União de Mulheres Supera Desafios e Cria Soluções Educacionais na Rocinha

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A laje no piso superior do Hostel Roupa Feliz oferece um raro refúgio contra o calor e a movimentação na favela da Rocinha. Devido à sua dimensão, a Rocinha é muitas vezes considerada uma cidade dentro de uma cidade. O céu repleto de pipas que crianças soltam de suas lajes. A sombra das mangueiras e o jardim em volta do hostel dão uma sensação refrescante em contraste com a vizinhança densamente coesa.

Mas o Roupa Feliz não é apenas uma hospedagem pacífica e amigável para os turistas curiosos sobre a vida nas favelas do Rio de Janeiro. É também uma importante fonte de sustento para um antigo projeto comunitário e uma creche da Rocinha no bairro Roupa Suja, nome que tem sua origem na falta de água da região, que levou seus moradores a descerem até sua base para lavarem as roupas. O projeto, chamado de União de Mulheres Pró Melhoramento da Roupa Suja (UMPMRS), é ao mesmo tempo uma creche e pré-escola, e um centro comunitário, que fornece uma grande quantidade de serviços holísticos e abrangentes às famílias, incluindo, entre outros: oficinas de conhecimento para os jovens, reforço escolar, aulas de inglês e um laboratório de informática. Também oferece auxílio social aos trabalhadores, pediatras, psicólogos e outros profissionais de saúde. Semanalmente, há grupos de apoio aos adolescentes; e acessivelmente, educação e cuidados de alta qualidade para as crianças e as famílias de Roupa Suja crescerem e prosperarem.

A história desse porto seguro na comunidade começa em 1978. Nascida e criada na Rocinha, a fundadora Marcia Ferreira da Costa diz que seu trabalho de vida começou quando tinha 12 anos. Como sua mãe trabalhava em uma escola particular do Rio, Marcia teve o raro privilégio de estudar em uma escola particular e ter acesso à educação de boa qualidade. Naquela época a Rocinha recebia uma grande quantidade de pessoas vindas do Nordeste, fugindo da seca e da fome, em busca de trabalho no Rio. Muitas dessas pessoas não sabiam ler nem escrever, então pediam à Marcia para ler as cartas que recebiam do Nordeste e para escrever para suas famílias que moravam longe. “A nossa casa era pequena, com só três cômodos. Meu pai me falou: ‘Vai ficar ainda menor que do que está, mas você não vai mais dar peixe, você vai ensinar a pescar’. Foi assim que comecei a alfabetizar os adultos, e logo eles trouxeram seus filhos para eu ensinar a eles também”, explica Marcia.

Os trabalhos evoluíram rapidamente para uma creche e reforço escolar para as crianças do bairro. Em 1993 havia mais de 40 crianças e três bebês sob seu cuidado em sua casa. Naquele ano ela conseguiu passar a atender em uma igreja próxima. Em 2000, o União de Mulheres conseguiu o prédio em que está hoje. “É só a educação que pode levar alguém a algum lugar. A educação tem poder transformador, então quando você tem educação, você melhora de vida, você melhora de tudo”, afirma Marcia. De acordo com Marcia, o nome do projeto homenageia as mulheres chefes de família, que entendem o poder transformador da educação.

Atualmente, existem 48 crianças matriculadas na União, porém, há alguns anos, quando havia mais investimento, esse número chegava a 80. Os serviços da creche estão disponíveis para crianças de 4 meses até 6 anos de idade, e seu horário de funcionamento é das 8h às 17h. As crianças recebem refeições equilibradas e saudáveis no café da manhã e no almoço. À tarde, têm um lanche nutritivo e saudável. Também tomam banho e trocam suas roupas todos os dias.

Salas de aula separadas por idade possibilitam um espaço amplo para aprender e brincar e atendem os diferentes estágios de desenvolvimento. Há também uma biblioteca e uma laje, onde acontecem eventos da comunidade. E há o jardim, o parquinho e a brinquedoteca do hostel Roupa Feliz aos quais as crianças também têm acesso. “O nosso berçário é muito maior do que muitas casas. Muitas crianças querem correr para lá e para cá porque não têm esse espaço nas suas casas”, explica Marcia. Os pais contribuem com o que podem mensalmente, porém a maioria não tem condições de fazer nenhuma contribuição. Aqueles que conseguem contribuir, pagam entre R$50,00 e R$160,00 por mês. Somadas, as contribuições das famílias chegam a 10% do orçamento da creche.

O grupo de apoio semanal Adolescentes Sem Fronteiras começou em um esforço para criar um lugar seguro e amigável para adolescentes discutirem assuntos como tráfico de drogas, violência doméstica, gravidez na adolescência, educação sexual, entre outros. Vários funcionários que atuam hoje na creche já foram alunos da creche. Gerações de famílias já se beneficiaram com os serviços da União, como o próprio bisneto de Marcia–hoje com apenas 2 anos–que está matriculado na creche.

Apesar da creche ter uma longa história na comunidade e nunca ter precisado fechar, manter as portas abertas é um desafio diário. Mesmo se todas as famílias pudessem pagar a mensalidade de R$160,00, não seria o suficiente para suprir os custos das refeições, muito menos os salários dos professores. Se não fosse o mutirão ou os esforços coordenados e colaborativos da comunidade, da resiliência e rápida adaptação às constantes mudanças de demandas, o projeto não teria sobrevivido. “Eu já acolhi crianças na minha casa, já procurei latinhas pra vender para poder pagar os salários das professoras. Já fiquei sem o meu salário, já limpei, já ensinei, já fiz de tudo pra manter a nossa creche”, relembra Marcia.

A União de Mulheres financia seu trabalho através de uma grande variedade de fontes. Com a ajuda de parceiros internacionais e voluntários, o programa conseguiu se candidatar para concessões de ONGs de fora do país e obter doações. Tem ainda uma parceria com um grupo local de tours pela favela que fornece todas as refeições gratuitamente. Entretanto, estas parcerias estão em constante incerteza e risco de serem interrompidas a qualquer momento, o que coloca a creche em uma situação precária todos os dias. Como a vice-presidente Maria do Carmo de Farias Barbosa–conhecida como Carminha–explica, “Doadores de fora muitas vezes querem comprar outro imóvel. Mas como manteremos isso? Como manter o que já temos, quando nossa folha de pagamento é tão alta? O que precisamos é manter o que temos, de maneira boa, bem direitinho, e precisamos de boas ideias para captar mais recursos. E depois podemos pensar em comprar outro imóvel”.

Há alguns anos, a União decidiu criar um hostel a fim de ter uma fonte de rendimento mais autônoma, constante e segura para a organização. Ele corresponde a mais de 20% do financiamento da organização, e provou ser um instrumento vital para manter o projeto funcionando. No início, a ideia do hostel era que os hóspedes também fossem voluntários na creche, como parte de sua estadia. Mesmo não sendo mais um requisito do hostel, os hóspedes continuam a oferecer seus serviços para a creche, pintando paredes e murais, ajudando a entregar e armazenar alimentos e materiais e participando das atividades de recreação e educação para as crianças.

Ainda assim, o financiamento continua sendo um obstáculo sem fim. O sonho das mulheres da União desde o início foi o de tornar-se uma creche de utilidade pública. “Como uma creche de utilidade pública, o governo municipal nos forneceria R$300,00 mensais a cada criança atendida”, explica Marcia. As mulheres se agarram a este sonho com determinação, apesar de seus muitos desafios. Para conseguir o status de utilidade pública, a creche deve submeter-se a um processo muito complicado e burocrático e depara-se com rígidos padrões e exigências. Os funcionários precisam ter suas carteiras de trabalho assinadas, o que não acontece atualmente, e todos os professores devem ter o treinamento formal e uma graduação para poder ensinar.

Apesar do financiamento público certamente ajudar o projeto a se sustentar–ele, sozinho–não excluiria a dependência de fontes exteriores. Em toda instituição de utilidade pública no Brasil, o atraso de pagamento é muito comum. De fato, para garantir um acordo com o município, a creche deve comprovar que é capaz de se financiar caso o pagamento atrase, o que inevitavelmente acontece. Há diversas creches públicas na Rocinha e os funcionários passam três, até quatro meses sem pagamento. “Não quero que seja um depósito de crianças. Eu quero prover educação de alta qualidade. Eu poderia ter 30 crianças na sala lá encima. Mas não quero, quero manter boa qualidade. Espaço tenho. O que eu preciso para atender mais crianças são mais professoras”, explica Marcia.

Em 2016 a creche estabeleceu uma parceria com a associação sem fins lucrativos Instituto Phi, ou Philanthropia Inteligente. Eles procuram projetos sociais de alta qualidade para levá-los a empresas brasileiras que desejam doar o dinheiro a causas filantrópicas. A organização segue os projetos sociais durante toda a aplicação de fundos doados e gera relatórios para que os doadores vejam a execução dos projetos que estão apoiando. A Phi seleciona as organizações que atendem a quatro critérios: transparência, qualidade de gestão, impacto e solidez. Até agora a Phi fez parcerias com 49 investidores, contribuindo com mais de 168 projetos no Brasil, o que gerou R$9.5 milhões para iniciativas sociais. A Phi tem ajudado a União a regulamentar seus padrões de acordo com os requeridos pela lei, para poderem passar a ser uma creche de utilidade pública municipal. Isto significa que é necessário passar a fiação elétrica para a parte da frente do prédio, instalar cisternas e construir cercas de segurança nas sacadas e na laje. Estes três objetivos já foram atingidos. Contudo, tendo o governo do Estado do Rio declarado falência, aliado à crise financeira pós-Olimpíada na cidade do Rio e às promessas de cortar as despesas públicas, feitas pelo Prefeito Crivella, diminui a confiança na vontade política de financiar projetos sociais como a União de Mulheres. Deste modo, este sonho da União foi congelado.

“Eu venho de uma família que tinha tudo para desistir. Já tive muitos motivos para não continuar, mas meu recado para os jovens é de nunca desistir”, reflete Marcia. A União de Mulheres é um legado à natureza criativa, flexível e resiliente das favelas do Rio que respondem à ausência–e, às vezes, à hostilidade–do estado, à falta de recursos e circunstâncias desafiadoras.