Apesar da Pandemia, 14.301 Famílias Removidas no Brasil: O Caso da Igreja da Graça de Deus

7.356 Famílias Não Foram Removidas no Brasil Graças à Mobilização Popular

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Esta é nossa matéria mais recente sobre o coronavírus e seus impactos sobre as favelas.

Na manhã do dia 28 de maio, a Polícia Militar desapropriou a família de Cleuza Maria de Toledo, que morava na Ocupação Penha Brasil, no distrito de Cachoeirinha, Zona Norte de São PauloSem casa, recorreu à ajuda de familiares durante os primeiros dias fora da ocupação. Assim como ela, outras cerca de 230 famílias tiveram que conseguir um abrigo em meio à pandemia, após muitas delas perderem a renda para o aluguel, como mostrou uma reportagem na Folha de São Paulo.

Cleuza viu na ocupação a chance de ficar enquanto não conseguia melhores condições para viver com as filhas, de 9 e 19 anos, sendo que uma delas têm deficiência intelectual. “É esquizofrênica e com autismo. Não posso trabalhar porque cuido dela”, ressalta. 

Em abril, ela já previa que, se ocorresse a reintegração, não teria para onde ir. Uma das maiores preocupações, naquela época, era a agitação da filha com a mudança. “A mente dela fica descontrolada. Ela entende esse conflito de sair de uma casa e fica alterada”.

A reintegração foi possível após autorização da juíza Paula Fernanda de Souza Vasconcelos Navarro, a pedido da Igreja Internacional da Graça de Deus, dona do terreno, que é comandada pelo milionário pastor evangélico R.R. Soares, detentor de várias empresas no país. 

Sob o risco de remoção, os moradores se reuniram e um dia antes da desocupação, protestaram contra a remoção em frente à Segunda Subseção de Direito Privado do Tribunal de Justiça, na Sé, Zona Central da capital paulista. Além disso, a Defensoria Pública de São Paulo pediu a suspensão do cumprimento da ordem de reintegração de posse. O pedido foi negado na segunda instância. 

Na decisão, o relator do caso, Ricardo Pessoa de Mello Belli afirmou que “a protelação do cumprimento da ordem liminar, para aguardo de providências do Poder Público destinadas a promover o assentamento dos réus, não teria outro efeito que não o de agigantar a invasão”. Para o magistrado, manter as pessoas só aumentaria o número de ocupantes. 

Líder comunitário no local, Alexandre Fernandes da Silva, diz que o número de pessoas era grande por conta da pandemia, que tirou a renda dos mais pobres. “As famílias não tinham condições financeiras para o aluguel e outras despesas. As famílias foram para este terreno por conta disso”, ressalta.

No geral, Alexandre diz que as famílias ocupantes eram de baixa renda, que já tinham sido removidas de suas casas por motivos do não pagamento de aluguéis, além de famílias que, desempregadas, ficaram sem as parcelas do auxílio emergencial. 

Depois da reintegração, as famílias se dispersaram. Algumas foram acolhidas em outras comunidades na região e em outros bairros, como Barra Funda e Jardim Peri. “Outras ficaram na calçada ou em um albergue público”, comenta Alexandre.

A remoção de famílias pobres durante a pandemia não é novidade. Em junho do ano passado, cerca de 900 pessoas foram removidas em um terreno chamado Roseira, em Guaianases, Zona Leste de São Paulo.

Sobre a desocupação, a Prefeitura de São Paulo e a Igreja Internacional da Graça de Deus não responderam até a publicação desta reportagem.

Remoções no País

Novos dados da Campanha Despejo Zero apontam que, pelo menos 14.301 famílias foram removidas, no período de março do ano passado até 06 de junho deste ano, apesar da pandemia. Atualmente, 84.092 famílias estão ameaçadas de remoção no Brasil.

De acordo com organizadores da campanha, os números, que certamente estão subestimados, são monitorados por meio de denúncias e levantamentos feitos pelos movimentos sociais organizados, instituições ligadas ao tema e pelas Defensorias Públicas estaduais.

A campanha, formada em junho de 2020, já no contexto da pandemia, tem se tornado cada vez mais capilarizada. “Tanto porque os números de ameaças e despejos coletivos não param de aumentar, como por conta de sua incidência política”, comenta Benedito Roberto Barbosa, o Dito, advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e articulador da campanha Despejo Zero. 

Segundo dados da própria campanha, a articulação nacional contribuiu diretamente para a suspensão de pelo menos 54 casos. Na prática, 7.356 famílias não foram removidas no país, devido a suspenções geradas pela mobilização popular.

No dia 3 deste mês, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso suspendeu por seis meses ordens e medidas de desocupação de pessoas vulneráveis que já estavam nos espaços antes de 20 de março de 2020, dia em que foi decretado o período de calamidade pública em decorrência da pandemia do coronavírus.

A medida adotada foi vista como “uma importante vitória” pelos movimentos de moradia. Outra ação que tramita no Senado Federal e que pode favorecer as populações é o Projeto de Lei 827/2020 que proíbe o despejo coletivo até o fim de 2021, com a suspensão dos atos praticados desde 20 de março de 2020, com exceção das ações já concluídas.


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