Leia a matéria original por Damien Cave, em inglês, no The New York Times aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.
Helena Norberg-Hodge vem defendendo o localismo desde os anos 1970, mas a pandemia tem tornado as ideias da ativista e acadêmica australiana mais relevantes do que nunca.
MULLUMBIMBY, Austrália—Helena Norberg-Hodge passeou na feira orgânica que ela ajudou a começar muito antes de estar na moda. Ela veio para fazer compras, mas também para visitar amigos—especialmente os produtores agrícolas que vivem suas ideias sobre o localismo e que rejeitam a globalização, a fim de ajudar na saúde do meio ambiente e na felicidade da humanidade.
Logo ao entrar na feira, que fica próxima à costa na Nova Gales do Sul, ela encontrou Andrew Cameron, 38, um criador de gado com a barba grossa e uma caixa térmica gelada cheia de carne bovina alimentada com capim. Ele disse que a Covid-19 tornou a mensagem de Helena ainda mais vital.
“Acabamos de ver como tudo isso é frágil e nada resiliente”, disse Andrew, referindo-se às cadeias de suprimentos globais que disseminaram o coronavírus em todo o mundo, e em seguida, lutaram para entregar suprimentos médicos. “Nossa resiliência hoje”, respondeu Helena, “vem dos produtores locais”.
“Houve uma mudança tão grande de conscientização”, ela disse, com seus olhos azuis cheios de energia.
“Tem sido bom”, ele disse.
As idas e vindas capturaram perfeitamente como Helena—uma ativista-acadêmica que começou a promover o localismo décadas atrás—se tornou uma referência, agora mais do que nunca, para pessoas em todo o mundo que estão exigindo uma alternativa para o sistema global de comércio.
Aos 74 anos, ela ainda interrompe com a urgência de uma estudante ansiosa, determinada a conquistar cada cético ou amplificar sua mensagem ao lado do convertido. E ela reuniu uma multidão e tanto. Seus grandes apoiadores incluem o Dalai Lama; o comediante britânico Russell Brand; a chef, de São Francisco, Alice Waters e Iain McGilchrist, um estudioso literário e psiquiatra de Oxford.
“Quer nossa civilização sobreviva ou não, o trabalho de Helena é de suma importância”, disse Dr. McGilchrist, cujo livro inovador de 2009, The Master and His Emissary, defendia que cada metade do cérebro gera uma maneira fundamentalmente diferente de experimentar o mundo. “Encorajar as comunidades locais é um antídoto vital para o globalismo universal”.
“E caso a civilização se desfizer”, acrescentou ele, “será nossa única esperança de sobrevivência. Temos que agir agora com base em suas ideias”.
Essas ideias podem ser encontradas em livros e em documentários, assim como em conferências e palestras regulares ligadas a sua organização sem fins lucrativos, Futuros Locais, que tem escritórios na Austrália, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Tudo se resume a dois conceitos que parecem simples, mas que têm profundas implicações: primeiro, distâncias mais curtas são mais saudáveis do que distâncias maiores para o comércio e para a interação humana; segundo, a diversificação—um agricultor cultivando uma dúzia de culturas, por exemplo—é mais saudável do que a monocultura, que é o que a globalização tende a criar, sejam elas bananas ou telefones celulares.
“Meu grande objetivo é ajudar a fazer isto crescer em todo o mundo”, disse ela, apontando para compradores e agricultores que conversam ao redor dos produtos. “Simplesmente faz sentido.”
Mas o status quo é teimoso. Ela disse ter ficado arrasada com a notícia de que o Programa Mundial de Alimentos ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Como muitos críticos, ela acredita que a organização mina as economias locais ao favorecer as grandes empresas e as destrutivas cadeias de abastecimento.
“É tão triste”, disse ela. “Apesar da melhor das intenções, o PMA ainda está promovendo uma forma ultrapassada de agricultura que se baseia em monoculturas para exportação, em vez de diversificação para consumo local e nacional. O resultado final é na verdade uma perda de meios de subsistência e um aumento da divisão”.
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Linguista de formação que estudou com Noam Chomsky nos anos 1970, Helena diz que desembarcou em Byron Bay (Austrália) há 20 anos, ao menos em período parcial, porque seu marido, John Page, um advogado inglês, parecia beneficiar-se do clima favorável.
A casa que eles dividem é modesta, cercada por árvores, repleta de tapetes asiáticos e lotada de livros com títulos como “Silencing Dissent” e “The Capitalism Papers”.
Em muitos aspectos, ela se encaixa bem nos arredores de Byron Bay, onde ela ajudou a iniciar as quatro feiras orgânicas de produtores da região. Embora agora conhecido como um local de encontro de celebridades, a cidade costeira tem sido um refúgio para os surfistas, para pessoas que querem voltar para áreas rurais e mochileiros desde os anos 1960. Não que Helena, apesar dos cabelos grisalhos selvagens, se veja como uma hippie.
No mercado, ela encolheu-se ao encontrar uma americana, baby boomer (pessoa nascida entre 1946 e 1964), com um longo e esvoaçante vestido que começou a falar sobre como ela deveria apresentar seu último documentário a um festival de cinema muito interessante chamado Sundance.
Ela estava muito mais confortável conversando com Lance Powell, 67, um agricultor orgânico que relatou que depois que ele parou de vender para supermercados e começou a vender produtos orgânicos locais, seu negócio disparou e seu nível de estresse desabou.
“O que isso é”, ela disse, “é reconstruir a interdependência humana”.
Essa é uma crítica interessante vinda de tal cidadã peripatética do mundo.
Helena nasceu em Nova Iorque, mas seus pais eram suecos. Depois de crescer em Estocolmo, ela estudou e viajou pelo mundo, e assim aprendeu seis idiomas antes de completar 30 anos.
Em 1975, com a força dessas habilidades, seus planos de vida mudaram completamente quando uma equipe de filmagem alemã a convidou para ir a Ladakh, um enclave montanhoso no noroeste da Índia, que estava apenas começando a se abrir ao turismo e à economia internacional.
Ela se tornou uma das primeiras visitantes a aprender Ladakhi, o que a ajudou a ver como a busca inquestionável do crescimento econômico corroeu a competência e a coesão locais.
O caminho do “desenvolvimento” para os Ladakhis significou o fim de séculos de autosuficiência, onde eles encontravam tudo o que precisavam ao seu redor, exceto sal, pelo qual negociavam. Também significava aceitar políticas que favorecessem escolhas que eles não fariam por conta própria.
A Índia subsidiava os combustíveis fósseis, por exemplo. Mas Ladakh ostentava um sol implacável.
Helena tentou reagir—logo no início, ela iniciou um programa piloto de energia solar. Ela também tentou manter a autoestima dos jovens locais, ajudando-os a ver que as imagens de Hollywood que eles idealizavam não captavam a imagem completa da realidade consumista. Além de produtos brilhantes, ela enfatizou que a vida no Ocidente também incluía depressão, divórcio e conflitos sociais.
Seu primeiro livro, “Ancient Futures” foi traduzido para 40 idiomas. Junto com o filme com o mesmo título, ele representa um apelo apaixonado por Ladakh, alertando o mundo para parar de presumir que o progresso é único.
“Ela teve a oportunidade de ver um mundo diferente, e foi inteligente o suficiente para entender que não estava olhando para uma relíquia, estava olhando para uma visão de um futuro que funciona”, disse Bill McKibben, autor e fundador do grupo de ativismo ambiental 350.org. “E ela manteve essa visão por perto durante muitas décadas, ajudando a todos nós a ver que as métricas a que estamos acostumados—o PIB, por exemplo—não são as únicas possibilidades”.
Durante uma tarde de chá, Helena argumentou que o PIB, ou produto interno bruto, a referência aceita para medir a produção econômica nacional, deveria ser redefinida.
“Você deve saber disso, mas o PIB é uma medida da ruptura da sociedade e dos ecossistemas”, disse ela. “Se a água está tão poluída que estamos fornecendo água engarrafada, o PIB se beneficia. Se você e eu plantarmos uma horta e, digamos, comermos a maioria ou metade de nossas verduras de lá, o PIB desce. Se você e eu permanecermos saudáveis, o PIB cai. Se você precisar de quimioterapia todos os anos, o PIB sobe”.
Ela balançou a cabeça em silencioso desprezo, como se dizer isso em voz alta fosse suficiente para reacender seu ultraje.
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O que ela gostaria de ver ao invés disso, é o que ela chama de “economia da felicidade”, onde o custo dos danos ambientais é incluído para produtos enviados por longas distâncias; onde benefícios intangíveis, como a comunidade, são mais valorizados na política.
Apesar do Prêmio Nobel da Paz ir para o Programa Mundial da Alimentação, foi através da alimentação que ela conquistou o maior número de convertidos.
Alice Waters, que trouxe vida à cozinha local e saudável em seu restaurante Chez Panisse, em Berkeley, a chamou de “incansável e decidida”.
“Eu internalizei completamente sua visão de como podemos voltar aos nossos sentidos”, disse Alice.
Helena disse que a pandemia do coronavírus pode até mesmo ajudar a longo prazo—como uma força disruptiva que poderia levar as pessoas a estilos de vida mais “medianos” em comunidades menores, mesmo dentro das cidades.
Talvez, ela disse, haja razões para cultivar o otimismo mesmo em tempos escuros. “Acho que este momento fez com que muitas pessoas tenham desenvolvido um apetite por ter um pouco mais de tempo, estar um pouco mais perto de casa, aprender os nomes de seus vizinhos, interessar-se pela origem de seus alimentos e até mesmo desenvolver um apetite pelo cultivo real dos alimentos.”
Por um momento, ela parou de falar. “É tão reconfortante para mim ver”, disse ela.
Damien Cave é o chefe da sede do The New York Times em Sydney, Austrália. Anteriormente ele reportou da Cidade do México, de Havana, de Beirute e de Bagdá. Desde que entrou no The New York Times em 2004, ele também foi editor nacional adjunto, chefe de agência de notícias de Miami e repórter do Metro. @damiencave