O Que Esperar da Política Brasileira em 2018? Parte 4: Dinâmica Partidária

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Esta é a quarta matéria de uma série sobre o cenário político brasileiro para 2018.

A multiplicidade de partidos políticos no Brasil e a sua fraca coesão ideológica fazem com que os eleitores desconheçam os seus ideais enquanto partido, e votem quase que exclusivamente em sua identificação pessoal com o candidato. Isso gera o que é costume chamar de “crise de representatividade” entre eleitores e partidos. Essa identificação pessoal, por sua vez, está muito mais ligada a pautas identitárias do que de classe social, que anteriormente era considerada determinante tanto para a organização partidária (refletido em partidos como o Partido da Causa Operária e os diversos partidos trabalhistas) quanto para a organização da sociedade civil (seja em sindicatos, seja em movimentos sociais). Hoje parece que há muito maior propensão em votar em um candidato que levante uma bandeira com a qual o eleitor se identifica individualmente (seja ela a bandeira LGBTQI+, a bandeira dos evangélicos, a bandeira do pequeno empreendedor) do que uma pauta com a qual ele se identifique enquanto classe social, o que parece alimentar polarizações.

Este cenário dos partidos muitas vezes confunde o eleitor. Buscamos aqui desvendar alguns mistérios dessa dinâmica partidária.

Partidos Políticos

O mistério começa no uso de siglas para a identificação do partido, que além de frequentemente parecidas, camuflam o conteúdo que representam e tornam-se um desafio para o cidadão, especialmente diante do número tão grande de partidos. Quantas vezes o PMDB não foi confundido com o PSDB, por exemplo? Isso dificilmente aconteceria em países onde os partidos são identificados pelo nome, como nos EUA (Democrata ou Republicano) e Inglaterra (Trabalhista, Conservador, etc.).

Além disso, capitalizando em cima da rejeição dos eleitores tanto à “esquerda” quanto à “direita” institucionais, a grande maioria dos partidos atualmente opta por se declarar como de centro, aliando termos como “social” e “liberal”, o que gera bastante confusão. Pesquisas sugerem que no Brasil partidos mais a esquerda tendem a dar uma guinada à direita quando chegam ao poder, por terem que fazer concessões e alianças com grupos conservadores para governarem, como foi o caso, em maiores ou menores proporções, dos governos PSDB de Fernando Henrique e PT de Lula.

Os partidos atuais passaram a existir oficialmente no fim da ditadura, quando iniciou-se o período de redemocratização. A Constituição de 1988 garante a sua livre criação e extinção e o resultado é um multipartidarismo de fato bastante múltiplo–atualmente são 35 partidos regulamentados. Enquanto a ideia de ter muitos partidos soa positiva no sentido de aumentar as chances de representação, na prática, para alguém governar de fato será obrigado a fazer pactos com outros partidos, o que levará, obrigatoriamente, a desvios no que teria sido a sua atuação, sejam de valores ou de ética.

O que muitas vezes acontece é o contrário da maior representação: grupos marginalizados continuam sendo mal representados–afinal, o nosso Congresso é formado por 80% de homens brancos em um país no qual metade da população é de mulheres e de pretos e pardos. E as posições defendidas pelos partidos acabam sendo muito semelhantes. Uma pesquisa do Nexo mapeou a representação no Congresso em diferentes países e o Brasil é o que apresenta maior fragmentação (e consequentemente a menor representação dos dois partidos dominantes, número que aparece abaixo dos diagramas, na caixa cinza).

O partido oficialmente mais antigo do país, regulamentado na redemocratização, em 1981, é o PMDB, que esse ano retornou à sigla que usava na época em que era um partido não-regulamentado de oposição ao governo na ditadura militar: MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Trata-se de uma tentativa de renovação diante de uma crise de sua imagem, associada a escândalos de corrupção e ao impopular presidente em exercício Michel Temer, em um inusitado retorno à sigla sob a qual uniram-se forças de resistência ao regime militar, incluindo movimentos sociais e sindicais, que podem ter a intenção de deixá-lo mais palatável para a esquerda.

Já os partidos mais jovens datam de 2015: a Rede, o Partido da Mulher Brasileira (PMB) e o Novo. Todos também buscam representar alguma forma de oxigenação–a Rede chama-se Rede de Sustentabilidade, termo nunca antes usado em siglas partidárias e que remete a uma pauta ambientalista, o PMB também é o primeiro partido a fazer alusão às mulheres, e o Novo obviamente coloca-se como uma alternativa à velha política. A renovação também passa por uma tentativa de atrair os jovens, que correspondem somente a 2% dos quase 18 milhões de filiados a algum partido no Brasil. A narrativa de renovação, no entanto, cai por terra diante de fatos como de serem o Novo e a Rede os partidos com menor representação feminina do país, enquanto o PMB, de fato, tem a maior, chegando a 55% no início desse ano.

Além do Novo e da Rede, outros partidos também já haviam optado por distanciar-se do conceito de partido ao abandonar o “P” da sigla, buscando contornar a rejeição à política partidária. É o caso do Solidariedade (SD) e do Patriotas (PATRI), e dos recauchutados Democratas (DEM, antigo Partido da Frente Liberal), e Democracia Cristã (DC, antigo Partido Social Democrata Cristão). Também é o caso de partidos que substituíram a sigla por uma palavra de ordem, como Avante (antigo Partido Trabalhista do Brasil, PTdoB) e Podemos (antigo Partido Trabalhista Nacional, PTN), cujo nome não tem ligação nenhuma com o partido de esquerda espanhol Podemosque vem gerando homônimos na América Latina–pois vem de uma pesquisa de opinião na qual “podemos” foi a palavra mais citada. Apesar de alguns desses partidos, como Rede, MDB, Podemos e Solidariedade, definirem-se como movimentos, suas trajetórias divergem da de partidos como o Podemos da Espanha e o francês Em Marcha!, que surgem fora da política institucional e só depois passam a integrar a estrutura partidária.

A opção ajuda a desvinculá-los de outras siglas parecidas–como do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Trabalhista Cristão (PTC), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), e, menos frequentemente, do Partido dos Trabalhadores (PT)–além de terem o potencial de afastá-los de uma crescente rejeição à esquerda, simbolizada no termo “trabalhista”. A mudança de nome do Avante foi justificada pelo então presidente do partido como forma de “estreitar os laços entre os cidadãos e as instituições políticas” e livrar-se de um nome antigo que “não representava mais [seus] verdadeiros ideais”. Prova disso é que na última eleição presidencial, os dois partidos apoiaram o candidato Aécio Neves do PSDB, partido que é social democrata no nome, mas que não se coliga com os outros partidos de esquerda. A renovação mira não só eleitores, mas também os próprios candidatos eleitos para o Congresso, que trazem consigo tempo de TV e fundos para o partido–o Podemos, por exemplo, atraiu 12 novos deputados federais e 2 senadores com a mudança de nome.

Além dos partidos regulamentados, a um ano das eleições havia 70 pedidos de criação de partido registrados no TSE. Para além de um grande número de legendas com prenúncios conservadores, como é o caso do Partido Social da Família, do Partido Conservador e o de Reestruturação da Ordem Nacional (uma reformulação do PRONA de Enéas), é preocupante um possível retorno da Arena (partido conservador criado durante a ditadura como o partido de situação, no momento em que o pluripartidarismo foi proibido no país) e a tentativa de criação de um Partido Militar, que celebra a ditadura (um dos articuladores diz que eles querem a legenda 38, em alusão ao calibre de uma arma, ou 64, em alusão ao ano do golpe militar e que querem “voltar ao poder e invadir o Congresso […] pela via democrática). Além disso, também é inquietante a evocação de causas particulares, como é o caso do Partido Corinthiano, e pauta política setorizadas, como os partidos do Esporte, da Segurança Pública e o Partido Nacional da Saúde. Alguns partidos, por outro lado, parecem vir para tentar sanar a falta de representatividade política de alguns grupos, como é o caso do Partido Nacional Indígena, o Frente Favela Brasil e o Partido da Igualdade, que visará a inclusão de pessoas com deficiência.

A estratégia de criar partidos é acionada em parte porque um partido automaticamente ganha uma parcela dos fundos Partidário e Eleitoral e pode ganhar tempo de TV e mais fundos muito facilmente, se um deputado já eleito trocar sua legenda atual pelo novo partido, podendo atuar somente como cabide de empregos ou para fortalecer coligações de partidos maiores, sem grande novidade de representação. Para que um novo partido seja criado é preciso, entre outros pré-requisitos, da assinatura de um número de eleitores não filiados a nenhum partido correspondente a 0,5% dos votos válidos a deputado federal nas últimas eleições (o que atualmente seria quase 500 mil).

Esta é a quarta matéria de uma série sobre o cenário político brasileiro para 2018.