A série Justiça Energética é resultado do projeto “Comunicando em Prol da Eficiência e Justiça Energética nas Favelas”, que publicou doze relatos e seis pesquisas, realizadas e ilustradas por moradores de favelas, e mais um vídeo resumindo o projeto. A série visa gerar consciência sobre o tema por moradores e formadores de opinião dentro e fora das favelas, para que realizem boas decisões sobre eficiência energética e reivindiquem o direito à justiça energética. 

 

Para introduzir a série o RioOnWatch publicou uma matéria resumindo uma pesquisa internacional, onde quatro pesquisadores classificaram três noções distintas referentes à justiça energética: justiça distributiva, justiça de reconhecimento e justiça procedimental.

Pano de Fundo

Na época da urbanização do Rio, o carvão era a principal matriz energética e indispensável em diversas atividades da construção civil. Era o povo negro que desbravava a mata e que, com suas tecnologias carvoeiras, transferia para o Centro do Rio a energia da floresta. Em diversos locais do Maciço da Pedra Branca foram encontrados vestígios de pequenas carvoarias, que tiveram papel importante na construção do Centro da Cidade.

Lembrando a crise energética de 2001: uma grande crise energética gerou apagões e um severo racionamento de energia no país, em 2001, atingindo duramente as periferias. Políticas de redução impuseram tarifas mais altas e limites na quantidade de energia consumida. Nas favelas, a falta de energia era ainda mais comum e somava-se às questões sociais pré-existentes, acentuando as desigualdades no acesso à direitos básicos, além de provocar prejuízos.

Diante da necessidade do acesso à energia por parte da população, da ausência da prestação do serviço por parte da concessionária, juntamente com a falta de fiscalização e garantia do serviço pelo Estado, os “gatos” surgem como forma de acesso à energia elétrica nas favelas. Um acesso excludente não apenas pela criminalização das pessoas e territórios, mas também pelos potenciais riscos acarretados.

Desigualdade e Insegurança Energética

Até hoje, o acesso à energia elétrica ainda não é um direito social garantido pela Constituição Federal. Com isso, a negligência no setor elétrico nas áreas periféricas, ainda, não é constitucionalmente vista como uma violação de direitos. Há meses, moradores da Rocinha criaram um grupo no WhatsApp para reclamar sobre as quedas no fornecimento de energia. A instalação de novos medidores e manutenção dos antigos também não ocorre como deveria.

A invisibilidade dos mais pobres resulta em inúmeras famílias, no escuro, no calor, sem alimentos refrigerados ou água gelada. As quedas de energia são frequentes nas favelas e aumentam as dificuldades na rotina daqueles que já são marcados pelo medo, fome e desamparo. A precariedade do serviço acentua as desigualdades e expõe as famílias a ligações elétricas inseguras.

O LabJaca realizou um levantamento de dados, sobre a percepção de moradores da favela do Jacarezinho sobre a energia elétrica e trouxe em números um cenário já conhecido por quem vive no território. Entre os entrevistados, metade afirmou sofrer com a falta de luz, pelo menos, uma vez por semana e 75% disseram já ter passado mais de uma semana sem luz.

As favelas pagam muito por um serviço muito ruim. Pagam caro e usufruem pouco, exatamente o contrário do que a sociedade, em geral, pensa sobre eletricidade nas favelas. Durante a pandemia, o impacto desse custo pesa ainda mais sobre as famílias pobres. Na favela da Palmeira, a falta de manutenção na rede e nos postes que dão sustentação aos fios é evidente e a solução, improvisada, parte dos próprios moradores.

O serviço de energia prestado pela concessionária na favela Nova Divinéia é bem diferente do atendimento no bairro vizinho, Grajaú. Essa desigualdade fica explícita em pontos chaves, como: a falta de luz em horários de picos e a frequência com que ela ocorre; A não entrega das contas de energia na casa do moradores; E, também, porque a empresa não atua devidamente nos serviços de medição dos relógios e na manutenção da rede.

O aumento do botijão de gás tem dificultado a vida das famílias mais pobres, chegando a custar mais de R$100 em algumas capitais. O encarecimento do gás de cozinha pesa no bolso e muitas famílias estão tendo que improvisar com alternativas como lenha e querosene, de forma bastante arriscada. Nesse cenário, organizações da sociedade civil se mobilizam para garantir doações e descontos na compra de botijões.

A favela César Maia, em Vargem Pequena, sofre com um problema semelhante ao enfrentado em várias outras comunidades do Rio: os apagões. No local, funciona uma Clínica da Família que, frequentemente, tem seu atendimento afetado pelas quedas de energia. As Clínicas da Família são pólos de vacinação contra o coronavírus. Em meio ao abandono energético, as favelas terão a possibilidade de armazenar os imunizantes?

O serviço de energia prestado no Morro do Sereno, no conjunto de favelas da Penha, é deficitário e caro frente à renda média dos moradores. A pesquisa revelou problemas crônicos na estrutura elétrica que atende a comunidade, resultando em prejuízos no dia a dia de quem vive no local. A ausência de pontos de iluminação pública eficientes provoca, ainda, uma sensação de insegurança.

Qual a percepção do morador da Maré sobre o serviço de energia prestado no território? Este questionamento norteou uma pesquisa realizada nas 16 comunidades que integram o Conjunto de Favelas da Maré, que ouviu cerca de 400 moradores. A maior parte das pessoas ouvidas afirmaram se sentir inseguras com a rede elétrica e mais da metade diz conhecer algum caso de incêndio provocado por falhas no sistema elétrico.

Eficiência Energética e Soluções

Arquiteta da Maré analisa eficiência em 16 moradias, entre públicas e autoconstruídas, perguntando: ‘você já ouviu falar em eficiência energética?’ A intenção era entender o quanto as pessoas estavam sabendo sobre o que é, e explicar como aplicá-la no dia a dia. Embora seja um tema importante, os moradores ouvidos demonstraram saber pouco, o que reforça a necessidade de campanhas informativas destinadas, também, às favelas.

A falta de saneamento básico era um problema antigo no Vale Encantado, no Alto da Boa Vista. A busca dos moradores por uma solução resultou na construção de dois biodigestores na comunidade. O primeiro a ser construído opera apenas com restos de alimentos, produzindo biogás para a cozinha da Cooperativa do Vale. Já o segundo trata o esgoto de parte das moradias, gerando biogás para uma família da comunidade.

A produção e consumo de energia solar é uma realidade presente nas favelas.  As instalações na Babilônia, Chapéu Mangueira e Santa Marta, a maioria em instituições comunitárias ou pequenos comércios, têm provocado mudanças na paisagem e nas contas de energia. Além de ser uma fonte limpa e renovável de energia, as instalações fotovoltaicas, também, têm gerado emprego e renda nas comunidades.

A falta de vegetação, limitações arquitetônicas e outros fatores fazem com que o uso de ar condicionado pareça ser a única solução para domar o calor nas favelas, mas não é. O telhado verde é um sistema de cobertura que usa a vegetação para reduzir a temperatura no interior das casas. No Parque Arará, o Teto Verde Favela já bateu um recorde ao registrar 15ºC de variação entre uma residência com teto verde e outra sem.

No bairro Jardim Catarina, em São Gonçalo, maior loteamento da América Latina, são realizadas ações de conscientização e de capacitação para uso racional de energia elétrica, visando a redução do consumo de energia e do desperdício na comunidade. As ações, como oficinas e campanhas educativas, resultam de parcerias entre organizações comunitárias e a prestadora de serviço de energia elétrica na localidade.

A coleta e destinação de resíduos fazem parte de uma realidade problemática enfrentada pelas favelas. Geralmente visto apenas como um problema, o lixo pode ser encarado como uma possibilidade de geração de renda, além de ser uma saída para melhorar os dilemas socioambientais, energéticos e de saneamento básico nos territórios. No Brasil, projetos já em funcionamento transformam materiais descartados em energia.

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