Audiência Comunitária pela Vida em Acari Debate Violações Policiais

Rosilene, mãe da Eduarda, mostra fotos e as medalhas da filha. Foto: Bentto Fábio

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No último sábado, dia 7 de maio, o Coletivo Fala Akari e a Associação de Moradores de Acari organizaram uma Audiência Pública na Favela de Acari, a fim de ouvir moradores e denunciar crimes promovidos na comunidade pelo Estado. O local escolhido para o evento, a quadra da Escola de Samba Favo de Acari, é simbólico, pois foi onde ocorreu o evento que marcou os 20 anos da Chacina de Acari, cometida em 1990 por policiais que até hoje não foram punidos. O evento começou com uma lembrança às vítimas de violência policial na favela, chamadas pelo nome e aclamadas com gritos de “presente”.

Para além desse crime não solucionado, os moradores utilizaram o espaço da audiência para denunciar outros, como a morte de Maria Eduarda, 13 anos, atingida por 4 tiros durante a aula em uma escola da comunidade. “Antes eu não tinha medo de falar, agora que eu não tenho mesmo. Ninguém vai me calar”, disse Rosilene, a mãe da menina, ao microfone. “Quando o prefeito diz que vai blindar as escolas é risível. Nós não queremos isso, queremos uma blindagem social. Queremos a presença da prefeitura para além da polícia”, colocou Leonardo, professor da escola municipal onde Eduarda foi assassinada.

Várias falas ecoaram essa necessidade de se encontrar uma saída que não seja pelo policiamento, mas pelo investimento em saúde, principalmente mental, e educação. “Por que não tem escola técnica e nem universidade na favela se tem dinheiro para operação policial?”, provocou o morador Estevão. Outros moradores reclamaram que o Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, cuja gerência esteve envolvida em 2015 em escândalos de desvio de dinheiro, não possui serviço psicológico e não passa de um “elefante branco”, e que as escolas e creches locais, já em número insuficiente, sofrem com um problema crônico de falta de aulas pela falta de professores. Lennon, membro do Centro Cultural Poeta Deley de Acari (CCPD), denunciou também o esvaziamento do primeiro curso pré-vestibular da comunidade devido à violência. “Como manter a política de segurança pública sem interferir na continuidade do calendário escolar, ante a presença de conflitos armados?” era uma das perguntas de uma ficha orientadora para a discussão preparada pelos organizadores.

A recorrente invasão de residências sem mandado judicial, pela violação de cadeados ou pela utilização de chaves micha, também apareceu na fala de diversos moradores. “Quando a gente chega em casa tá tudo revirado, a gente sai pra trabalhar já com medo”, disse Janete. Moradores alegam que a invasão frequentemente é seguida pela apreensão de documentos pessoais, utilização da residência como esconderijo e até mesmo realização de cárcere privado.

A região de Acari registra um dos mais elevados índices de morte por decorrência de ação policial (novo termo para os antigos “autos de resistência”) da cidade. O 41° Batalhão da Polícia Militar, que atende o local, é considerado o batalhão mais letal do Rio de Janeiro, e os moradores contam que ele é conhecido pela prática de um policiamento ostensivo e por absorver os policiais de outros batalhões que se envolvem em problemas, inclusive policiais que estão sendo investigados. Só nos três primeiros meses de 2017, o batalhão executou ao menos 36 pessoas.

Estevão denunciou: “Todo mundo que mora aqui já viu uma poça de sangue ou um corpo caído. Venda e consumo de droga tem na Barra, no Leblon. Mas é aqui que tem tiro, morte. A gente às vezes se convence que a guerra é normal, mas ela é parte de um sistema que tá botando dinheiro no bolso de alguém, e não é no nosso. Essa guerra envolve todo o mundo, mas ela se efetiva aqui”. Outro morador completou: “A forma de repressão ao tráfico é uma escolha política. Se o tráfico acabasse, eles encontrariam outro motivo para nos matar“.