De 9 a 13 de agosto, artistas, ativistas e membros da comunidade se reuniram para pintar um muro na Pedra do Sal, localizada no coração histórico da Pequena África na Região Portuária do Rio. Intitulado Projeto Sankofa, a pintura do mural foi usada tanto para destacar a importância histórica da região como para celebrar o 65º aniversário do Afoxé Filhos de Gandhi, grupo de carnaval local que toca ritmos musicais da religiosidade africana e promove os valores de Gandhi.
O Projeto Sankofa carrega o nome de um pictograma Adinkra do povo Ashanti de Gana, que significa “olhar para trás para poder seguir em frente”. Usando tinta spray e stencils, o projeto criou um belo mural que combina imagens de Yoruba–região cultural de origem de muitos africanos escravizados trazidos para o Brasil–figuras da resistência histórica afro-brasileira, e a realidade atual e diária de muitos afro-brasileiros.
A apenas dez minutos a pé do novo e reluzente Boulevard Olímpico, onde estão localizados o Museu do Amanhã e os telões que transmitiram os Jogos Olímpicos, está a Pequena África que abrange a Região Portuária original, onde aproximadamente dois milhões de africanos escravizados chegaram, trazidos à força para o Rio–sede do maior porto de escravos do mundo–durante a longa e brutal era da escravidão no Brasil.
Após a abolição da escravatura, a região em torno do porto ficou conhecida como Pequena África, área em que afro-brasileiros, escravos libertos e africanos passaram a viver, encontrar apoio, trabalho, praticar sua religião e formas de expressão artística. A Pedra do Sal foi utilizada, primeiramente, pelos portugueses para o comércio de sal e de africanos durante o comércio de escravos. Ela mais tarde se tornou um lugar onde os afro-brasileiros iam praticar sua cultura e religião em segredo. Essa área é considerada o bairro negro mais antigo do Rio.
Enquanto partes da Região do Porto receberam investimentos através do Programa de revitalização Porto Maravilha, a Pedra do Sal e sua comunidade quilombola tradicional foram negligenciadas. Damião Braga, presidente do Quilombo da Pedra do Sal, diz: “Estamos a 200 metros do que eles chamam de Boulevard Olímpico. Lá é o primeiro mundo e aqui é o terceiro mundo. Este mesmo governo está fazendo toda essa restauração urbana da Região do Porto. O mesmo governo tem a obrigação de dar a titulação do território do Quilombo da Pedra do Sal“.
Desde 2011, a Prefeitura do Rio investiu milhões de dólares no plano de renovação do porto, realizando grandes projetos urbanos, tais como uma nova linha de VLT e o Museu do Amanhã. Embora no website do programa esteja incluída a Pequena África como parte do Circuito da Herança Africana, a região tem recebido pouco investimento do projeto do governo.
Vanessa Rosa, artista coordenadora do Projeto Sankofa, argumenta que a pintura nos murais é uma forma de chamar a atenção para essa área histórica e para a relativa negligência que a área tem sofrido: “O intuito é de fazer oposição, mostrar uma posição contrária ao que está acontecendo no Porto Maravilha. Para mim é estranho que eles invistam tanto em uma rua específica e tenha tantos murais de artes lá e ignorem o resto da Zona Portuária que precisa de muito mais atenção”.
O projeto foi financiado inteiramente através de uma campanha de financiamento colaborativo. Os organizadores dizem que eles escolheram esse método de financiamento para evitar que um patrocinador empresarial se tornasse o principal ator, e para destacar a natureza coletiva do projeto. Vanessa disse: “[Nós queríamos] mostrar que nós podemos fazer ações independentes, ser mais coerentes, e nos organizar da nossa própria maneira. Nem sempre estamos a espera de que alguém venha oferecer dinheiro”.
A campanha de financiamento colaborativo levantou um pouco menos de R$7.000, o que cobriu o custo dos materiais de arte e uma equipe de filmagem para documentar o evento. Todo o envolvimento dos artistas foi voluntário. O projeto foi apoiado por moradores locais e organizações comunitárias ativas, tais como o Favelarte, do Morro da Providência, e a Casa da Juventude.
Joyce Oliveira, grafiteira e praticante de Candomblé, participou da pintura do mural. Ela disse: “[A Pedra do Sal] hoje é um espaço que tem movimento; há o samba aqui, por exemplo. Mas continua a ser excluída do grande circuito Olímpico. Então você pode ver que ainda há esse pensamento colonialista. Eles não reconhecem a importância desse lugar”.
Ao revitalizar os muros da Pedra do Sal–através de um projeto de arte coletiva comunitário que honra a cultura afro-brasileira e a história da escravidão na região–o Projeto Sankofa espera atrair reconhecimento para a importância dessa parte negligenciada da Zona Portuária. De acordo com a declaração da missão do projeto: “Justo na época das Olimpíadas, queremos fazer um trabalho artístico sobre símbolos e passado da cidade… e estimular as pessoas a conhecerem a arte e a história da Região Portuária, que não está nos livros e nem é transmitida nas escolas, mas que se mantém viva na memória dos quilombolas urbanos da Pedra do Sal”.