos. A estação foi reaberta por um grupo de moradores com a ajuda da ONG suíça Pronatura em 2015 sob o nome “Se Liga Salgueiro!

Denise Francisca explica: “É um projeto mais completo, não é só a comunicação, têm informações sobre cultura, saúde, as raízes do Salgueiro… Dentro dessa programação estão: as Notícias do Salgueiro, que divulga as notícias que podem impactar a comunidade como uma greve de transporte; a Agenda do Salgueiro, que divulga o que acontece dentro da comunidade; Raízes do Salgueiro, que apresenta entrevistas com moradores mais antigos (80, 70 anos) que têm histórias para contar sobre a comunidade; Dicas do Salgueiro, que oferece tipos de dicas para tirar manchas de sua roupa, fazer um bolo, dicas de saúde, etc; Opção jovem, que é um programa montado por jovens do Salgueiro, sobre tudo do universo deles”.

Photo-3

Denise Vieira, conhecida na comunidade como “Denise Ambiental”, usa sua posição como agente ambiental municipal para conscientizar a comunidade sobre as questões ambientais e consequentemente melhorar a qualidade de vida na comunidade. Estas iniciativas incluem um jardim comunitário implementado como parte do programa municipal Hortas Cariocas e esforços de reflorestamento. Denise organizou conferências socioambientais e eventos coletivos de limpeza comunitária. Organizada com a ajuda de voluntários locais, todas essas ações visam promover uma dinâmica de desenvolvimento sustentável dentro da favela.

Agindo coletivamente para impulsionar a comunidade a ir adiante

Embora eles tenham iniciativas separadas, Emerson, Marcelo, Denise Francisca e Denise Vieira dependem uns dos outros para apoio e ideias: Emerson participa da administração da rádio junto com Denise Francisca; Denise Francisca ajuda a Denise Vieira na implementação de atividades socioambientais; e Denise Vieira usa a Padaria Caliel para reuniões. Eles, assim, formam uma rede informal de moradores que atuam em conjunto para fazer a comunidade progredir. Suas iniciativas também ajudam a aumentar a autoestima da comunidade através da promoção da cultura, leitura e educação local.

“Nós temos em comum o objetivo de fundamentar a cultura no morro… e resgatar a cultura popular local”, afirma Denise Francisca.

De acordo com Emerson, a promoção da cultura local reforça a autoestima entre os moradores. “Quando nós homenageamos esses compositores locais, a comunidade também se sente representada e ganha mais autoconfiança. Os moradores se sentem agraciados”.

Quanto ao papel dos livros na comunidade, Denise Vieira diz: “Dentro das comunidades a leitura não é uma coisa primordial. Então, tentamos melhorar essa geração para podermos desenvolver adultos mais críticos, polêmicos, que não aceitem as coisas assim tão facilmente”. Denise Francisca acrescenta: “Estas criancinhas irão crescer, e até podem fazer o que nós fazemos como voluntários. Então, o objetivo é fazer que eles possam fazer uma comunidade melhor eles mesmos, fazendo a diferença dentro da comunidade, fazendo a comunidade crescer”.

Photo-4

De acordo com Emerson e Denise Francisca, os esforços para promover a leitura visa principalmente beneficiar as crianças e os jovens. “Nós verificamos nesses três anos que os maiores interessados são as crianças, que por sua própria iniciativa vêm buscar livros, vêm fazer o troca-troca em si, e inclusive fazem doação de livros que elas possuem”, diz Emerson.

As noites de poesia organizados na Padaria Caliel, no entanto, atrai um público mais velho: adultos de todas as idades que têm algum tipo de interesse em música e samba. Emerson tem o orgulho de ver esses eventos atraindo pessoas de fora da comunidade. A padaria também já recebeu eventos como parte do Festival de Literatura FLUPP.

As lideranças do projeto falam sobre os impactos positivos que suas iniciativas têm tido na comunidade em termos de engajamento cívico e interação social. A rádio  funciona com um grupo de 11 voluntários, e a entrega mensal  de livros “Come Livros” envolve um total de 10 a 15 voluntários, sendo eles moradores da comunidade. De acordo com Denise Francisca, a comunidade tem apoiado muito a iniciativa “Come Livros”, inclusive alguns moradores prepararam lanches para as sessões dos contadores de histórias e vendedores locais oferecem bebidas gratuitas para as pessoas envolvidas.

 

Importância e os limites do apoio externo

Photo-5Denise Vieira e Denise Francisca explicam que embora parte das suas iniciativas sejam apoiadas política e financeiramente pela prefeitura, o que as tornam majoritariamente possíveis, são os apoios que elas foram capazes de obter a partir de doadores privados e de organizações não governamentais. A biblioteca está sediada em um edifício municipal, porém uma grande parte do acervo inicial de livros foi doada pelo Walmart, que tinha um supermercado no bairro da Tijuca. Parte do equipamento de rádio foi doado pela Light. Denise Vieira assume a maioria de suas atividades como parte de sua posição como agente municipal, mas ela também construiu parcerias com outras empresas urbanas, tais como a Comlurb, que doa sacos e luvas para os eventos de limpeza. Por fim, o jardim da comunidade e a estação de rádio se beneficiaram do apoio da ONG suíça Pronatura.

No entanto, elas temem perder o apoio devido à atual crise econômica. “Não estou fazendo uma coisa maior, como fazia antes, porque requer muito desgaste e dinheiro e muitas pessoas não doam como antes por conta da crise. Alguns projetos do governo deixaram de existir e perdi muitas parcerias”, disse Denise Vieira. Isto ocorre num contexto onde a intervenção pública já é considerada precária por ambas Denise Francisca e Denise Vieira, especialmente no campo da educação e da saúde pública. Assim, neste momento, as lideranças de projeto têm baixas expectativas de que autoridades públicas contribuam para o futuro da sua comunidade.


Série Completa: Ciclos Virtuosos de Desenvolvimento

Parte 1: Turismo Comunitário no Turano (Turantour)
Parte 2: Educação e Cultura no Morro do Salgueiro
Parte 3: Maré Fala por Si Mesma (Maré Vive)