Sempre fico impressionada com a solidariedade! Para mim, ver pessoas unindo-se para ajudar umas as outras, lutando em grupo ao invés de sozinhas, e estando lá pelos outros, é a esperança de que o mundo pode ser melhor. Mesmo na presença da dor, desastres e guerras, quando existe solidariedade há esperança de que o futuro será melhor e algo de bom virá de tudo isso. Esse sentimento combinado com a paixão por causas sociais e a America Latina levaram-me ao Rio de Janeiro para realizar uma pesquisa sobre a cultura do mutirão nas favelas. Mutirão é uma prática muito comum no Brasil e vem sendo usada por décadas para várias atividades.
A palavra “mutirão” é usada para definir “um ponto de encontro, uma oportunidade de trabalho em conjunto por um objetivo comum” (Harrison, Huchzemeyer & Mayekiso, 2004). Mutirão é uma palavra de origem Tupi Guarani, que quer dizer “Um grupo de pessoas trabalhando juntas para criar algo que beneficie a todos” (Habitat for Humanity, 2010). No contexto urbano pode significar uma comunidade unindo-se para construir parte ou todas as suas casas, pessoas ajudando a construir umas as casas das outras ao invés de construir sua própria, particularmente em momentos que requer grande demanda de trabalho durante um curto espaço de tempo em que uma só família não poderia executar. Esse tipo de mutirão foi muito comum em décadas passadas pelas agências de desenvolvimento internacional e programas de governo, e também serviu de base para programas de voluntariado internacional como Habitat for Humanity. Era uma forma de economizar por um lado e dar a oportunidade das pessoas fazerem parte de tais projetos por outro.
Então quando eu estive no Rio para começar minha pesquisa sobre esse tópico, fiquei ansiosa para descobrir como que esse processo de fato ocorria. Durante vários meses, tive a oportunidade de observar e entrevistar moradores de várias favelas.
Na Asa Branca, uma comunidade de 28 anos, o mutirão foi o modo de operação usado por mais de duas décadas, quando as famílias se reuniram em um terreno baldio próximo a Barra da Tijuca. Solidariedade foi a chave para o bem estar comum. No início era usado na construção de casas e estradas como também no acesso a rede de serviços como água e eletricidade. Mais tarde a comunidade desenvolveu seu próprio sistema de esgoto comunitário que funciona até hoje mantido pelo mutirão de ação coletiva. Recursos em dinheiro ou materiais de construção eram escassos, mas quando a oportunidade aparecia graças à renda ou materiais de construção (doados ou abandonados sem uso), as pessoas se uniam para construir. Favelas são caracterizadas por uma constante sensação de “em construção” e muito do que foi feito, foi realizado através do sistema de mutirão.
Entretanto, com o passar do tempo, as coisas mudaram. Na Asa Branca houve uma mudança significativa nos últimos cinco anos. Embora as primeiras famílias têm o sentimento de solidariedade enraizado, novas pessoas chegam e se vão e com isso o sentimento comunitário se reduz. O mutirão já não é visto como solução por todos. Carlos Alberto Costa, Presidente da Associação de Moradores da Asa Branca explica: “Quanto maior a renda das pessoas, menor tende a ser o envolvimento com a comunidade”. O bem-estar individual e o progresso impactaram negativamente os mutirões. As vezes quando as pessoas melhoram suas situações de vida, elas se mudam para outros locais, alugando suas casas e assim diminuindo os laços de solidariedade na comunidade.
Os tempos modernos estão impactando a cultura de mutirão e para aqueles que se lembram dos “bons e velhos tempos”, a mudança foi radical. No entanto, apesar do Brasil ser listado como último em confiança pela Pesquisa Global de Valores, as iniciativas coletivas ainda são práticas comuns nas favelas do Rio de Janeiro. O trabalho em conjunto em prol de um objetivo comum faz com que os moradores se reúnam para muitas ações, tais como: reflorestamento, cozinhar uma feijoada, samba, cuidados infantis, construção de um cômodo adicional para suas casas, pavimentação de ruas e muito mais.
Os mutirões foram utilizados no começo da construção da grande maioria, se não todas, as comunidades cariocas. Nos dias de hoje essa prática ainda é utilizada para uma ampla variedade de atividades e também na construção de lajes que trará reforço para a construção de outros cômodos. Nessa atividade em específico os homens trabalham juntos na construção do amanhecer ao entardecer no final de semana, enquanto as mulheres preparam a comida.
Favelas são como aldeias na cidade. Sendo assim, dependendo do tamanho da comunidade e do período em que foi construida, muitos moradores se conhecem e há entre eles um grande senso comunitário. Quando esse sentimento está vivo e forte, ele certamente beneficia a solidariedade: mães se organizam para tomar conta das crianças durante a semana, homens e mulheres podem decidir por ter um melhor lugar público e começam a economizar para pavimentá-lo.
Parece-me que as favelas são totalmente ignoradas como fonte de soluções para desafios urbanos e as pessoas que moram lá deveriam ser mais conhecidas pela cidade formal que está em volta delas. Eu sinto que essa relação pode ser proveitosa para ambos. As favelas podem ser beneficiadas pelos programas de urbanização e pelo acesso aos serviços formais da cidade, mas o “asfalto” tem muito a aprender com as favelas, sobre mutirão, solidariedade, pessoas se agrupando e fazendo algo junto para o bem comum. Sobre o sentimento de orgulho que se experimenta tanto individualmente quanto como comunidade ao ver as coisas melhorarem através do esforço coletivo.
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