Na semana passada, o Studio-X Rio completou cinco anos. O Studio-X Rio é uma parceria entre a Escola de Arquitetura, Planejamento e Preservação (GSAPP) da Universidade de Columbia e a Prefeitura do Rio de Janeiro. Segundo o seu site, o laboratório de pesquisa é “particularmente interessado em como o intercâmbio cultural, interdisciplinar e multicontinental pode afetar e informar, mutuamente uns aos outros, frente às transformações urbanas em curso na cidade, no país e na América Latina”.
Para comemorar seus cinco anos no Rio, o Studio-X organizou duas exposições, incluindo “Lutar, Ocupar, Resistir: As Alternativas Habitacionais dos Movimentos Sociais“, que aborda o passado, o presente e o futuro da habitação pública em cidades de todo o Brasil, incluindo as inovadoras práticas de base tais como as ocupações urbanas. A celebração dos cinco anos também incluiu uma série de palestras, destacando uma palestra expondo uma visão geral sobre a habitação social no Brasil e uma mesa redonda sobre ocupações urbanas.
A História da Habitação Social no Brasil
No dia 16 de março o Professor Nabil Bonduki deu uma palestra abrangente sobre a evolução da habitação social no Brasil desde a sua criação. Nabil Bonduki é professor de arquitetura e urbanismo da USP, Secretário Municipal de Cultura da cidade de São Paulo e autor de Origens da Habitação Social no Brasil, publicado pela primeira vez em 1998 e agora, em sua sexta edição. No entanto, ele resolveu escrever, recentemente, Os Pioneiros da Habitação Social no Brasil em 2014, quando ele continuava a ouvir de pessoas que “parece que a habitação social é uma coisa que costumava funcionar, mas não mais”.
A palestra de Nabil Bonduki versou sobre quatro períodos-chave no setor da habitação social no Brasil, e seguiu-se com uma discussão sobre os dilemas do século 21.
O primeiro período foi de 1930 até o início da presidência de Getúlio Vargas, quando a habitação a preços acessíveis foi deixado para o setor privado e não mais considerada de domínio do Estado. Este período foi caracterizado por uma economia rentista, onde a principal intervenção do governo no mercado imobiliário era fornecer saneamento para as classes mais altas.
O segundo período foi de 1930-1964. Nabil considera que, neste período se originou a habitação social, dado que o Estado começou a intervir na habitação “para proteger o trabalhador”, considerando que habitação é um serviço público. Durante este período, o Estado instituiu controles de aluguel e tentou chegar a soluções para o crescimento da cidade informal.
O terceiro período foi de 1964-1986, foi quando o Estado começou a estruturar o sistema financeiro de habitação com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH).
O quarto período foi durante a transição democrática, de 1986 a 2002. Durante este tempo, houve uma crise de financiamento com a dissolução do BNH. Na esteira disto, os governos municipais começaram a participar na política de habitação de forma mais ativa e mais soluções criativas começaram a surgir.
Finalmente, o atual período de 2003 até o presente assiste uma recuperação da política habitacional federal pró-ativa, particularmente com a iniciativa de habitação pública Minha Casa Minha Vida (MCMV), lançado em 2009.
A discussão incidiu não apenas nos diferentes tipos de intervenção do Estado, mas também nos muitos tipos de estruturas físicas presentes ao longo da história da habitação social do Brasil. Estes incluem cortiços, muitos dos quais houveram, de início, remoções ou foram urbanizados; vilas operárias de fábricas criadas pelos empregadores como um benefício do emprego, mas também como Nabil apontou, para exercer “moral e controle político”; e conjuntos habitacionais, construídos pelo governo.
Nabil Bonduki concluiu sua fala com uma visão geral do que ele vê como “dilemas do século 21”. Entre estes, ele listou a tensão entre quantidade e qualidade, particularmente visível nos projetos do MCMV que falharam devido aos materiais de construção de baixa qualidade (ele também citou alguns projetos de sucesso do MCMV, como em Osasco, São Paulo e em Belém, no Pará). Outro dilema que ele destacou foi a luta pela terra e por uma política urbana equitativa, que pode ser visto nas lutas políticas em favelas e outros assentamentos que lutam pelo seu direito de permanecer, como na Vila Autódromo.
Nabil também falou sobre as ocupações urbanas como um exemplo desta luta, e foi especialmente enfático sobre a necessidade de participação e autogestão em projetos de habitação. Ele deu o exemplo de uma ocupação onde os moradores ganharam o direito de ficar, mas serão removidos para reformas centralizadas. Nabil acredita que uma solução mais eficaz seria dar a cada morador um financiamento para a reforma do seu apartamento, evitando afastamentos temporários. Ele foi rápido ao afirmar que a participação e autogestão de projetos de habitação urbana exige o envolvimento cívico dos moradores, mas também exige o suporte da Prefeitura e políticas públicas que os façam avançar.
Lutar, Resistir, Ocupar
No dia 18 de março os eventos que comemoraram os cinco anos do Studio-X continuaram com o “Lutar, Ocupar, Resistir“, uma mesa redonda sobre ocupações irregulares dos movimentos sociais. Entre os participantes, Lurdinha Lopes, coordenadora Estadual do Rio de Janeiro do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM); Ticianne Ribeiro de Souza, arquiteta e urbanista, que trabalhou com o MNLM na renovação da ocupação Manoel Congo; Alejandro Castro Mazzaro, coordenador do LatinLab da Escola de Arquitetura, Planejamento e Preservação (GSAPP); e o moderador Pedro Rivera, diretor e curador do Studio-X Rio desde 2011 e sócio da firma de arquitetura Rua Arquitetos.
Lurdinha Lopes da MNLM explicou a lógica simples das ocupações irregulares, ao tentar resolver o “paradoxo de espaços vazios e gente sem espaço” ou “a quantidade de imóveis públicos e privados vazios enquanto milhares de famílias não têm como pagar os seus alugueis, ou moram a três ou quatro horas de distância do seu trabalho”.
Ela passou a explicar que ocupantes estão “fazendo experiências com as suas próprias vidas“, e que está longe de ser fácil. Como ela diz, os ocupantes cresceram com o capitalismo como o resto da população, e desfrutam de sua privacidade. O desafio não é apenas por serem ocupantes mas é devido à natureza da ocupação, por causa da resistência externa que enfrentam. Nas palavras de Ticianne Ribeiro de Souza, as ocupações irregulares enfrentam tanto a “resistência estrutural”, quanto a “resistência ideológica do público: ‘Eu não acho que isso deveria ser feito'”.
Grande parte dos comentários de Ticianne destacaram suas experiências com as promessas não cumpridas de autoridades públicas, tanto em seu trabalho com ocupações irregulares como nas urbanizações de favelas. De acordo com Ticianne, obras públicas, juntamente com os outdoors que as promovem, muitas vezes são mais para angariar apoio político do que para realmente transformar o espaço urbano: “Fazer um projeto é uma briga com os órgãos públicos. Por que na realidade não estão interessados em fazer os projetos, estão interessados em dizer que vão fazer”.
Ticianne Ribeiro de Souza explicou que isto tem sido particularmente difícil com a Prefeitura do Rio, explicando que ela, muitas vezes, só conseguia obter uma resposta de um representante da Prefeitura quando as agências federais estavam em cópia nos emails. Alejandro Castro Mazzaro apontou isso como uma razão pela qual apoio da Prefeitura para projetos de baixo para cima “têm que ser legislado, não pode ser caso à caso”.
Os participantes na mesa redonda disseram que a ideia do papel de arquitetos deve ir além do design e esquemas, a fim de criar uma cidade que funciona para todos. Como Pedro Rivera do Studio-X disse, falando da filosofia do centro, arquitetura “é uma disciplina muita híbrida… abrange política, abrange o desenho, a comunicação. A comunicação está ligada à educação… muito no sentido de desmistificar e dar transparência ao que os movimentos sociais querem”.
Lurdinha Lopes falou da perspectiva dos movimentos, dizendo que ela não se impressiona com o software no computador de um arquiteto, mas sim com “um arquiteto que sonha com quem vai morar naquela casa… Ao sair de casa, ela vai conseguir emprego?”.
A experiência de Ticianne Ribeiro de Souza foi bastante focada em trabalhar em conjunto com as comunidades. Ela explicou que “têm arquitetos que olham para a habitação social como um novo mercado e ensinam para seus alunos que eles são fazedores da cidade”, mas contrastou que a sua filosofia de parceria com os movimentos sociais não seja apenas com “novos clientes”, mas com a visão deles.
Quando questionada sobre a visão do MNLM para o futuro, Lurdinha indicou que é importante lembrar que estes movimentos não querem estar coordenando ocupações para sempre. O que querem é o verdadeiro compromisso dos governos locais com a habitação: “cortar cadeados é o mais gostoso, permanecer é o difícil”.
A exposição “Lutar, Ocupar, Resistir: As Alternativas Habitacionais dos Movimentos Sociais” está sendo realizada no Studio-X Rio na Praça Tiradentes Nº 48 até 14 de maio de 2016. Para mais informações consulte o 4site to Studio-X.