Pesquisa Revela Percepção dos Moradores sobre Serviço de Energia e Eficiência Energética, na Maré

Arte original por Rodrigo Cândido

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Esta pesquisa faz parte de uma série sobre justiça e eficiência energética nas favelas do Rio. 

Qual a percepção do morador da Maré sobre o serviço de energia prestado no território? Este questionamento norteou uma pesquisa realizada nas 16 comunidades que integram o Complexo da Maré, Zona Norte, que ouviu cerca de 400 moradores. O objetivo do estudo é compreender como as atuais instalações e serviços prestados pela companhia de energia, Light, afetam o cotidiano dos moradores. Além disso, também foi pesquisado se os mareenses possuem acesso a informações que lhe permitam estar atento ao caráter finito dos recursos energéticos que levam a eletricidade até sua casa. 

Desde os anos 1990, a Maré se configura como um dos territórios mais populosos da cidade do Rio. Os dados do IBGE, captados em 2010, mostram que cerca de 129.700 pessoas viviam nas 16 comunidades que integram o conjunto de favelas. Três anos mais tarde, entre 2012 e 2013, outro levantamento produzido pela ONG Redes da Maré registrou 139.073 habitantes no território, em 47.758 casas. Segundo o Censo Populacional da Maré, realizado 2019, a taxa de ocupação por residência nas favelas da Maré era de 2,91, ou seja, quase três pessoas por moradia. 

A partir disso, um levantamento realizado de fevereiro a abril deste ano, considerou a proporcionalidade populacional de cada um dos 16 territórios compreendidos na Maré. Os moradores foram convidados a responder um questionário virtual, com perguntas direcionadas ao perfil de seu consumo e à avaliação do serviço de energia prestado, além das informações de identificação dos respondentes. Nesta etapa virtual, 2000 moradores receberam o formulário por WhatsApp, dos quais apenas 289 responderam a todas as onze questões. Com esse resultado, uma nova estratégia de levantamento das informações foi colocada em prática: a abordagem presencial aos moradores no próprio território. 

A fase presencial deste levantamento foi realizada de acordo com os protocolos sanitários de segurança da pandemia de Covid-19. Os questionários aplicados foram preenchidos de forma virtual pelo próprio pesquisador, evitando a troca de objeto entre os envolvidos. Contudo, a abordagem de um estranho somado ao uso de máscara foram fatores que dificultaram a aderência dos moradores que, por vezes, demonstraram desconfiança em fornecer as informações, especialmente os dados pessoais que validam as entrevistas. Somados os questionários, aplicados por meio virtual e presencial, o levantamento obteve 426 respostas, das quais 400 foram validadas de acordo com a proporcionalidade populacional de cada uma das 16 comunidades, como demonstra o gráfico abaixo. O percurso metodológico adotado neste levantamento pode ser acessado aqui.

Percepção dos Moradores Sobre a Segurança da Rede 

Historicamente, as favelas enfrentam uma série de problemas com o fornecimento de energia elétrica. A qualidade do serviço prestado afeta a vida de milhares de pessoas que residem nesses territórios e que precisam conviver, de forma rotineira, com quedas de energia e com a falta de segurança na rede de distribuição. Para pouco mais de 69% dos moradores da Maré entrevistados nesta pesquisa, as instalações elétricas da rua onde moram não são seguras. A percepção sobre a rede só é positiva para pouco mais de 21% dos entrevistados. Isto significa que a cada dez moradores ouvidos, apenas dois se sentem seguros com a rede de distribuição que atende sua residência. Postes caídos sobre casas, fios de eletricidade pendurados e até quarteirões inteiros sem energia foram algumas das observações compartilhadas pelos entrevistados.

Os acidentes causados por falhas no sistema de energia elétrica também geram preocupação para quem vive nas favelas. Pouco mais da metade dos moradores ouvidos—52,6%—afirma conhecer, ao menos, um caso de incêndio provocado por problemas na rede elétrica no Complexo da Maré nos últimos dez anos. Um dos episódios mencionados pelos entrevistados ocorreu em novembro de 2020 na Vila do João, quando uma casa pegou fogo. Incidentes como esse tornam-se mais comuns no verão, com a chegada das altas temperaturas e o aumento no uso de ventiladores e ar condicionados, o que sobrecarrega as instalações elétricas dentro e fora das residências. 

Outro problema frequente relatado pelos moradores da Maré são as quedas de energia, apontadas por eles como a causa principal da queima de eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos. As falhas no fornecimento podem causar a falta de luz permanente por um determinado período ou oscilações frequentes, provocando o pisca-pisca de lâmpadas e aparelhos domésticos. Entre os entrevistados neste levantamento, quase metade—ou 48,5%—relatou já ter perdido algum eletrodoméstico em decorrência de problemas elétricos. Um percentual semelhante de moradores—48%—no entanto, contou nunca ter tido prejuízos com a perda de aparelhos por conta das quedas de energia. 

Consumo Consciente: O que Pensa o Morador? 

Para a maior parte dos moradores da Maré ouvidos neste levantamento, economizar energia é algo fundamental. Apenas 4% dos entrevistados disseram não considerar importante ou não ter uma opinião formada sobre o tema. A percepção sobre a necessidade de reduzir o consumo de energia está ligada à necessidade de economizar com a conta de luz, que historicamente impacta o orçamento das famílias periféricas. O Brasil tem tarifas de energia muito caras, em comparação a outros países, e quem vive na Maré, e não está incluído no programa Tarifa Social, paga o mesmo preço cobrado no asfalto, entre famílias de classe média e alta. 

A redução no valor da conta não é, porém, o único motivo por trás da percepção consciente sobre a necessidade de economizar energia. Atenuar os prejuízos ambientais também aparece entre as motivações dos entrevistados. Seis a cada dez moradores—ou 59,4%—afirmaram que gostariam de aprender práticas e técnicas que lhes ensinassem a reduzir o consumo de luz. Outros 12% disseram que talvez poderiam ter interesse. Isto significa que pouco mais de 70% dos entrevistados têm, em algum grau, vontade de aprender mais sobre o tema. 

Informações educativas sobre como economizar energia ou sobre os impactos do gasto energético no meio ambiente não estão acessíveis para 43,2% dos entrevistados no levantamento. Dentre aqueles que responderam já ter tido acesso a esse tipo de conteúdo, a maioria, isto é 20,9%, indicaram a TV como fonte dessas informações. Esse apontamento sugere que campanhas publicitárias e reportagens exibidas em telejornais possam ser responsáveis por boa parte das informações sobre economia de energia acessadas pelos moradores da Maré. No entanto, não foi possível verificar o grau de eficiência dessas campanhas no comportamento dos consumidores. 

A escola aparece como a segunda fonte de informação sobre consumo consciente de energia, com 15,4%, seguido da internet, com 10,9%, e de ONGs, indicadas por 5,2% dos entrevistados. A Maré possui diversas instituições que desenvolvem projetos socioambientais e que atuam com campanhas educativas e informativas sobre o tema. A partir do nosso levantamento, não localizamos nenhuma que tenha atuação centrada na pauta de eficiência energética e consumo consciente, porém o tema acaba sendo abordado, de forma indireta, por meio do trabalho desenvolvido por esses projetos

A partir de uma perspectiva exploratória (isto é, ir a campo a fim de descobrir coisas novas), perguntamos, também, aos nossos entrevistados se eles conheciam alguma instituição que fazia uso de aparelhos ou técnicas para tentar economizar energia elétrica. Cerca de 90% dos respondentes afirmaram não conhecer, enquanto outros 6,4% disseram talvez conhecer, mas não tinham certeza. Apenas 3,1% contaram conhecer iniciativas com esse objetivo. 

As Vozes Ouvidas Nessa Pesquisa

Neste levantamento foram ouvidos moradores de todas as 16 comunidades que integram o Complexo da Maré. As localidades com o maior número de entrevistados são, também, os territórios mais populosos. Dessa forma, as comunidades Parque União, Vila do Pinheiro e Nova Holanda, que são as mais populosas, foram as que tiveram, consequentemente, a maior participação na pesquisa com o preenchimento de 60, 45 e 40 questionários, respectivamente. Já os territórios conhecidos como Conjunto Bento Ribeiro Dantas, Praia de Ramos e Nova Maré, que possuem um número menor de moradores, também tiveram um número menor de respostas, apresentando 10, 10 e 9 entrevistados, respectivamente.   

A maior parte dos moradores ouvidos, isto é 59,2%, são mulheres, enquanto homens representam 40,8% dos respondentes. Os participantes têm entre 16 e 69 anos. A participação de menores de idade se dá em razão da configuração socioeconômica das famílias na Maré, os menores respondentes se apresentam como chefes de família. Os participantes entre 16 e 29 anos representam 28,9% do total. Outros 26,3% têm entre 30 e 39 anos; 25,4% entre 40 e 49 anos; 14,9% entre 50 e 59 anos; E, por fim, 4,2% entre 60 e 69 anos. 

Sobre o autor: Lourenço Cezar da Silva, morador da Maré, é formado em Geografia e Meio Ambiente pela PUC-Rio e Mestre em Educação pela UFRJ.

Sobre o artista: Rodrigo Cândido é ilustrador e quadrinista, cujo foco é colocar gente preta em todas as narrativas imagináveis. Seu trabalho tem influências de afrofuturismo, games, música, e a história de grandes negros e negras que moldaram a humanidade.

Esta pesquisa faz parte de uma série sobre justiça e eficiência energética nas favelas do Rio.


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