Talvez fosse apropriado que uma eleição com incomparável turbulência–com uma tentativa de assassinato e um ex-presidente fazendo campanha de dentro da prisão–fosse quase decidida no primeiro turno da votação com uma reviravolta chocante e final. Conforme a contagem dos votos foi sendo revelada de todos os cantos do Brasil no anoitecer do domingo, 7 de outubro, o candidato nacionalista de extrema direita Jair Bolsonaro do Partido Social Liberal (PSL) liderou com 46% dos votos válidos–o suficiente para chocar uma nação, mas não o suficiente para obter a presidência definitivamente. Ao invés disso, ele participará de um segundo turno em 28 de outubro contra o candidato de esquerda do Partido dos Trabalhadores (PT) Fernando Haddad.
O sistema eleitoral brasileiro pode ser confuso, especialmente para os observadores internacionais. Porque há dois turnos de votação? Como os votos são contados tão rapidamente? Como estas regras afetam o resultado das eleições?
A concepção do sistema eleitoral de cada democracia define os resultados políticos de maneiras intencionais e não intencionais. As regras do sistema podem modificar os resultados eleitorais explicitamente–como nos Estados Unidos, onde dois dos últimos três presidentes perderam o voto popular. Por outro lado, os estímulos do sistema podem modificar sutilmente a elaboração de políticas durante anos após o dia das eleições. Elementos das eleições simples, porém fundamentais, como a concepção das cédulas, podem determinar discretamente quem fica empoderado e quem fica prejudicado.
A democracia do Brasil, como a dos Estados Unidos, é imperfeita. Ambos os países lutam para tornar possível a representação de uma vasta população com prioridades competitivas, e ambos são atormentados por muitas das mesmas mãos invisíveis que definem as eleições nos bastidores–dinheiro sem origem comprovada, interesses corporativos, e notícias intencionalmente falsas ou enganosas, para citar algumas. Entretanto, as eleições brasileiras possuem elementos singulares para abordar as questões inerentes à democracia que são diferentes das características do sistema eleitoral americano. Nesta matéria, focalizaremos cinco aspectos-chave: o sistema multipartidário, os dois turnos, o voto compulsório, a votação eletrônica, e a natureza altamente regulada das campanhas políticas.
Explicando a Política Brasileira
O Brasil é dividido em 26 estados e um Distrito Federal (onde está localizada a capital, Brasília), todos sob a jurisdição do governo federal. O governo federal é dividido em três ramos: o ramo executivo, encabeçado pelo presidente; o ramo legislativo, conhecido como o Congresso Nacional, que é dividido no Senado (81 membros, três para cada estado mais o Distrito Federal) e a Câmara dos Deputados (513 membros, cada estado e o Distrito Federal com 8 a 70 lugares com base na população); e o ramo judiciário, com a Supremo Tribunal Federal (11 juízes) e tribunais federais de instância inferior.
As eleições gerais são realizadas a cada quatro anos. Os presidentes são limitados a dois períodos consecutivos de quatro anos, mas podem candidatar-se novamente após um intervalo de um período. Os senadores são eleitos para um período de oito anos, enquanto os deputados para um período de quatro anos. Os juízes da Supremo Tribunal Federal (conhecidos como ministros) são nomeados pelo Presidente, confirmados pelo Senado, e servem até a idade compulsória de aposentadoria de 75 anos.
1. Sistema Multipartidário e Representação Proporcional
A política brasileira é multipartidária e altamente fragmentada. Após as eleições de 2018, os representantes de trinta partidos foram eleitos para o Congresso–estabelecendo um recorde histórico. Embora certos partidos têm sido influentes nas últimas décadas, os partidos mais reconhecidos não dominam como os Democratas ou Republicanos o fazem nos Estados Unidos. O potencial para partidos proeminentes dominar é ainda mais prejudicado devido à relativa facilidade de criar novos partidos e à fluidez com que tanto os eleitores como os candidatos trocam de partido. Entretanto, o Partido dos Trabalhadores (PT)–adorado por muitos apoiadores por instituir programas sociais que tiraram milhões da pobreza, odiado por outros pelo seu papel no enorme escândalo Lava Jato–é a figura gigantesca da política brasileira contemporânea, tendo ganhado as últimas quatro eleições presidenciais. No entanto, nem o PT nunca manteve mais de 91 dos 513 lugares na Câmara dos Deputados ou mais de 14 dos 81 lugares no Senado de uma só vez. Por outro lado, nos Estados Unidos, um partido tem mantido uma maioria absoluta na Câmara e no Senado em quase todo o governo desde que a era de dois partidos começou nos anos de 1800. Ao invés de forçar unilateralmente uma agenda, os partidos brasileiros somente podem governar (ou obstruir) efetivamente com a formação de coalizões com outros partidos.
No Brasil, os senadores são eleitos de forma clara e direta: dois lugares estão disponíveis de cada vez e os dois mais votados são eleitos. Por outro lado, os lugares na Câmara dos Deputados são conferidos com base num sistema incrivelmente complexo de representação proporcional. Apenas os partidos registrados oficialmente podem apresentar candidatos e eles devem receber um limiar mínimo de votos, conhecido como o quociente eleitoral para serem representados. Isto é concebido para afastar partidos marginais, mas também cria uma barreira alta para partidos novos ou pequenos ultrapassar. Em segundo lugar, os partidos ganham uma proporção do total dos assentos, conhecida como o quociente do partidário, baseado na proporção do total dos votos recebidos por todos os candidatos do partido. Finalmente, os partidos preenchem os lugares com os mais votados dentro do partido, mas somente se o seu candidato ultrapassar outro limiar de um mínimo de votos—o lugar é perdido para outro partido se um candidato não atingir este limiar.
Ao eleger vereadores, deputados estaduais, e deputados federais, os eleitores têm a opção controversa do voto em legenda–uma alternativa ao voto em candidatos individuais. Esta pode ser uma opção interessante para os eleitores bem-intencionados que estão simplesmente perdidos perante as enormes cédulas que podem apresentar centenas de candidatos. No entanto, alguns analistas políticos e candidatos têm implorado explicitamente aos eleitores que evitem o voto no partido; estes votos são agrupados para calcular o número total de lugares ganhos por cada partido, mas não ajudam os candidatos a atingir o seu limiar individual de votos. Nas eleições do dia 7 de outubro, apenas 27 dos 513 deputados federais foram eleitos exclusivamente através de votos ganhos individualmente; os outros 486 beneficiaram-se do “excesso” de votos para esses 27 candidatos e da popularidade dos seus respectivos partidos.
Os sistemas multipartidários e de representação proporcional são concebidos para promover um conjunto diversificado de perspectivas no governo. Além disso, os eleitores que escolheram candidatos malsucedidos podem saber que o seu voto irá ter um impacto direto nos resultados–o que não acontece nas eleições parlamentares nos Estados Unidos, onde perder por dez votos é o mesmo que perder por dez mil.
Entretanto, entender este sistema é um desafio tanto para os eleitores quanto para os políticos. Para os eleitores, uma variedade estonteante de candidatos com camadas múltiplas de limiares e cálculos dificulta a compreensão sobre para onde o seu voto está indo realmente. Além disso, os membros do Congresso são eleitos para representar os seus estados, não distritos localizados. As longas cédulas estaduais não são apenas avassaladoras, como também aumenta o sentimento de distância entre os cidadãos individuais e seus representantes no governo.
Para os políticos, o modo como alguém escolhe navegar no sistema multipartidário pode ser a diferença entre o impasse legislativo e a mudança radical–ou entre morar em casa ou numa cela de prisão. Na sequência do enorme escândalo de corrupção da Lava Jato, os críticos argumentaram que a dificuldade de haver um consenso num sistema multipartidário cria inerentemente um terreno propício para a corrupção. Quase uma década antes da Lava Jato, o escândalo do Mensalão explodiu, causando a prisão de líderes do PT condenados por orquestrar o esquema de compra de votos. Como a representação proporcional pode dificultar a rejeição direta a representantes impopulares ou corruptos, impor a disciplina partidária caberá aos líderes dos partidos, que podem ser relutantes ou coniventes com a corrupção.
2. Dois Turnos
Se um candidato presidencial não obtiver mais de 50% dos votos válidos (excluindo votos brancos e nulos–veja a seção três), os eleitores escolhem entre os dois principais candidatos num segundo turno realizado algumas semanas após o primeiro turno. Isto frequentemente se torna necessário para limitar o campo, pois um campo concorrido de presidenciáveis no primeiro turno é outra consequência do sistema multipartidário do Brasil. Nas sete eleições desde do fim da ditadura militar no Brasil em 1985, apenas duas vezes (em 1994 e em 1998) um candidato foi eleito no primeiro turno. Após o primeiro turno de votação no domingo, Bolsonaro não atingiu este limiar, ocasionando a realização de um segundo turno.
As eleições em dois turnos são concebidas para assegurar que o vencedor seja eleito com uma maioria absoluta dos votos. Isto reduz o perigo dos candidatos espoliadores, aumenta a escolha para os eleitores ao estimular mais candidatos a entrar no páreo sem medo de dividir o voto, e requer que os competidores finais apresentem plataformas bem mais aceitáveis. Este último elemento pode ser fundamental para manter a presidência fora das mãos de extremistas, que lutam para formar coalizões fora das suas bases. De fato, os sistemas de dois turnos ao redor do mundo têm feito exatamente isto. Na França, o sistema por duas vezes (em 2002 e 2017) permitiu aos eleitores reunir-se em torno de um candidato centrista no segundo turno, resultando em vitórias esmagadoras contra os candidatos nacionalistas de extrema direita que quase alcançaram uma maioria absoluta de votos no primeiro turno. Apesar de alarmante, a iminente perspectiva de uma presidência com Bolsonaro é um sintoma da profundidade da crise no Brasil, não um indiciamento do sistema de dois turnos.
3. O Voto Compulsório
O voto compulsório é uma das características mais polarizadoras do sistema eleitoral do Brasil, tanto entre os eleitores brasileiros quanto entre os peritos eleitorais. Todos os cidadãos alfabetizados com idade para votar devem fazê-lo. O Brasil é um dos poucos países que permite que os jovens de 16 e 17 anos votem, apesar de ser opcional. O voto também é opcional para idosos acima de setenta anos. Os eleitores podem votar em branco ou nulo para exprimir sua raiva quanto ao sistema, insatisfação na escolha dos candidatos, ou simplesmente porque querem fazê-lo. Entretanto, os eleitores que protestam continuam sendo participantes ativos na democracia. O voto compulsório é aplicado apenas moderadamente. Os eleitores que não comparecerem podem pagar uma multa e explicar a sua ausência para evitar consequências piores (impossibilidade de tirar um passaporte, obter crédito, e outras). Embora as taxas de abstenção tenham atingido um ponto alto em 20 anos, quase 80% da população com idade para votar no Brasil votou no primeiro turno. Por outro lado, os Estados Unidos têm uma das piores taxas de participação de eleitores no mundo desenvolvido, onde apenas 56% dos cidadãos com idade para votar participaram nas eleições de 2016. O ex-Presidente dos EUA, Barack Obama, tem defendido o voto compulsório abertamente.
O voto compulsório muda o cálculo em torno de quem vota e consequentemente define o público alvo dos candidatos. Ao contrário dos Estados Unidos, onde os prováveis eleitores tendem a ser mais ricos, mais velhos, e mais instruídos, a população pobre e menos instruída do Brasil tem historicamente levado líderes ao poder (mais da metade dos eleitores elegíveis brasileiros não completaram o segundo grau). Desde 2002, o PT tem estado na crista da onda com o apoio da classe trabalhadora ao eleger-se para quatro períodos presidenciais consecutivos. Crucialmente, há evidência que o voto compulsório na verdade ajudou os eleitores menos instruídos do Brasil a se tornarem mais politicamente conscientes e engajados. Além disso, enquanto os mecanismos de privação do direito de voto ainda existem, o voto compulsório é um pulo gigante em direção a alcançar o sufrágio universal. Isto contrasta com os EUA, onde grupos alvos em estados inteiros são efetivamente privados do direito de voto. Trinta e três estados usam alguma forma de lei para identificação de eleitores, seis estados não permitem que pessoas com condenação criminal votem durante o resto das suas vidas, e cada estado, exceto um, requer que os eleitores se registrem em um processo que pode ser confuso e desencorajador. Todas estas políticas têm causado a redução desproporcional no comparecimento dos eleitores de baixa renda e minoritários.
Por outro lado, muitos brasileiros ressentem-se do fato de precisar votar. Em 2014, a empresa brasileira de pesquisa Datafolha descobriu que 61% dos brasileiros opunham-se ao voto compulsório e que 57% dos brasileiros não votariam nas próximas eleições se não fosse obrigatório. O aumento significativo das respostas negativas desde que a mesma pesquisa foi realizada em 2010 sugere que grande parte do pessimismo não é dirigido diretamente ao voto compulsório, mas está enraizado no rancor quanto à crise econômica, ao escândalo de corrupção da Lava Jato, e ao quase incompreensivelmente impopular Presidente Michel Temer—que tomou o poder através de um processo de impeachment denunciado por muitos como subversão da democracia. No entanto, o comparecimento dos eleitores às urnas mais baixo desde 1998 e a proliferação—e até o sucesso eleitoral—de “candidatos de brincadeira” que abertamente ridicularizam as eleições indicam a desilusão com a política em geral. No entanto, enquanto alguns eleitores ainda se abstêm, o voto compulsório pressiona todos os eleitores a irem às urnas. Isso inclui os desiludidos e os desinformados–ambos são capazes de mudar o resultado das eleições, ao mesmo tempo em que odeiam o sistema que permite que o façam.
4. Votação Eletrônica
Em 2000, o Brasil tornou-se o primeiro país do mundo a realizar eleições inteiramente com votação eletrônica. Todos os eleitores brasileiros usam a mesma máquina, conhecida como urna eletrônica, para votar. As urnas eletrônicas são projetadas para serem fáceis de usar por todos, inclusive pelos deficientes e analfabetos. Primeiramente os eleitores identificam-se no local da votação através da foto da identidade ou impressão digital, depois inserem o número do candidato (bastante divulgado em anúncios, folhetos, e outros materiais de campanha). Neste momento o nome, o partido e a foto do candidato aparecem na tela e a pessoa clica CONFIRMA.
Além de simplificar o processo de votação, o principal benefício da urna eletrônica é a velocidade. Os votos são enviados quase imediatamente para Brasília–uma realização monumental no Brasil, onde a contagem dos votos de locais remotos, como os municípios nas profundezas do Amazonas, pode ser uma tarefa cara e demorada. A urna eletrônica também remove o processo manual de contagem e recontagem dos votos que pode levar dias ou até semanas. Notoriamente, a eleição americana em 2000 não foi decidida até um mês inteiro após o dia da eleição, pois a votação extremamente próxima resultou numa série de recontagens que nunca produziram um verdadeiro vencedor. Dezoito anos depois, alguns americanos ainda consideram esta eleição ilegítima. Os problemas com esta eleição–urnas não padronizadas e confusas e um processo de contagem de votos longo e propenso a erros–são exatamente o que o sistema de votação eletrônica do Brasil almeja resolver.
Porém, os enormes ataques cibernéticos nos últimos anos demonstraram que os sistemas digitais, não importa quão seguros, estão vulneráveis a manipulação. Por isso não são utilizados em muitos estados dos Estados Unidos. Apesar de não terem sido documentados maiores incidentes até agora, as urnas eletrônicas não estão imunes. Os críticos argumentam que os custos potenciais de tal ataque são altos demais para arriscar. Além disso, uma reforma em 2015 que necessitaria que as máquinas de votação armazenassem cópias impressas dos votos foi suspensa pela Supremo Tribunal Eleitoral em 2018 devido a preocupações quanto ao potencial comprometimento da privacidade dos eleitores. Portanto, o sistema brasileiro de votação eletrônica não produz nenhuma prova verificável no papel, aumentando o risco da manipulação de votos passar completamente não detectada. Na ausência de provas para apoiar esta constatação, Bolsonaro atacou a votação eletrônica como sendo um sistema fraudulento que está armado para entregar as eleições aos seus competidores. No entanto, é importante distinguir ataques como estes, que visam prejudicar preventivamente a legitimidade do resultado das eleições, das queixas legítimas sobre a votação eletrônica.
5. Campanhas Centralizadas, Altamente Regulamentadas: A Proibição das Doações Corporativas e a Programação Relacionada às Eleições
As eleições brasileiras são intensamente regulamentadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma agência federal que supervisiona todos os aspectos das eleições, desde o financiamento das campanhas até a distribuição das urnas eletrônicas em todo o país. A regulamentação das campanhas no Brasil difere bastante da abordagem de não envolvimento nos Estados Unidos. No entanto, focalizaremos duas das mais proeminentes diferenças entre os dois sistemas: a proibição das doações corporativas e a programação relacionada às eleições na televisão.
Nas eleições de 2014 no Brasil, aproximadamente 76% dos R$3 bilhões doados às campanhas presidenciais e congressionais foram feitas por corporações. De acordo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal em 2015, as eleições de 2018 teriam zero. Este experimento enfrentou muitas críticas: agora 75% do financiamento que havia, não existe mais, e as campanhas são financiadas por uma combinação de dinheiro público e doações. Os interesses empresariais continuam influenciando as eleições através de doadores individuais ricos, e os candidatos de baixa e média renda enfrentam uma subida íngreme–competir com campanhas financiadas pelos próprios candidatos abastados ou por instituições poderosas como as igrejas evangélicas. Entretanto, estas dificuldades não representam necessariamente falhas numa eleição sem doações corporativas. Pelo contrário, demonstram a natureza incompleta da lei em vigor e focalizam as oportunidades. Em 2017, o Congresso aprovou um projeto de lei contendo um valor limite absoluto para doações individuais (a lei atual limita em 10% dos salários anuais dos indivíduos), mas isto foi posteriormente vetado pelo Presidente Temer. Além disso, a campanha para prefeito de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro em 2016 foi totalmente custeada por financiamento colaborativo e demonstrou a viabilidade de fontes alternativas de arrecadação de fundos.
Através de um sistema que regula o horário eleitoral, a televisão brasileira e as estações de rádio devem dispor de um tempo fixo para propaganda política, durante o qual a propaganda dos candidatos é transmitida consecutivamente duas vezes ao dia. Todos os candidatos recebem um tempo curto, mas um tempo adicional é distribuído baseado no número de lugares que o partido do candidato tem no Congresso. A influência da programação relacionada às eleições está diminuindo, especialmente devido ao aumento meteórico das redes sociais (WhatsApp–usado por 120 milhões de brasileiros, aproximadamente 60% da população–tornou-se uma ferramenta de campanha essencial mas também um perigoso transmissor de notícias virais falsas). Bolsonaro recebeu 46% dos votos no primeiro turno apesar de receber somente oito segundos de tempo fixo de propaganda mais onze “inserções” de 30 ou 60 segundos durante a programação regular na TV. Por outro lado, o candidato Geraldo Alckmin—que recebeu quase seis minutos contínuos de tempo fixo (quase a metade do tempo total atribuído a todos os candidatos presidenciais) e mais 454 inserções—recebeu menos de 5% dos votos no primeiro turno. No entanto, a televisão, tanto na propaganda quanto na cobertura das notícias, continua a chamar a atenção. Quase 25% da população brasileira assistiu as recentes entrevistas na TV Globo com Bolsonaro e Haddad, As redes sociais são o campo de batalha tanto do presente quanto do futuro, mas a televisão ainda tem o poder de fazer os candidatos ganhar ou perder.
Lições do Brasil
A jovem democracia brasileira tem tropeçado sob o peso da corrupção, recessão e uma administração incumbente extremamente impopular com um índice de aprovação que caiu para menos de 3% em 2018. Certamente, uma parcela significativa de culpa reside num sistema eleitoral complexo que reduz a criação de consensos a um trabalho árduo extenuante. No entanto, concluir que a crise política no Brasil se resume no argumento que “o sistema está quebrado” não é útil–nem para construir um Brasil melhor e nem para aplicar estas lições aos sistemas eleitorais ao redor do globo. Alguns elementos funcionam e alguns falharam. Para muitos brasileiros e observadores internacionais, o júri ainda está ausente.
Embora falho, o voto compulsório no Brasil e os sistemas de votação eletrônica procuram promover o ideal de que as comunidades vulneráveis recebam um voto justo. A votação em dois turnos cria um grande obstáculo para os candidatos extremistas, embora Bolsonaro possa transpô-lo. A proibição das doações corporativas, apesar de não ser uma solução abrangente, é um passo progressivo para diluir a influência dos interesses empresariais sobre a política.
A democracia americana também está sofrendo com uma crise de consciência. A vitória chocante do Presidente Donald Trump em 2016 e décadas de letargia por parte dos eleitores têm exposto não apenas a fúria latente, como também as falhas sistêmicas da maneira como os EUA elegem os seus líderes. À medida que as gerações futuras de legisladores e eleitores procuram soluções, é essencial que observem os exemplos dos outros, ao invés de começar do zero. Olhe para o sul–paradoxalmente desconcertante, falho, e inovador ao mesmo tempo, o Brasil tem lições para o mundo.