Esta matéria é da série #OQueDizemAsRedes que traz pontos de vista publicados nas redes sociais, de moradores e ativistas de favela, sobre eventos e temas que surgem na sociedade. Esta também é a primeira de uma série gerada por uma parceria, de um ano, com o Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre direitos humanos para o RioOnWatch.
No dia 16 de agosto, após a morte de seis jovens em uma única semana de operações policiais em todo o estado, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, declarou que os “direitos humanos” eram culpados pela perda de vidas. Falando ao lado de policiais em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o ex-juiz federal chamou ativistas de “pseudodefensores de direitos humanos”, dizendo que “pseudodefensores dos direitos humanos não querem que a polícia mate quem está de fuzil, mas aí quem morre são os inocentes. Esses cadáveres não estão no meu colo, estão no colo de vocês”.
Os seis, Gabriel Pereira Alves, 18 anos; Lucas Monteiro dos Santos Costa, 21 anos; Tiago Freitas, 21 anos; Dyogo Costa Xavier de Brito, 16; Henrico de Jesus Viegas de Menezes Júnior, 19 anos e Margareth Teixeira, 17, foram atingidos por balas perdidas ou a queima roupa, a maioria durante operações policiais dentro ou ao redor de favelas do Rio.
Gabriel, estudante do Colégio Estadual Herbert de Souza, foi atingido por uma bala perdida no caminho de sua casa, na favela do Borel, para a escola, quando uma operação policial começou em 9 de agosto. Lucas e Tiago, ambos membros da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército foram encontrados mortos após um tiroteio em uma festa em 10 de agosto, no bairro de Encantado, na Zona Norte. Dyogo, um aspirante a jogador de futebol, foi encontrado baleado nas costas após uma operação policial na Grota, em Niterói, em 12 de agosto. Henrico, repositor de supermercado, foi atingido por uma bala perdida durante um tiroteio entre a polícia e traficantes de drogas em Magé, na Baixada Fluminense também no dia 12 de agosto. Margareth foi atingida durante uma operação policial, no dia 13 de agosto em Bangu, na Zona Oeste, e morreu com seu filho nos braços.
Atordoada com a alegação do governador de que os defensores dos direitos humanos mereciam a culpa pelo derramamento de sangue, a sociedade civil do Rio contra-atacou. Ativistas comunitários de toda a cidade organizaram um tuitaço, usando a hashtag #ACulpaÉDoWitzel para chamar a atenção para a responsabilidade do Estado pelas mortes resultantes da ação policial. A hashtag logo saltou para o segundo lugar no Twitter brasileiro, refletindo a indignação generalizada às palavras do governador.
Aí, @wilsonwitzel. Isso aqui é na minha casa, são meus filhos e filha deitados no chão, enquanto o helicóptero da polícia passava atirando, igual vc fez uma vez numa outra favela do Estado. Nesse momento, nesse exato momento do desespero, vc só constrói terror. #ACulpaÉDoWitzel pic.twitter.com/t8nugDUkCp
— Santiago, Raull (@raullsantiago) August 16, 2019
Acima, Raull Santiago, um ativista do Coletivo Papo Reto do Complexo do Alemão, na Zona Norte, retrata o desespero de seus filhos em um momento de tiroteio, o que acontece com constância, escrevendo: “Aí, @wilsonwitzel. Isso aqui é na minha casa, são meus filhos e filha deitados no chão, enquanto o helicóptero da polícia passava atirando, igual vc fez uma vez numa outra favela do Estado. Nesse momento, nesse exato momento do desespero, vc só constrói terror. #ACulpaÉDoWitzel”.
Não é fake. As crianças sentem de vdd. Minha filha escreveu ano passado. #AculpaÉdoWitzel pic.twitter.com/kOK4zBPKka
— Camila Moradia (@camilaapssantos) August 16, 2019
Outros pais protestaram da mesma forma. Camila Santos, também do Coletivo Papo Reto, postou um poema escrito por uma de suas filhas, escrevendo: “Não é fake. As crianças sentem de vdd. Minha filha escreveu isso no ano passado. #AculpaÉdoWitzel”. A filha de Camila, Leticia, parodia o hino funk de MC Bob Rum, “Rap do Silva” em seu poema “Todo Mundo Devia Nessa História Se Ligar”, escrevendo:
Todo Mundo Devia Nessa História Se Ligar,
Porque tem muita criança
Indo para a escola estudar
Buscar uma vida digna talvez
Um pouco brincar
Quem sabe mudar a vida
Antes de alguém o matarEle é só mais um Silva
Que a estrela não brilhaQue a família cuidou com tanto carinho
Para estar chorando hoje em diaEle é só mais um Silva
Que a estrela não brilhaHoje uma família não tem mais alegria
-Leticia Guimarães
Maré Vive, um grupo de direitos humanos do Complexo da Maré, também postou em protesto, compartilhando a cobertura do jornal Extra questionando a falta de estratégia e seus efeitos nas vidas de moradores inocentes. O grupo escreveu: “A culpa dessas mortes é do senhor, @wilsonwitzel, que com sua Política de Morte vem aprofundando ainda mais o quadro de genocídio da juventude. #ACulpaEDoWitzel”
A culpa dessas mortes é do senhor, @wilsonwitzel, que com sua Política de Morte vem aprofundando ainda mais o quadro de genocídio da juventude. #ACulpaEDoWitzel pic.twitter.com/ImwFmEstN6
— Maré Vive oficial (@MareVive) August 16, 2019
O cartunista Carlos Latuff contribuiu para o protesto online com uma imagem que reflete sobre o uso de helicópteros nas favelas do Rio e que contempla o papel daqueles que denunciam a violência do Estado nas favelas. “NÃO! A culpa da matança nas favelas do Rio não é de quem as denuncia!”, Latuff tuitou. “Não são defensores de direitos humanos que atiram de helicópteros e blindados!#ACulpaEDoWitzel que não só deu carta branca para a polícia, como incentiva o morticínio!
NÃO!
A culpa da matança nas favelas do Rio não é de quem as denuncia!Não são defensores de direitos humanos que atiram de helicópteros e blindados!#ACulpaEDoWitzel que não só deu carta branca para a polícia, como incentiva o morticínio! pic.twitter.com/QCCFCBat0C
— Carlos Latuff (@LatuffCartoons) August 16, 2019
Mesmo depois do fim do tuitaço, ativistas, principalmente os mais afetados pelas declarações de Witzel e os das favelas onde os seis jovens foram mortos, continuaram a usar a hashtag. Tal foi o caso de Patrick Melo, morador do Borel, que foi às ruas após a morte de Gabriel Pereira Alves.
Tuitando uma foto de manifestantes do Borel marchando pelo bairro da Tijuca, Patrick escreveu: “O Borel desceu de novo. Desceu pelo Gabriel que foi executado indo pra escola. Desceu pelos 5 jovens que morreram em 80h. Pelas 881 mortes em 6 meses que o estado do RJ executou [novos dados mostram que 1075 foram mortos pela polícia entre janeiro e julho]. Pra dizer: #ACulpaÉDoWitzel #VidasNegrasEFaveladasImportam”.
O Borel desceu de novo.
Desceu pelo Gabriel que foi executado indo pra escola.
Desceu pelos 5 jovens que morreram em 80h.
Pelas 881 mortes em 6 meses que o estado do RJ executou.Pra dizer: #ACulpaÉDoWitzel #VidasNegrasEFaveladasImportam pic.twitter.com/ZbJlbxNwU8
— Patrick Melo (@LomePatrick) August 17, 2019
Esta também é a primeira matéria gerada por uma parceria, de um ano, com o Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, que irá produzir mensalmente matérias originadas nas favelas do Rio sobre direitos humanos para o RioOnWatch.