Veja a matéria original por Timothy Williams em inglês no The New York Times aqui.
FILADÉLFIA—Cidades que trabalharam durante anos para atrair jovens profissionais que antigamente se mudariam para subúrbios de classe média, estão agora buscando maneiras de proteger um grupo que durante este período foi considerado dispensável—trabalhadores de classe trabalhadora, com casa própria, ameaçados pelo processo de gentrificação.
Segundo autoridades municipais, as iniciativas previstas ou em curso em Boston, Filadélfia, Washington, Pitsburgo e outras cidades, estão centradas na redução ou congelamento de impostos sobre imóveis residenciais (IPTU), em um esforço para promover a estabilidade da vizinhança, preservar o estilo do local e proporcionar um tipo de dividendo para aqueles que permaneceram na mesma comunidade por anos enfrentando alta criminalidade, perda de população e declínio nos valores de suas casas.
Os recém-chegados, cuja vitalidade é fundamental para as cidades, não estão necessariamente sendo afastados. Mas as autoridades dizem que um equilíbrio é necessário, dada a atenção e financiamento do governo para atrair os jovens profissionais—desde incentivos fiscais para condomínios de luxo a novas ciclovias, parques de cães e campos esportivos.
“Sentimos que as pessoas que suportaram todas as adversidades devem ser recompensadas”, disse Darrell L.Clarke, presidente da Câmara Municipal de Filadélfia, que no ano passado aprovou uma legislação para limitar os aumentos de impostos sobre imóveis de residentes de longa data. “E nós sentimos que é nossa incumbência protegê-los”.
Ao fazer isso, os municípios estão virando de cabeça para baixo suas políticas de regeneração urbana e perdendo milhões em receitas fiscais que poderiam ser usadas para restaurar os serviços municipais que foram cortados durante a recessão por causa de cortes no orçamento, incluindo a recontratação de policiais.
A decisão de reduzir impostos sobre imóveis pode ser arriscada porque tais taxas são responsáveis por pelo menos 50% dos orçamentos de funcionamento da maioria das cidades estadunidenses e, por vezes, fornecem até 80% da receita de um município.
Mas mesmo Detroit, onde uma base fiscal em declínio tem sido o cerne dos problemas da falência do município, recentemente anunciou planos para cortar as taxas de imposto sobre imóveis residenciais.
No mês passado, Mike Duggan, novo prefeito de Detroit, disse que impostos seriam cortados em até 20% para níveis que representam com mais precisão o valor das casas da cidade. A redução poderia custar a Detroit algo como US$15 milhões por ano em receitas.
Os ajustes fiscais são parte de uma estratégia mais ampla dos municípios para ajudar proprietários de imóveis–que continuam a lutar financeiramente desde a crise das hipotecas nos Estados Unidos. Em Richmond, na Califórnia, os legisladores estão tentando usar a desapropriação por obras de utilidade pública para resgatar hipotecas e tentar ajudar os proprietários a manterem suas casas.
Especialistas em habitação dizem que a chegada de novos moradores a bairros anteriormente de classe trabalhadora–de Mission District, em São Francisco, ao bairro Shaw em Washington–é distinta dos fluxos anteriores dos últimos 30 anos, porque os recém-chegados de agora estão muito mais propensos a optar por morar em condomínios novos ou em lofts em vez de em casas já estabelecidas, fazendo as mudanças mais perturbadoras.
“Esta última onda de gentrificação aconteceu muito rapidamente, e as prefeituras estão conscientes para que isso não ocorra tão amplamente”, disse Lisa Sturtevant, diretora executiva do Centro para a Política de Habitação, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos. “E as cidades que têm os valores de propriedade mais altos e orçamentos geralmente mais estáveis têm os meios para fornecer benefícios fiscais”.
Sturtevant disse que, visto que muitos dos jovens recém-chegados não pretendem ficar por muito tempo, as cidades estão fazendo uma escolha econômica sensata.
“Há menos investimento pessoal e menos incentivo para ficar, por isso os municípios estão dizendo: ‘Vamos investir nos que ficam’”, disse ela.
Boston, que foi apontada por uma análise do Federal Reserve Bank de Cleveland no ano passado como a cidade americana com maior pressão de gentrificação–seguida de Seattle, Nova York, São Francisco, Washington e Atlanta–concluiu que cerca de um quarto da população da cidade vivia em bairros gentrificados.
“Os valores de imóveis estão aumentando exponencialmente, e os proprietários de longa data são vítimas dessa história de sucesso”, disse Stephen J. Murphy, um vereador da cidade de Boston, que co-apresentou uma lei permitindo que os residentes que possuíam casas por mais de 10 anos e cujos impostos sobre a propriedade tiveram um aumento de 10% ou mais poderiam adiar o pagamento dos impostos até a venda de suas casas. O projeto de lei, aprovado pela Câmara Municipal, está pendente da aprovação do legislativo estadual.
Mas a Filadélfia, que passa por um período de crescimento, tendo seu primeiro aumento de população desde a década de 1950, parece ter decretado medidas mais abrangentes para proteger os proprietários de longa data.
A primeira, a Isenção para Imóveis Residenciais, permite que a maioria dos proprietários reduzam o valor estimado de sua casa em até US$30.000 para fins fiscais, enquanto uma segunda lei, chamada Proteção Contra a Gentrificação, ou LOOP (uma abreviação do termo em inglês para Programa para Moradores Proprietários de Longa Data), é mais estreitamente focada em proteger os proprietários contra aumentos de impostos causados pela gentrificação.
O programa, de uma forma geral, permite que proprietários que vivem em suas casas há 10 anos ou mais, e cujo rendimento agregado familiar é inferior a cerca de US$110.000 por ano, congelem suas avaliações por 10 anos se estas tiverem aumentado em 300% ou mais como consequência da nova fórmula de impostos do município.
“Filadélfia é uma cidade de bairros, e a razão pela qual as pessoas querem se mudar para nossos bairros é o estilo singular que eles têm”, disse Mark Squilla, um membro da prefeitura que disse que era comum que avaliações de imóveis crescessem em até 10 vezes em um único ano. “Gentrificação é ótimo. Mas temos que manter um controle sobre isso”.
Rene Goodwin, que mora no mesmo bairro que seus avós viveram durante a década de 1920, no sul da Filadélfia, viu o valor de sua casa subir de US$90.000 para $281.000 em um único ano.
“Para manter uma área urbana viva, há que acontecer uma entrada de novas pessoas e edifícios, mas isso não significa que você precisa destruir as pessoas que mantiveram-se no bairro, que varreram suas calçadas”, disse ela. “É esse compromisso com o local que fez os investidores se interessarem pelo bairro–e então você vai penalizar as pessoas que vivem e permaneceram na comunidade?”
Jacy Webster, de 56 anos, que vive onde tinha sido até recentemente um bairro ítalo-americano no sul da Filadélfia, disse que começou a se sentir como um estranho.
Os recém-chegados, em sua maioria jovens famílias, parecem ter um ritmo mais rápido do que o seu ou mesmo não vê-lo. Cortesias antigas como dizer ‘Oi’ e bate-papos informais tornaram-se raros.
“Eu não pertenço mais a esse lugar”, disse ele.
As mudanças fizeram com que a avaliação de sua casa mais que quintuplicasse durante o ano passado–de US$45.000 para US$250.000–o que ele disse pode forçá-lo a se mudar ou, talvez, alugar sua casa, caso ele não se qualifique para LOOP. O prazo de 17 fevereiro já passou, e ele está à espera de uma resposta da prefeitura.
O Sr. Webster disse, no entanto, que existe pelo menos uma vantagem em estar cercado por vizinhos mais ricos: “Na verdade, o bairro está mais seguro do que nunca”.
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