Leia a matéria original por Matthew Niederhauser* em inglês no site do CityLab aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.
Projeto surpreendente de Santiago Calatrava estabelece novos padrões para a arquitetura sustentável, mas é também um enorme símbolo do aprofundamento das divisões socioeconômicas na região.
O Museu do Amanhã finalmente abriu as suas portas ao público do Rio de Janeiro no fim de semana passado. Com quatro anos de construção, a estrutura extravagante desenhada por Santiago Calatrava está prestes a se tornar a peça central do projeto de revitalização do Porto Maravilha. Apesar do palpável entusiasmo com o museu–que é dedicado a um futuro mais sustentável e equitativo–ele também simboliza as mudanças socioeconômicas sísmicas que estão ocorrendo nesta área historicamente pobre, onde um dia foi o epicentro do comércio de escravos no Brasil.
Quando se iniciaram as obras do Porto Maravilha, não demorou muito para serem descobertas as soterradas ruínas do famoso Cais do Valongo. Após a sua construção em 1811, o Cais do Valongo rapidamente se tornou o mais movimentado porto de escravos no Brasil. Mais de um milhão de africanos raptados passaram pelo porto. A uma curta caminhada do Museu do Amanhã, o Cais do Valongo representa um dos períodos mais sombrios da história do Brasil. No seu auge foi cercado por “casas de engorda”, onde eram preparados escravos para venda, e também um cemitério para enterro em massa, onde os corpos daqueles que não sobreviveram à viagem eram depositados. Após a abolição da escravatura em 1888, o bairro, finalmente, transformou-se no coração de uma comunidade afro-brasileira vibrante, e é amplamente reconhecido como o berço do samba.
Esforços estão sendo feitos para reconhecer o passado sombrio, porém central [na história do Rio] da área, com o estabelecimento de um Circuito da Herança Africana que explora seu significado histórico. O Cais do Valongo também está sob análise para ser reconhecido como Patrimônio Mundial pela UNESCO.
A prefeitura do Rio apóia estes esforços, mas o projeto de revitalização ainda representa uma ameaça para os moradores que sentem que estão a ponto de serem impulsionados para fora da área por especuladores que procuram se aproveitar da transição. Promessas de habitação a preços acessíveis e outras conveniências no Porto Maravilha não se concretizaram e agora parecem estar em perigo, dado que o governo brasileiro continua a diminuir gastos devido à recessão alimentada pela corrupção.
A abertura do Museu do Amanhã é certamente um motivo de comemoração no Rio, mas se o museu realmente está baseado no esclarecimento e na inovação, ele terá de abordar especificamente a sua posição entre as comunidades de longa data, frágeis, e historicamente marginalizadas, como a vizinha Providência, a primeira favela do Brasil.
Moradores do Morro da Providência se queixam que as decisões para o desenvolvimento do local são feitas muito antes que os esforços de sensibilização comunitária tenham sequer começado. O Rio de Janeiro é uma cidade que ainda está trazendo à tona a sua história quanto ao legado da escravidão e as raízes da desigualdade econômica duradoura e crescente no Brasil. Somente quando uma maior equidade social e um planejamento participativo forem abordadas dentro do projeto de revitalização do Porto Maravilha, poderá existir, realmente, um amanhã mais brilhante.
A esta reportagem se fez possível com os seguintes apoios: The Pulitzer Center on Crisis Reporting, MIT Center for Advanced Urbanism e The Megacity Initiative.
*Matthew Niederhauser é artista, jornalista fotográfico e diretor de fotografia. Ele é co-fundador da Iniciativa Megacity, juntamente com John Fitzgerald, e professor visitante no MIT Center for Advanced Urbanism.