Um País Chamado Favela de Renato Meirelles, presidente do Data Popular, e Celso Athayde, co-fundador da CUFA, analisa as conquistas das favelas e seus avanços econômicos, com uma análise de moradias informais e sua conjuntura econômica feita por especialistas qualificados e moradores das favelas.
O estudo “Radiografia das Favelas Brasileiras”, produzido pelo recém-fundado Instituto Data Favela, investigou 63 favelas de diferentes regiões do Brasil, entrevistando 2000 pessoas. As principais conclusões referem-se à capacidade econômica das favelas e com o aumento das taxas de emprego e dos salários. Os resultados são abordados com cautela e enquadrados dentro dos contextos sócio-políticos históricos. As estatísticas são acompanhadas de relatos reais e depoimentos dados pelos moradores.
Mudando a narrativa da favela
As promessas não cumpridas de melhorar as favelas através do desenvolvimento e a exploração estrutural sofrida pelas favelas são discutidas no livro. A narrativa de pobreza e miséria não representa as favelas; pelo contrário, é uma narrativa que alimenta a estigmatização e a ideia do “outro”. Meirelles e Athayde contam histórias bem diferentes sobre as favelas, promovendo uma visão bem mais detalhada e ampliada do que os últimos dez anos trouxeram à economia das favelas. Os objetivos do livro são desmistificar e eliminar a ingenuidade, ignorância e romantização das favelas, promover ações nas favelas e atrair a atenção de atores Estatais e privados.
Os protagonistas dessas historias são os 11,7 milhões de pessoas que vivem em favelas (6% da população total do Brasil). Se as favelas fossem um estado, seria o quinto mais populoso do Brasil. Os autores escrevem que a renda média nas favelas cresceu em 54.7% nos últimos 10 anos, de R$603 em 2003 para R$1,068 em 2013. Esse aumento é maior que o aumento de 37,9% da média nacional no mesmo período. Meirelles e Athayde argumentam que o aumento na renda das favelas é resultado da criação de empregos e de mecanismos de redistribuição de renda como o programa federal Bolsa Família.
Proporcionalmente, as favelas têm mais moradores de classe média que o Brasil como um todo: 65% nas favelas comparado a 54% nacionalmente. No Rio, bairros informais apresentam uma menor taxa de desemprego que as formais: 3.6% comparado a 4.8%. O estudo de 2013 descobriu que 49% dos moradores da favela trabalham em empregos formais, 21% em empregos informais, 19% trabalham de forma autônoma, 4% são empregadores, 3% são funcionários públicos, e 3% mantém outros empregos.
Empreendedorismo e sucesso nas favelas
Os autores contemplam como os ganhos das favelas podem permanecer circulando dentro das comunidades. Favela Holding é a solução que Meirelles propõe–um empreendimento da comunidade que promove novas empresas das favelas. O último projeto da Favela Holding é construir um shopping center de R$23 milhões no Complexo do Alemão. O shopping terá 500 lojas, gerando 6,000 empregos diretos e 4,000 empregos indiretos. Diferente de outras conclusões do livro, essa é a mais contestada por outras lideranças de favela.
Um País Chamado Favela documenta histórias de empreendedorismo e sucesso nos negócios, desde o Hostel Favela Inn que provê acomodações e tours no Chápeu-Mangueira no Rio de Janeiro próximo à praia do Leme, à iniciativa Banco Palmas que está expandindo seus programas de microcrédito nas comunidades em Fortaleza, e Carteiro Amigo, um sistema de entrega de correspondência criado e administrado pela comunidade da Rocinha que mapeou e registrou 12.000 endereços até agora, permitindo o acesso das entregas incluindo entregas da Internet em nove comunidades no Rio de Janeiro.
O processo transformador de ‘refavela’
O que contribui para o sucesso dos moradores? O estudo indica que 14% dos moradores acreditam que seu sucesso veio através do apoio familiar, 40% acredita que tiveram sucesso por causa de sua crença em Deus e 42% dão crédito à seus próprios esforços. Fazer o melhor uso do capital disponível, redes de solidariedade e crédito econômico é essencial. A mistura de laços sociais (parentes e amigos) e mecanismos financeiros formais (como o microcrédito) é um componente significativo do sucesso empresarial das favelas. Elas mostram que cooperação e generosidade são caminhos para o sucesso.
Entretanto, os autores alertam sobre as renovadas ameaças de dependência e clientelismo, um cavalo de Tróia que qualquer um pode trazer para as favelas. Meirelles e Athayde argumentam que a favela deve ser responsável por sua própria transformação: “A favela deve ser refavela, reinventar-se, reeducar-se e reprogramar-se. Se ela não souber cogerir o processo de transformação, vai preservar o desequilíbrio e descompasso, entregando nas mãos dos outros a construção de seu futuro.”
Documentando as esperanças e sonhos dos moradores de um futuro mais justo para todos, os autores enfatizam o espírito de solidariedade das favelas: “Por natureza, as favelas são mais coletivas e cada um de seus moradores representa uma série de desejos, aspirações, ressentimentos, rancores, amores e sonhos. Negociar com um favelado é, em muitos casos, negociar com todos”.
Solidariedade e o sentimento de pertencimento contribui para a felicidade. 94% dos moradores das favelas se consideram felizes (1% a mais que a média dos brasileiros), 81% deles gostam das favelas, 66% não deixariam sua comunidade e 62% se orgulham de morar lá. A determinação no combate ao estigma empurra para frente o desenvolvimento econômico para combater inseguranças financeiras, assim como as muitas batalhas que os moradores das favelas enfrentam e que não poderiam ser mencionadas em um único livro, mostram a resiliência e a esperança que percorrem as favelas do Brasil.