Grupos Socioambientais da Zona Norte do Rio Lançam Filme ‘É Rio ou Valão?’

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No dia 3 de outubro, o curta-metragem educacional É Rio ou Valão? foi lançado no campus da Fiocruz em Manguinhos. A sessão do filme foi acompanhada de um painel de discussão e de uma performance teatral, ao vivo, realizada por jovens engajados na organização comunitária socioambiental Verdejar, na Zona Norte, que também atuaram como protagonistas do filme. Em parceria com a Fiocruz, o filme foi desenvolvido pelo Observatório da Sub-bacia Hidrográfica do Canal do Cunha, uma iniciativa que visa construir políticas públicas mais participativas e ambientalmente justas para a região, liderada pelas organizações comunitárias e movimentos sociais que compõem o Grupo de Articulação dos Povos da Sub-bacia do Canal do Cunha.

Representantes de cada instituição envolvida na produção do filme enfatizaram a natureza colaborativa do projeto–unindo movimentos sociais e outros grupos da sociedade civil com a academia e entidades públicas em um esforço para conectar formas de conhecimentos de base com conhecimentos técnicos e científicos.

Em um contexto caracterizado pelo acesso desigual aos bens ambientais, pressões crescentes para sujeitar os recursos naturais que sustentam a vida à lógica baseada no mercado, e o desproporcional fardo de problemas ambientais enfrentados pelas populações marginalizadas, torna-se ainda mais urgente e necessário abordar efetivamente as questões socioambientais comunicadas através do filme.

É Rio ou Valão?

Tomando a questão da nomenclatura ostensivamente simples do título como ponto de partida, o filme É Rio ou Valão? explora a forma como os adolescentes Andrey, Jonas, Lucas e seus colegas percebem o Rio Faria-Timbó. Com a intenção de servir como uma ferramenta educativa, o filme convida o público a considerar a relação entre os humanos e o meio ambiente no qual vivemos, sugerindo que a forma como nós entendemos, nos engajamos e valorizamos os recursos naturais é crucial para a garantia de sua sustentabilidade e conservação. Através dessas lentes, o filme destaca a questão do acesso e do uso dos recursos hídricos nas favelas, um debate altamente relevante à luz das violações desenfreadas dos direitos socioambientais vivenciadas por muitos moradores da Zona Norte. A Zona Norte é a região mais populosa e mais densamente habitada do município, lar de um terço da população da cidade e de quase metade dos moradores de favelas do Rio.

O Rio Faria-Timbó forma uma fronteira natural entre as Zonas Norte e Oeste do Rio, fluindo para o leste e canalizado no Canal do Cunha, que atravessa as favelas de Manguinhos e o Complexo da Maré antes de desaguar na Baía de Guanabara.

Entrevistado no filme, o ambientalista e fundador do movimento Baía Viva, Sérgio Ricardo Lima, explica:

As raízes dessa poluição têm a ver com o grande aterramento que foi feito em toda essa região aqui. Isso reduziu a profundidade dos canais e dos rios que desaguam aqui na Baía de Guanabara. Nós temos hoje um grande problema de assoreamento. A Baía está ficando mais rasa impedindo a circulação das embarcações, inclusive dos pescadores, e nós temos aqui a refinaria de petróleo de Manguinhos, que durante décadas lançou óleo e poluentes industriais nas águas da Baía.

Na ausência de infraestrutura de saneamento universal e tratamento de esgoto adequado na cidade como um todo, e considerando a grande concentração de indústrias na Zona Norte (onde acontece aproximadamente 58% da produção industrial da cidade), efluentes industriais e domésticos não tratados tornaram o Canal do Cunha um dos canais mais poluídos da Baía.

Os impactos negativos que resultam das poucas condições de saneamento e da degradação ambiental, entretanto, não são distribuídos igualmente. Os danos resultantes da degradação afetam desproporcionalmente a saúde e o bem-estar dos moradores das favelas e das periferias urbanas.

“Quem sofre mais com isso é a classe trabalhadora mais pobre de origem afrodescendente–em sua grande maioria–e nordestina. Então determinados grupos de pessoas são mais afetados do que outros por problemas ambientais”, explica Ernesto Gomes Imbroisi, o professor dos estudantes no filme.

A exposição aos danos resultantes da água não tratada, do esgoto e do lixo acumulado–juntamente à falta de acesso a recursos naturais cruciais, sob os quais as vidas e os meios de subsistência dependem–viola o direito dessas comunidades a um meio ambiente saudável e constitui uma grave forma de injustiça ambiental.

Nessa perspectiva, é essencial expandir a nossa concepção de saúde. “Saúde não é apenas a ausência de doença”, o jovem narrador do filme explica. “Saúde tem a ver com as condições gerais de vida das pessoas. É o saneamento básico, a educação, o trabalho, a moradia e o meio ambiente”.

“Vamos Verdejar!”uma convocação para proteger a Serra da Misericórdia

No filme, Edson Gomes, coordenador geral do Verdejar, enfatiza o papel crucial, social e ecológico da Serra da Misericórdia, um maciço rochoso e uma floresta urbana que faz fronteira com 27 bairros e que compreende a última área expansiva da Mata Atlântica na Zona Norte da cidade.

Embora a Serra da Misericórdia tenha recebido o status de Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU) em 2000 e esteja localizada na zona mais populosa do Rio, companhias mineradoras continuam a operar pedreiras para a produção de concreto na região. A extração coloca em perigo os sistemas ecológicos, incluindo a destruição de fontes naturais–tradicionalmente utilizadas como fontes de água doce pelos moradores–e distúrbios terrestres, impactando a sedimentação da Baía de Guanabara. Outra forma alarmante de degradação ambiental na Zona Norte causada pela atividade humana é a destruição de florestas ripárias–árvores e vegetação que atravessam corpos de água como rios e reservatórios. Como explica Edson, a destruição desses amortecedores de proteção deixa a água diretamente exposta a impactos ambientais negativos, como a erosão das margens dos rios.

Edson instrui os estudantes no filme: “Quer saber se é valão ou rio? Procura se tem uma nascente ou um cano. Infelizmente a maioria dos rios daqui dessa região têm os dois… Então ele originalmente é um rio, que se torna–ou parece que é–um valão pelo próprio trato que é dado pela população e pelo poder público”.

Acompanhando a sessão do filme, jovens produtores culturais do Ponto de Cultura Luiz Poeta Verdejar realizaram a performance teatral intitulada “Vamos Verdejar!” Com a celebração do 20º aniversário do Verdejar este ano, a performance relatou a história da organização, decorrente da visão e do compromisso do fundador Luiz Poeta em proteger implacavelmente a Serra da Misericórdia de interesses privados e da degradação ambiental.

A performance concluiu com a revelação de cartazes, onde estavam escritos: “A Serra da Misericórdia é uma das últimas áreas verdes da Mata Atlântica na Zona Norte. A Zona Norte tem o menor espaço verde per capita no município. Nós temos o ar mais poluído da cidade. Chega! Não à violação dos direitos humanos ambientais! Vamos Verdejar!”

Ao refletir sobre suas experiências, os jovens expressaram o profundo impacto de seu envolvimento na produção teatral e no filme sobre o relacionamento deles mesmos com as águas da região. Nas palavras do jovem ator Jonas Santos de Oliveira Costa, “Será que não temos culpa pelo rio estar sujo? É muito triste ver crianças pulando num poço sujo, porque nós o sujamos. Queremos um rio melhor, mas para ter um rio melhor, precisamos nos melhorar”. Desse modo, um grau de responsabilidade recai sobre os indivíduos e as comunidades para agirem como gestores do meio ambiente. Em seus 20 anos de experiência disseminando práticas incluindo agroecologia, permacultura e agrofloresta, a organização comunitária Verdejar tem mostrado que não apenas é possível, como é imperativo assumir esta responsabilidade ao elaborar soluções alternativas de gestão ambiental diante da negligência pública.

Ao mesmo tempo, através de processos de mobilização comunitária e participação popular em debates políticos, as autoridades devem ser responsabilizadas pela garantia básica dos direitos socioambientais. Um jovem colega e ator Lucas Fernando dos Santos comentou: “Se a gente não mostrar para a sociedade que temos direitos, vamos continuar vendo isso acontecer. É muito importante ter uma concepção do que vai acontecer se continuarmos neste ciclo”.