Na segunda-feira, 16 de outubro, integrantes de movimentos sociais, arquitetos e urbanistas se reuniram na Casa de Estudos Urbanos, na Glória, para a Roda de Conversa: Assistência Técnica em Arquitetura e Urbanismo. No evento organizado pela Chapa 3, que concorre às eleições para Conselheiros do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), integrantes dos movimentos e profissionais da área de arquitetura e urbanismo relataram suas experiências e os desafios encarados na luta pelo direito à moradia.
Apesar da Lei Federal n°11.888 de 2008 instituir o direito à assistência técnica pública e gratuita para famílias de até três salários mínimos, Luciana Ximenes, arquiteta e urbanista integrante da Chapa 3, destaca as dificuldades enfrentadas para a sua implementação. Segundo a arquiteta, em 2017 o CAU/BR determinou que 2% das verbas dos CAUs estaduais seriam destinados à assistência técnica, mas além de ainda ser uma quantia pequena, não se sabe como é ou como será aplicado. Tainá de Paula, candidata à conselheira federal pela Chapa 3, complementa dizendo que hoje os 2% do CAU/RJ equivaleria à R$240.000.
Jurema Constâncio, coordenadora da União Nacional por Moradia Popular (UNMP) expõe sua preocupação sobre o assunto: “A gente brigou muito em Brasília para poder lançar mão dos 2%, e ficamos muito preocupado quando a gente vê que esse dinheiro está parado. Não foi tocado nele. Há uma necessidade grande desse dinheiro vir para atender os movimentos, e a gente conseguir atender também a demanda”.
Segundo a integrante da UNMP, hoje o movimento atua em diferentes projetos de habitação social no Rio de Janeiro, mostrando a demanda que existe para a construção de habitações: três em Jacarepaguá (onde um foi finalizado e dois estão na luta pelo acesso à terra), um em São Gonçalo, um em Campo Grande, um na Gamboa (Quilombo da Gamboa), um em Santo Cristo (Ocupação Vito Giannotti) e um em Teresópolis para vítimas das enchentes.
“Tem tanto movimento no Rio de Janeiro, tem tanto projeto, mas de assessoria nós estamos muito ruim. Hoje você tem um leque muito grande de assistentes sociais. Mas arquitetos, engenheiros, quando é preciso é muito complicado”, disse Jurema.
No entanto, a demanda por mais atuação de arquitetos e urbanistas na área não é livre de conflitos. A atuação do profissional é muitas vezes questionada, levantando o debate sobre a sua formação e sobre a própria ideologia intrínseca ao termo assistência ou assessoria. Para Grazia de Grazia, assistente social da assessoria da União, o termo denota uma ideia de dominação entre o arquiteto e o cliente, e que “na medida em que se quer transformar essa relação, a primeira coisa é transformar essa bendita palavra”.
“Nosso processo foi um pouco dolorido em relação a essa questão do arquiteto entender ou achar que ele é que sabe tudo, e nós que somos os donos não sabemos nada. Então esse é um momento de conflito, mas como eu já falei é um momento de conflito gostoso, um conflito que dá para você debater”, conta Jurema sobre a sua experiência em atuar junto ao profissional de arquitetura e urbanismo.
A posição elitista e distanciada do arquiteto e urbanista com a realidade social do país é evidente, mas é passível de ser transformada. Luciana Andrade, integrante da Chapa 3 e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB) da UFRJ, explica como a sua aproximação com a assistência técnica e como a sua atuação na Ocupação Solano Trindade permitiu com que fizesse importantes reflexões sobre o ensino, extensão e pesquisa dentro da academia. Para a professora, ainda é preciso transformar radicalmente a formação do arquiteto e urbanista repensando a função social do ensino, e assim discutir a cidade e a função social da propriedade.
A aproximação com as lutas sociais não contribui apenas para a formação do estudante ou do profissional já formado. Como contou Fabíola Oliveira, integrante do MTST, a militância e a participação na ocupação em São Gonçalo foi importante para o processo de aceitação da sua negritude. Para ela, todo o processo é um aprendizado muito grande de aceitação das diferenças, de entendê-las e de caminhar junto com elas.
No que diz respeito à atuação do profissional de arquitetura e urbanismo, é preciso que o arquiteto dialogue com outros campos de atuação, pois na prática ele “é pouco compreendido pra dialogar com outras profissões e também com os movimentos sociais”, diz Luciana Andrade.
“O movimento entende que assistência técnica para a gente não é só o arquiteto, não é só o engenheiro. A gente tem advogado, a gente tem assistente social, tem o psicólogo que trabalha nos projetos. A gente entende como uma coisa maior”, diz Jurema, expondo a importância da interdisciplinaridade na luta pelo direito à moradia.
O papel do CAU é muito importante tanto no incentivo ao ensino quanto na própria atuação do arquiteto e urbanista no campo da assistência técnica. Como afirma a candidata à conselheira, Tainá: “O conselho precisa promover um redesenho e uma nova perspectiva profissional de atuação numa lógica de função social que a gente quer”, e além disso “extensões universitárias têm que ser fomentadas, não apenas por professores do campo ativista. A gente tem que pressionar, vamos dizer assim, que a academia efetivamente replique a sua função social também no seu campo de reflexão”, afirmando que o Conselho profissional tem a função e tarefa de fazer essa articulação. Segundo a candidata, existe um campo enorme de atuação, mas tanto as pessoas desconhecem os serviços que os arquitetos podem fazer pela cidade, quanto os próprios arquitetos desconhecem as suas possibilidades de desenvolver esse papel. Por isso, é importante que o Conselho de Arquitetura e Urbanismo atue para minimizar esses distanciamentos e para garantir o acesso à cidade e à moradia.