‘Reinventividade’ da Favela é Celebrada Durante 12º Circulando no Alemão

Circulando

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No sábado, 10 de dezembro, o Instituto Raízes em Movimento, organização comunitária do Complexo do Alemão, celebrou a 12ª edição anual do evento Circulando: Diálogo e Comunicação na Favela. O evento ocupou a rua em frente à sede do Raízes, no Morro do Alemão, e contou com batalhas de MCs, duelos poéticos, espetáculo teatral e grafitagem, além de oficinas de estêncil e pintura para crianças e jovens. Vários eventos simultâneos incentivaram os participantes a circular pelo espaço, gerando um forte sentimento de sociabilidade e vivacidade.

Sede do Raizes em Movimento

Este ano, o tema do evento foi a “reinventividade”, uma celebração das soluções criativas, engenhosas e sustentáveis criadas a partir dos desafios e potenciais dentro das comunidades em todo o Rio de Janeiro. O evento destaca as diversas expressões culturais e artísticas das favelas que representam resistência e transformação, e também pretende atuar como uma ponte para colaboração e troca entre jovens, artistas e comunidades. Alam Brum Pinheiro é o fundador do Instituto Raízes em Movimento e fala sobre a inspiração para o tema deste ano:

“A própria favela, é ela que se vira, ela que se reconstrói, ela que busca caminhos possíveis. É ela que se reinventa. Então essa é a idéia de ‘reinventividade’–que é a capacidade, a resiliência de reestruturar a partir da falta, à partir da negação, à partir do não que a sociedade impõe em diversos aspectos, seja ele direto, físico ou simbólico. Sempre é uma negação. Mas dessa negação, a favela não desiste nunca, não se resigna nunca, e tem a facilidade sempre de se reinventar… A gente quer homenagear essas capacidades.”

Exposição de graffiti

2016 marca o 15º aniversário do Instituto de Raízes em Movimento, uma organização fundada por moradores do Complexo do Alemão na Zona Norte do Rio de Janeiro. É uma organização de direitos humanos sem fins lucrativos dedicada ao desenvolvimento social e cultural, realização de debates públicos, eventos culturais, seminários e cursos nas áreas de mídia, políticas públicas, sustentabilidade e artes.

O evento começou com a apresentação ao vivo do bloco de carnaval D’Aguas, seguido pela apresentação do grupo teatral Teatro da Laje, da Vila Cruzeiro. O grupo fez uma apresentação única de um trecho de sua nova peça, “Posso Falar?”, que relata as dificuldades e conquistas da juventude da favela nas escolas públicas e foi baseada nas experiências pessoais dos jovens atores.

Ensaio do Teatro na Laje

O evento também contou com duas exibições de arte. A primeira, chamada “Essa é minha classe”, exibiu o trabalho de um coletivo de artistas de graffiti do Complexo do Alemão. A segunda foi uma série de fotografias e um minidocumentário que apresenta o projeto FavelAldeia, uma iniciativa encabeçada pelo Raízes para criar um intercâmbio cultural entre os moradores do Complexo do Alemão e a comunidade indígena Tupinambá em Ilhéus, Bahia. Em abril de 2016, vários moradores do Alemão, incluindo grafiteiros, funkeiros, fotógrafos e a juventude envolvida em produção audiovisual, viajaram a Ilhéus para assistir e participar da terceira edição anual dos Jogos Indígenas. Em contrapartida, dois membros da comunidade Tupinambá viajaram ao Complexo do Alemão para participar do evento de sábado.

“Cada vez mais temos entendido que a opressão sistêmica ela não é uma exclusividade da favela, ela é uma permanente opressão sistêmica sobre as periferias, entendendo periferias como as áreas mais pobres, as áreas mais periféricas, os pólos tradicionais, indígenas, quilombolas, de estar fora da esfera que domina os processos da nossa sociedade. E sistematicamente são negadas diretos, são negadas a possibilidade e dignidade de vida… Todos esses espaços têm lutas muito parecidas… Nossas lutas são as mesmas”, explica Alan.

Representantes da campanha Defezap também participaram do evento e organizaram um estande para os participantes, cujo objetivo era ouvir relatos de moradores da favela recontando experiências pessoais de violência praticada pelo Estado. O Defezap é parte de um movimento de ferramentas e aplicativos online que os moradores da favela usam para relatar incidentes de violência do Estado e enviar vídeos. Também é um canal para que os cidadãos possam se informar sobre seus direitos e agir adequadamente em situações de injustiça cometidas pela polícia. A campanha foi implementada pelo grupo Meu Rio devido ao grande compartilhamento nas redes sociais de vídeos mostrando a brutalidade policial nas favelas. Ao invés de criar novos meios de coletar informações, a campanha escolheu atuar pelos meios de comunicação já existentes nas favelas, criando um número de WhatsApp e um website. Isso permite que os moradores compartilhem facilmente evidências importantes da violência do Estado. A mais recente vitória deles foi em Cidade de Deus. Durante uma recente ocupação policial, foi emitido um mandato coletivo permitindo que a polícia realizasse buscas domiciliares. Vários abusos de direitos foram registrados durante estas invasões domiciliares e enviados à Defezap. Com a ajuda da Defensoria Pública, a comunidade conseguiu revogar com sucesso este mandato coletivo.

A dupla de comédia stand-up da Cidade de Deus Magano and Sonata se apresentou e foi acompanhada pelo grupo de samba “Som de Preta”, um grupo musical formado somente por mulheres negras. A significância de um evento como o Circulando é particularmente importante devido à prática contínua das Unidades de Polícia Pacificadora de limitar os eventos culturais nas favelas. Devido ao longo histórico na favela, o Raízes felizmente não encontrou nenhum impedimento pela polícia para realizar o evento. No entanto, vários outros membros e grupos da comunidade que tentam ocupar a rua da mesma maneira são impedidos. Na mesma semana do evento, o Coletivo Papo Reto relatou que a polícia estava impedindo um grupo de pagode no Alemão de se apresentar na comunidade. É como Alan explica:

“Você não pode exigir os mesmos deveres aqui como para a cidade [formal] se aqui foram negados direitos durante décadas. Fazer um evento numa praça pública na Zona Sul, com toda a licença necessária hoje, é a mesma coisa que a burocracia que eles usam como forma de negar o direto de expressão e direito de usar a rua [na favela]. A rua na favela é um lugar de excelência, a rua na favela é um lugar de sociabilidade, é lugar de conviver, é lugar de se tocar, de morar, é lugar de se relacionar. Na cidade formal, com raras exceções, a rua é um espaço de mobilidade. Na favela tem outro significado. Os espaços foram construídos a partir da resiliência e da reinventividade, e foram construídos exatamente pela falta do poder publico. A gente tinha que recriar.”

O evento Circulando e o tema da “reinventividade” demonstram novamente o potencial das favelas e a capacidade de criação frente à adversidade e recursos limitados.