Vai na Web: Empoderamento Através da Programação nos Prazeres e Alemão #RedeFavelaSustentável [PERFIL]

Perfil da Rede Favela Sustentável*

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Iniciativa: Vai na Web
Contato: Website | Facebook | Instagram | Email 
Ano de Fundação: 2017
Comunidade: Morro dos Prazeres (Centro) e Complexo do Alemão (Zona Norte)
Missão: Promover a melhoria da comunidade através da prosperidade socialmente justa.
Eventos Públicos: Plataformas na Web e em aplicativos centrados na educação, no financiamento de projetos sociais e na articulação de ativistas apoiadores.
Como Contribuir: Voluntariar-se e doar para a organização, contratar um profissional formado pelo programa ou patrocinar um possível aluno.

O Morro dos Prazeres e o Complexo do Alemão exemplificam as muitas diferenças geográficas, demográficas, econômicas e culturais entre as numerosas favelas cariocas. Construído em uma encosta, com ângulo de 55 graus, do bairro de Santa Teresa, o Morro dos Prazeres—que abriga aproximadamente 10.000 habitantes, segundo os moradores—tem poucas ruas formais e está entre as áreas urbanizadas situadas nas maiores altitudes do Rio. Apesar da proximidade geográfica do bairro com o Centro do Rio, os moradores dos Prazeres relatam acesso precário a empregos estáveis, um cenário agravado pelo relativamente limitado comércio local e acesso ao transporte público, na área.

Enquanto isso, na Zona Norte do Rio, o Complexo do Alemão é um complexo de 17 favelas que abriga mais de 150.000 habitantes, segundo organizações locais (em comparação com dados do censo que apontam a população em 70.000). Embora vários morros proeminentes estejam sob as áreas do Alemão, grande parte do território é plano. Com uma economia local vibrante e diversificada, o Alemão se parece com uma cidade dentro de uma cidade. Sua localização na Zona Norte, em grande parte residencial e de classe média baixa, no entanto, coloca os moradores à distância de muitas oportunidades de carreira com maior potencial de ganhos e centros de formação.

Trabalhando no contexto dessas duas favelas muito diferentes, uma organização engenhosa e florescente começou a causar impacto na vida de centenas de famílias. Essa organização, Vai na Web, realiza programas de nove meses de duração que oferecem aos jovens locais capacitações valiosas em termos de carreira em ciência da computação, finanças e comunicações—campos que a organização identificou que carecem de novos profissionais.

Em contraste com outros setores que estão vendo o aumento do desemprego no Brasil, a demanda por trabalhadores de tecnologia da informação está aumentando rapidamente, explicou o diretor do Vai na Web, João Silva, em entrevista em junho de 2019. Segundo a Associação para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro, até 2020, a economia brasileira irá ter falta de 400.000 programadores. Levando em consideração o relacionamento precário entre muitas das famílias de classe trabalhadora carioca com a educação e o emprego, os cursos do Vai na Web são oferecidos gratuitamente dentro da comunidade e são de apenas algumas horas por semana. Dessa forma, o Vai na Web reduz o tempo de deslocamento e as despesas extras que normalmente ocorrem com a necessidade de frequência nas universidades, onde esses cursos são oferecidos.

A iniciativa não apenas ensina aos jovens como entrar no mercado de trabalho, mas também faz parcerias com empresas que precisam de funcionários qualificados. João diz que os estudantes são frequentemente capazes de encontrar empregos com salários iniciais “bem mais altos do que os dos próprios pais” depois de completar o programa de nove meses. De acordo com o site do Vai na Web, 48% dos participantes retornam aos estudos ou ingressam na universidade, e 55% estão empregados. Alguns formados pelo programa encontraram carreiras fora do Brasil, como um jovem que atualmente trabalha no Canadá. Outra formada pelo programa, a moradora dos Prazeres Evelyn Mendes, fez recentemente uma apresentação na Universidade de Stanford, na Califórnia, sobre o aplicativo de impacto social em que trabalhou como desenvolvedora colaboradora, o Match4Action.

João afirma que “para cada ano de escolaridade, você pode aumentar de 10-13% o valor do seu salário“. No entanto, João e seus alunos afirmam que poucos moradores do Morro dos Prazeres ou do Complexo do Alemão vêem esse nível de educação como viável e nem mesmo procuram alcançá-lo. Como resultado, um dos principais objetivos do Vai na Web é convencer não só os jovens do programa, mas também suas famílias e a comunidade como um todo que o tempo adicional gasto na escola vale a pena. Há dois anos, quando o programa começou, primeiro no Alemão e depois nos Prazeres, “as pessoas não confiavam [em nós]”, admite João. Isso se deveu em grande parte a fracassos de programas sociais anteriores nas favelas, “que prometem muitas coisas, mas entregam muito pouco”. Muitas famílias não viam o valor de enviarem seus filhos para aprenderem programação e outras habilidades baseadas em computadores. “A mãe de um jovem não acreditava que alguém pudesse ganhar a vida sentado em frente do computador todo o dia”, diz João.

Hoje em dia, no entanto, a notícia se espalhou e, no início de cada semestre, centenas de candidatos se inscrevem para as poucas dezenas de vagas disponíveis em cada um dos locais. Jovens talentosos e motivados de toda a cidade começaram a se interessar pelo programa também. Embora consciente da necessidade de continuar apoiando a comunidade local, Vai na Web também começou a trazer alunos de outras favelas. Um estudante que estuda na unidade dos Prazeres mora em Bangu, a 40km de distância, na Zona Oeste. Para chegar na aula a tempo, ela deve sair de casa quatro horas antes do início da aula. O programa normalmente abrange mais os jovens de 16 a 29 anos, mas para os candidatos certos, exceções são feitas. “Um de nossos jovens tem mais de 40 anos”, diz João, “e no próximo semestre teremos um aluno que tem só 13 anos”.

Embora a equipe do Vai na Web seja pequena e constituída por voluntários, menos de vinte pessoas no total, elas trabalham intensamente e são fortemente conectadas a outras organizações localizadas no Rio e além. O Instituto Precisa Ser e o 1sti são duas das suas principais fontes de financiamento. O espaço de aula e apoio vêm do Grupo PROA (Prevenção Realizada com Organização e Amor), nos Prazeres e do EDUCAP (Espaço Democrático de União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção), no Alemão. Embora o próprio João não seja morador de nenhuma das comunidades, sua carreira profissional e acadêmica tem sido totalmente centrada no desenvolvimento e defesa de causas para favelas, quilombos e outras comunidades. João tem trabalhado e pesquisado no Complexo do Alemão desde 2006.

Quando o RioOnWatch visitou o projeto, o fim do semestre do Vai na Web se aproximava e os estudantes dos Prazeres estavam trabalhando diligentemente em seus projetos finais. Havia um sentimento de orgulho e positividade na sala de aula, os alunos estavam abertos a compartilhar sua experiência com a iniciativa e seus objetivos para o futuro. “[Este programa] permitiu o meu desenvolvimento pessoal e acadêmico”, proclamou um estudante. “Eu quero entrar no mercado como programador. Para mim não é importante onde, mas quero programar”, disse Giseal, um aluno mais velho do programa. “Quando entrei neste programa depois do ensino médio, eu não queria ir para a faculdade”, admite outra aluna, Juliana. Mas aqui tudo mudou. “Agora, eu—e na verdade todos aqui—têm a oportunidade de estudar na FGV com uma bolsa de 100%.”

O sentimento era semelhante no Complexo do Alemão, onde o programa é realizado em um local maior, com um corpo estudantil maior. Vários ex-alunos do programa também estiveram presentes durante a visita e estavam ansiosos para discutir como o programa Vai na Web influenciou suas vidas. Vitor, um ex-aluno que voltou para ajudar a ensinar programação, foi enfático: “O impacto que o Vai na Web me trouxe foi literalmente novos horizontes”. Muitos estudantes concordaram. “Aprendi bastante, mais do que eu esperava!” Declarou um dos alunos mais jovens da turma, refletindo sobre o programa. “Vai na Web começou tudo isso [na minha vida]”, diz Ana Luiza, formada pelo programa que, após concluir um estágio, agora trabalha em ciência da computação para uma empresa em São Paulo.

Lidar com as várias pressões que ocorrem na vida, nessas comunidades, pode tornar as conclusões das tarefas e o aprendizado desafiadores. Terminar o último semestre foi um desafio em ambas as comunidades. Nos Prazeres, redes de energia foram destruídas pelas fortes chuvas no início de abril, fazendo com que a equipe e estudantes se esforçassem para encontrar uma maneira de realizarem suas aulas que usam bastante tecnologia. No Alemão, não foi seguro ter estudantes frequentando as aulas mais de quarenta dias consecutivos por causa do aumento da violência armada entre traficantes e policiais. O bairro viu 103 tiroteios registrados pela plataforma de monitoramento Fogo Cruzado nos primeiros 100 dias de 2019, o nível mais alto dentre os bairro no Rio de Janeiro.

Vai na Web visa mitigar essas dificuldades através de suas aulas socioemocionais, que ajudam os alunos a permanecerem ancorados. João citou Paulo Freire: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor”. Essas aulas ajudam os alunos no dia-a-dia, pois muitos “têm violência em suas casas, falta de alimento, [e] dificuldades para chegar na sala de aula”, explica João.

A visão de João é que o Vai na Web “não gasta em projetos sociais [de caridade]. [O programa] investe na transformação de jovens dentro das favelas do Rio”. Ele explica que “quando você eleva uma comunidade, você cria uma espécie de riqueza”. Isto não é riqueza monetária, mas uma forma de prosperidade socialmente justa que só vem do desenvolvimento da educação, cultura, saúde e sustentabilidade. Em última análise, o Vai na Web pretende mudar comunidades inteiras, transformando os jovens em profissionais qualificados. O programa pode atingir apenas uma parte da comunidade, mas “se você impacta 5% da comunidade, você impacta a comunidade inteira”, explica João.

*Vai na Web é um dos mais de 100 projetos comunitários mapeados pela Comunidades Catalisadoras (ComCat)—a organização que publica o RioOnWatch—como parte do nosso programa paralelo ‘Rede Favela Sustentável‘ lançado em 2017 para reconhecer, apoiar, fortalecer e expandir as qualidades sustentáveis e movimentos comunitários inerentes às favelas do Rio de Janeiro. Siga a Rede Favela Sustentável no Facebook. Leia outros perfis dos projetos da Rede Favela Sustentável aqui.