Julho Negro 2018 Inicia com Ato Candelária Nunca Mais!

25 Anos da Chacina da Candelária e Pouco Mudou

Há 25 anos, uma das maiores tragédias marcava com sangue a história do Rio de Janeiro. Prova disso é que mesmo tanto tempo depois dezenas de movimentos de defesa dos direitos humanos se concentraram na segunda-feira, dia 23 de julho, na Igreja Nossa Senhora da Candelária, no Centro do Rio, para gritarem em alto e bom som: “Candelária Nunca Mais!”

A manifestação começou com uma missa em memória das oito vítimas da Chacina da Candelária. Centenas de pessoas caminharam por uma das avenidas mais importantes da cidade, a Avenida Rio Branco. Crianças, moradores de favelas e periferias e mães que perderam seus filhos nas mãos do Estado gritavam pelo fim das muitas violências sofridas por jovens negros e, também, gritavam pelo fim da intervenção federal e do modelo estruturalmente racista da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. “Não quero Caveirão, queremos mais dinheiro pra saúde e educação!”, gritavam também os manifestantes.

A chacina

Na madrugada do dia 23 de julho de 1993, enquanto mais de 50 pessoas dormiam em frente a mais imponente e grandiosa igreja do Rio de Janeiro, a da Candelária, policiais fora de serviço alvejaram pessoas que tinham, de pertences, apenas seus cobertores. Seis das oito vítimas eram menores de 18 anos. Dormiam na rua evidenciando a falida proteção à criança e ao adolescente no nosso estado–algo que perdura até hoje.

No ato de segunda-feira, naquele chão que já se viu ensaguentado de crianças, pinturas simularam corpos estirados. A majestosa e histórica Igreja Nossa Senhora da Candelária sempre será associada a um dos crimes mais cruéis da história do país. Os homens apontados como culpados pela Chacina da Candelária foram sentenciados a mais de 200 anos de prisão, mas graças a indultos judiciais, foram soltos antes de 20 anos do cumprimento da pena. Um dos culpados é considerado foragido pela justiça.

Chacina, violência: 25 anos depois, a Candelária nos lembra que pouco mudou

“A importância de estar aqui é relembrar e não deixar cair no esquecimento. Além disso, há um aumento das chacinas na Intervenção, agora tem até helicóptero que pode atirar nas residências das favelas. Atirou na Maré, na Rocinha, em vários lugares. É complicado estar aqui, é comovente, é impactante, mas é importante saber que a gente não pode deixar esquecer. Tudo pra população negra sempre foi com muita luta e hoje é mais um dia de luta”, disse Patrícia Oliveira, uma das organizadoras do ato, que participa do Movimento de Mães Contra a Violência, do Candelária Nunca Mais e é também irmã de Wagner, sobrevivente da Chacina da Candelária que hoje vive fora do Brasil.

O início da década de 90 foi marcado por uma altíssima taxa de letalidade no estado do Rio. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), entre 1991 e 1995, a taxa de assassinatos variou entre 60 a 64 pessoas a cada 100.000. Os anos posteriores mostraram uma baixa nesses crimes, mas, ainda sim, os números são altos e preocupantes. Em 2017, a taxa era de 40. Excluem-se desse número, ainda, outras tantas formas de violência letais–não registradas como mortes violentas, seja nas filas dos hospitais ou nos acidentes de trânsito.

O repúdio à Intervenção Federal também estava no grito daqueles e daquelas que caminhavam pela Avenida Rio Branco em direção à Cinelândia. Em cinco meses de Intervenção, nada mudou. O projeto que quer acabar com a violência no Rio, na verdade, intensificou a barbárie para muitos. Só para ficar no debate sobre chacinas, de acordo com o último relatório do Observatório da Intervenção, de fevereiro a julho o número de chacinas–consideradas quando há três ou mais mortos na mesma situação–aumentou em 80% na comparação com os cinco meses anteriores. Isso significa 119 mortos em 28 chacinas, como nos casos de Caxias em abril, da Maré e do Chapéu Mangueira em junho e de Mangaratiba e de Queimados em julho.

Além disso, outros dados sobre a ineficiência da Intervenção também são alarmantes: tiroteios aumentaram em 37% e apreensões de fuzis e metralhadoras diminuíram em 39%. O resultado acaba sendo o medo de balas perdidas e das balas achadas. E não importa pra onde esteja indo. Não importa de que forma o alvo esteja vestido. O caso do adolescente Marcos Vinicius, de 14 anos, uniformizado a caminho da aula e, mesmo assim, assassinado na Maré deixou essa situação evidente.

O caso da Candelária nos força a lembrar que outros dois problemas graves de segurança e de dignidade da população do estado ainda não foram resolvidos ou sequer arrefecidos 25 anos depois: o das pessoas em situação de rua e a situação das crianças mortas por balas de fogo. As ruas do entorno da Candelária todas as noites seguem tomadas por pessoas que não têm casa, não têm a dignidade de um teto. Em 2016, segundo levantamento da prefeitura, eram 14.000 pessoas vivendo nas ruas da cidade do Rio de Janeiro. O número pode ser ainda maior. A impressão é que, com o agravamento do desemprego, a situação está ainda mais deteriorada. As crianças mortas por balas ainda rasgam a infância de nosso estado. A ONG Rio de Paz tem um levantamento que aponta que 50 crianças com idades entre zero e 14 anos foram vítimas fatais em decorrência de balas perdidas desde 2007. Só nos últimos dois anos, foram 28 casos.

Julho Negro

O ato de segunda-feira fez parte da programação do evento Julho Negro, criado em 2016 por movimentos de direitos humanos, principalmente de mães que perderam seus filhos à violência de Estado, com programações que debatem temas relacionados a esta violência. Esse ano a edição tem como tema a internacionalização da resistência e vai contar com ativistas do mundo todo, da Palestina, do Chile, da Colômbia, da África do Sul, da Argentina entre outros. Entre segunda, 23, até sábado, dia 28, movimentos e movimentações acontecerão por toda a cidade, com debates sobre religião, direitos humanos, ocupações e militarização da vida. Todos eles, mais uma vez, para gritar pelas vidas violentadas, militarizadas e descartadas. Confira a programação aqui.

Rithyele Dantas, cria do Morro da Cruz no Andaraí, é estudante de jornalismo. Rithyele é fotojornalista, e já atuou como educadora popular, assessora parlamentar no Rio e é fundadora do blog Jornalistas Pretas, um trabalho que acredita ser importante para a garantia dos direitos humanos.