“Nosso rap é um papo–tá ligado–é uma ideia, uma trocação”, diz a primeira faixa do Antiéticos, no novo mixtape, Ética Molotov. Três faixas de “entrevistas” estão entrelaçadas ao longo do álbum e servem como uma declaração da missão do coletivo de rap.
A ideia por trás do nome do coletivo, o grupo explica em seu site, não se trata de “ausência de ética, nem pessoa sem escrúpulos”. O nome é utilizado para representar um “desacordo com o padrão estabelecido” pelo “grupo que administra o mundo hoje, o mesmo que vai nos ver como transgressores, fora do padrão. Porque a gente acaba pondo em risco o conforto deles”.
Como um grupo de rap de três favelas diferentes do Rio de Janeiro, Antiéticos busca promover amor na comunidade negra enquanto denuncia o racismo e a violência. Eles contestam normas e desconstroem a concepção que a sociedade racista tem da comunidade negra como intercambiável com a violência e as drogas, especialmente na cidade natal do grupo, o Rio.
“[Nosso rap] não é moralismo, não é mandando ninguém fazer nada… a finalidade última do rap do Antiéticos é falar pros pretos se proteger, e falar pros pretos terem atenção, cuidar de si, tentar se preservar ao máximo, se potencializar ao máximo, estudar… tudo que a gente faz é por amor”, fala Flávio Villar Vieira, ou Frávio SantoRua o poeta, numa faixa da entrevista.
Embora o coletivo não tenha oficialmente se tornado o completo Antiéticos até 2012, o grupo começou a se formar quando Flávio Villar Vieira (ou Frávio SantoRua o poeta) e Thiago Costa (ou Thiago-Ultra o MC), se conheceram no colégio e descobriram e partilharam o interesse no rap—especificamente o interesse nos temas do racismo e do estigma em relação à comunidade negra que a música rap aborda.
“Nós começamos a ver como as coisas funcionavam. O comportamento de garotos e garotas negras na escola”, diz Flávio, sentado com Thiago e William no Complexo Esquina 111 em Ipanema, um bar onde eles geralmente se encontram e tocam música. “O rap estava falando [sobre raça e estigma] e devido a isso nós pensamos, ‘vocês realmente pensam que isso é como é?’ Então começamos a observar [esses temas] e começamos a discutir”.
“Decidimos criar algo na escola para expor esse tipo de reflexão”, Flávio continua. Este “algo” tomou muitas formas diferentes. Desde um jornal escolar a um grande grupo de estudo realizado em um shopping center.
Depois de dois anos realizando grupos de discussão, os dois decidiram que esse tipo de reflexão não era tão aberto quanto a música e arte poderiam ser e voltaram ao rap. Este foi o tempo que eles cruzaram seus caminhos com William em uma aula na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e formaram o Antiéticos.
“Este cara aqui”, Flávio diz apontando para William e rindo, “nos encontrou e disse: ‘eu quero ser DJ'”.
“Isto foi louco”, William explica rindo. “Eu gostaria de pegar músicas do blog do Thiago, mas eu não conhecia ele. E depois eu conheci o Flávio na universidade…e foi muito engraçado porque eu disse a ele exatamente isso, sem saber [a relação entre eles], que eu queria ser DJ. Então ele disse ‘seja [nosso] DJ!!'”
O grupo lançou seu primeiro mixtape virtual em 2012—Antes que as estrelas se apaguem—e em dezembro de 2014 eles lançaram o Ética Molotov como o segundo, ambos virtuais e em CD.
Antiéticos produz suas músicas completamente independente, com a ajuda de família e amigos. O grupo compra e grava seus próprios CDs, e o irmão de William cria o desenho da capa do CD assim como desenvolve o site. O grupo troca o CD por abraços.
Para Flávio, William e Thiago se encontrarem não é sempre uma coisa fácil. Flávio vem do Complexo do Alemão e Thiago do Irajá, os dois da Zona Norte do Rio, mas levam mais de uma hora no trajeto em transporte público. William vem da Vila Kennedy na Zona Oeste, e leva em torno de duas horas de ônibus até onde moram Flávio e Thiago.
Entretanto quando perguntam para eles como a distância impacta o coletivo, todos concordam que o tempo extra de viagem torna o grupo e sua música mais forte.
“Ser de diferentes favelas é simbólico”, diz Flávio. “Aqui no Rio, existe uma guerra entre facções. Em alguns lugares, você não pode ir em outras favelas. Tem muita separação. Eu penso que nós sermos de diferentes comunidades quebra essa ilusão simbolicamente”.
“Nós somos três garotos negros que cresceram em lugares diferentes, vivemos vidas diferentes, com diferentes famílias, mas quando falamos sobre polícia é a mesma coisa. Quando falamos sobre hospitais, sobre serviços, é a mesma coisa. Quando nós falamos sobre a dor de nossas mães, é a mesma coisa.”
Os membros do grupo explicam que ser de diferentes favelas faz com que eles observem os diferentes lados da realidade e deste modo fortalecem o debate. Ao mesmo tempo, Flávio diz, “esta é uma realidade que é a mesma para todos nós”.
“Nós somos três garotos negros que cresceram em lugares diferentes, vivemos vidas diferentes, com diferentes famílias, mas quando falamos sobre polícia é a mesma coisa. Quando falamos sobre hospitais, sobre serviços, é a mesma coisa. Quando nós falamos sobre a dor de nossas mães, é a mesma coisa.”
“Tem muito ódio na comunidade negra desde que os primeiros africanos chegaram aqui… desde que começou a dominação”, Flávio diz. “Nós morremos todos os dias. Na nossa comunidade, todos os dias tem uma morte. Hoje, que horas são? Quatro? 86 negros provavelmente morreram hoje…de fome, de sede, como consequência de alguma doença, morto por alguém, morto pela polícia…”
“Para nós, a cidade do Rio é caótica, racista, cruel… Se nós podemos sobreviver nesse lugar, se menos pessoas morrerem amanhã, se pudermos ter um pouco mais de amor, então estaremos fazendo alguma coisa.”
Embora Antiéticos continue possuindo grupos de estudo, as primeiras discussões dos membros agora se dão através de sua música. “Nosso objetivo [com nossos shows] é deixar todos na mesma vibração”, diz Thiago. “Nós falamos com pessoas de diferentes linguagens, de uma forma diferente”.
“As vezes no nosso show, nós falamos e as pessoas choram”, diz William. “Tem pessoas que riem, existem várias reações diferentes. Chorando ou rindo, não importa a reação, o importante é eles estarem naquele momento… Isto é o que a música faz.”
O grupo está muito empolgado com a resposta que estão recebendo. “Nós somos reconhecidos como o grupo que troca mixtapes por abraços… Nós temos encontrado pessoas na farmácia, no trem, na Lapa, abraçando a gente, dizendo, ‘Eu quero um mixtape!’ E isso é muito legal!” diz William.
Para Antiéticos, a música é toda sobre a coletividade nas suas comunidades. “Nosso maior objetivo é trazer as pessoas juntas no mesmo espaço”, diz Flávio. “A partir disso, elas criam mais discussão, elas criam relações, força, vida—elas criam amor. Que é o que está em torno de tudo”.