Esta matéria faz parte de uma série sobre justiça e eficiência energética nas favelas do Rio.
De acordo com dados do IBGE, no Brasil, vivem em favelas mais de 11 milhões de pessoas, com concentração na região Sudeste. Como parte do número citado—sou morador da favela Nova Divinéia, no Complexo do Andaraí, Zona Norte do Rio de Janeiro—testemunho que a população das favelas tem serviços essenciais fornecidos de forma indevida e sem a atenção merecida. Em conversas com outros moradores da comunidade, procurei entender a opinião e o sentimento que é gerado, a partir do tratamento dado a nós, em relação a um importante serviço essencial: o fornecimento de energia elétrica.
O morador Sidicley Santos afirmou que “há uma diferença no tratamento, quanto ao atendimento da Light em relação à comunidade. O atendimento é demorado tanto para os que pagam para ser realizado, quanto para os que possuem os “gatos“. É necessário a criação de uma comissão [de moradores]… buscando o fortalecimento, em forma de união, para requerer junto à Light e ao governo soluções aos problemas relacionados à energia elétrica”.
A moradora Adriana Rodrigues disse que “as pessoas do asfalto são beneficiadas por terem seus serviços regularizados e receberem suas contas em dia. Para mim, as pessoas das comunidades deveriam ser ouvidas em suas necessidades pela Light”.
A moradora Luiza Monteiro, contou: “Fui até a Light para buscar uma forma de negociação para o pagamento de minhas contas de energia elétrica, explicando que os valores cobrados eram muito altos e que estavam além das minhas condições financeiras. Fui comunicada que o problema era devido às instalações elétricas irregulares na rede de fornecimento. Tentei argumentar com o funcionário… fui orientada a procurar meus direitos. Da minha parte, entendi que era para eu ir na Defensoria Pública. [Na Light] a questão ficou sem solução”.
Desigualdade do Serviço entre Nova Divinéia e o Bairro Vizinho
Segundo Gilson Ribeiro, presidente da Associação de Moradores da Nova Divinéia, a Light responde melhor às chamadas de serviços de moradores do abastado bairro vizinho, o Grajaú. De acordo com Gilson, algumas chamadas referentes à falta de energia, devido à manutenção de transformadores, não acontecem de pronto em Nova Divinéia por ser um local considerado como “área de risco”. Já os moradores do Grajaú recebem um tratamento melhor, sendo atendidos em suas necessidades.
Gilson relatou que existem reuniões onde representantes da comunidade participam juntos de representantes do Grajaú e da Light. Ele contou que existe um esforço de união entre a comunidade e os moradores do Grajaú, com o propósito de resolverem questões do fornecimento de energia. No entanto, Gilson pondera que o problema maior está na distribuição desigual da energia e na diferença do serviço oferecido entre os bairros, pois quem mora no “asfalto” desfruta de todas as comodidades oferecidas pela Light, como relógios atualizados e modernos, e instalações elétricas seguras e fiscalizadas.
Na prática, a Light passa uma imagem que considera a todos de forma democrática. Porém, na maior parte da sua atuação, as pessoas que possuem melhores condições financeiras são as beneficiadas. Os moradores do “asfalto” recebem um atendimento melhor, e na favela também há ausência de fiscalização e de interação com os moradores.
Essa desigualdade no atendimento da Light em Nova Divinéia, fica explícito em pontos chaves, tais como: a falta de luz em horários de picos, quando a maioria dos moradores estão utilizando a energia elétrica ao mesmo tempo; pelas contas de energia elétrica não chegarem nas casas—elas são entregues na Associação de Moradores; e também porque a empresa não atua devidamente nos serviços de medição dos relógios.
O benefício “Tarifa Social de Energia Elétrica” foi divulgado na comunidade, e alguns moradores passaram por um processo de cadastro realizado no CRAS. No entanto, foi relatado por moradores que se cadastraram, que ninguém recebeu o benefício e que os valores passaram a ser cobrados de forma abusiva, bem acima do previsto do que deveriam pagar devido ao cadastramento no benefício.
Por fim, moradores da comunidade acabam buscando fugir dos altos valores cobrados pelo fornecimento de energia elétrica recorrendo aos famosos “gatos”. O gato é o meio mais viável que os moradores recorrem, mesmo com instalações elétricas realizadas sem a orientação e supervisão da Light. O “gato” é a forma que a comunidade encontrou de fazer a distribuição de energia de forma mais acessível.
Pensando em Soluções
Este cenário de injustiça energética me leva a refletir sobre um novo serviço de energia que vêm surgindo e que pode auxiliar na eficiência e na justiça energética nas favelas: a energia solar. Com tanta abundância de sol, há uma possibilidade incrível em ter energia limpa e sustentável, por meios naturais, atendendo à necessidade de diversas pessoas que se encontravam esquecidas, “à margem” da sociedade.
Já temos no Rio exemplos de comunidades que estão adotando o uso de energia solar. No Chapéu Mangueira e Babilônia, na Zona Sul, a RevoluSolar, uma cooperativa de base comunitária, produz e gerencia energia renovável. A RevoluSolar trabalha, nestas comunidades, de forma colaborativa com voluntários, empreendedores da favela e a Associação de Moradores da Babilônia e do Chapéu Mangueira. Mostrando que é uma solução possível a RevoluSolar já possui painéis instalados em uma escola comunitária, a Escola Tia Percília, na Babilônia, além de mais dois projetos pilotos: a instalação de painéis solares no Babilônia Rio Hostel e no restaurante Estrelas da Babilônia.
Iniciativas como essa apontam para um futuro mais promissor e deveriam se somar a políticas públicas de fornecimento de energia que prezassem pela justiça energética e pela igualdade de direitos, com serviços eficientes que venham a suprir as necessidades de todas as comunidades que sofrem com a precariedade e com o alto custo do serviço de energia elétrica.
As condições desiguais, a quais estamos sempre expostos nas favelas, se dão por causa da nossa origem humilde. A grande maioria dos moradores da comunidade Nova Divinéia enfrenta o preconceito social e racial. Nós negros e pobres não temos oportunidades iguais quanto aos estudos e às vagas de trabalho, que em sua grande parte são ocupadas por pessoas de classes sociais mais altas e por brancos. A desigualdade no serviço de energia faz parte deste contexto.
Sobre o autor: Rodrigo Silva, cria da Nova Divinéia, é técnico em Informática, formado no Colégio Santo Inácio, e microempreendedor na mesma área. Atualmente, almeja atuar, em rede, para defesa de direitos e melhorias na Nova Divinéia e nas favelas em geral.
Sobre o artista: Rodrigo Cândido é ilustrador e quadrinista, cujo foco é colocar gente preta em todas as narrativas imagináveis. Seu trabalho tem influências de afrofuturismo, games, música, e a história de grandes negros e negras que moldaram a humanidade.
Esta matéria faz parte de uma série sobre justiça e eficiência energética nas favelas do Rio.