Por Que a Suécia Importa Resíduos? Explicando o Sistema Sueco de Gestão de Resíduos [REFERÊNCIA]

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No dia 7 de junho, Carlos André do Nascimento, diretor da Região de Oficina Nacional de Grafite Organizado (RONGO)—uma iniciativa artística e ambiental comunitária e parte da Rede Favela Sustentável, do Rio de Janeiro—convidou a colaboradora da Comunidades Catalisadoras* e estudante pesquisadora da Universidade de Lund, Emma Bergman, para realizar uma apresentação sobre o sistema de gestão de resíduos da Suécia na sede da organização, na PavunaZona Norte. A apresentação de Emma na RONGO é um exemplo de intercâmbio de conhecimento da Rede Favela Sustentável em apoio ao desenvolvimento de soluções sustentáveis vindas de favelas do Rio. O próximo intercâmbio da Rede, inclusive, aberto ao público, será na RONGO este 31 de agosto (saiba mais). Abaixo, Emma explica os detalhes das práticas de sustentabilidade suecas.

Os Fundamentos do Sistema de Gerenciamento de Resíduos da Suécia

A Suécia tem uma das mais altas taxas de reciclagem do mundo: em 2017, 99,5% de resíduos domésticos foram desviados de aterros sanitários e reciclados de uma forma ou de outra. Isso se tornou possível através de esforços do governo sueco, de municípios, de associações comerciais, de companhias privadas e de uma população dedicada.

Leis que regulam o sistema de gerenciamento de resíduos da Suécia podem ser encontradas no Código Ambiental Sueco. De acordo com o Capítulo 15que fornece a fundação do sistema definindo e regulando todas as partes e atores no sistemaum “detentor de resíduo” é definido como qualquer um que tenha, em sua posse, um produto ou material que ele descarte, pretenda descartar ou é obrigado a descartar. Isso significa que os detentores de resíduos podem ser indivíduos, restaurantes, escolas, ou mesmo comércios. Nesta matéria procuramos explicar algumas das leis mais importantes do Código sobre resíduos sólidos e como elas são interpretadas e colocadas em prática.

Um dos maiores ativos do sistema sueco de reciclagem (e uma razão para a elevada taxa de reciclagem do país) é a consciência ambiental da população: os indivíduos estão acostumados à ideia de separar os resíduos materiais gerados em seus lares. Enquanto a lei apenas estipula que o detentor de resíduos é responsável por garantir que o lixo seja manipulado de forma aceitável quanto à saúde humana e ao ambiente, muitos suecos vão além.

A Hierarquia dos Resíduos

A legislação Sueca e da União Europeia estabelece o que é conhecido como “hierarquia dos resíduos”, uma classificação do conjunto de prioridades no gerenciamento de resíduos em relação ao potencial de escolhas de eliminação em termos de sustentabilidade. A lista a seguir, classificada a partir da opção mais sustentável para a menos sustentável, serve como um guia para prevenir o esgotamento de recursos e deve ser considerada na ordem:

  1. Evitar e reduzir a geração de resíduos
  2. Reutilizar produtos e materiais tanto quanto possível em sua forma atual
  3. Reciclar materiais [transformando-os] em novos produtos
  4. Recuperar energia a partir do material
  5. Descarte de resíduos em um aterro

Qualquer um que colete, transporte, recicle, descarte ou trate de resíduos deve aplicar e agir de acordo com essa lista.

Outro fator importante a contribuir com as altas taxas de reciclagem na Suécia é o sistema de coleta altamente funcional, que é baseado em uma lei que dita a responsabilidade do produtor. O regulamento de 1994 declara que qualquer um que manufature, transfira ou importe um certo tipo de produto deve assegurar que este produto—depois de ser descartado—seja coletado, levado, reciclado ou descartado de um modo aceitável para a saúde e para o ambiente. A lei se aplica a oito tipos de materiais ou categorias de produtos: carros (abaixo de três toneladas), pneus de carros, medicamentos, materiais para embalagem, eletrônicos, equipamentos elétricos, baterias e papéis (jornais, revistas e outros produtos similares feitos de papel). Dentro desse grupo, “materiais para embalagem” inclui tudo desde o plástico a vidros coloridos ou não, papelão e metais como alumínio, aço e cobre.

Como consequência dessa lei, produtores de produtos similares tipicamente se unem e criam associações comerciais com o propósito de facilitar a coleta e reciclagem. Uma dessas associações, Associação de Coleta de Embalagens e Jornais, é responsável pela coleta de todos os resíduos desse tipo gerados na Suécia. Outra grande associação é a Associação de Circuito Elétrico, que lida com resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos, waste electric and electronic equipment (WEEE).

O sistema de coleta de WEEE, que inclui alguns resíduos perigosos/danosos ao ambiente, como luzes tubulares e baterias, é um pouco diferente daquele de embalagens. Desde 2007, muitos supermercados adotaram um contêiner de coleta chamado “o Coletor”, localizado nas proximidades ou dentro do estabelecimento para facilitar o descarte apropriado de pequenos dispositivos. Outros pontos de coleta para esses tipos de materiais são chamados de waste and recycling stations (WRS) (estações de resíduos e reciclagem). Gerenciadas por companhias municipais de gestão de resíduos, essas estações oferecem contêineres para a separação e coleta de todos os tipos de resíduos domésticos, incluindo lixo danoso, resíduos de jardim, materiais de reforma, móveis, metal, papelão, partes de carro e têxteis.

Lições para o Rio: Resíduos elétricos e eletrônicos contêm muitos metais valiosos que podem ser vendidos para gerar renda. Este mercado não é explorado amplamente no Rio ou no Brasil e apresenta oportunidades significativas para a coleta e reciclagem locais. Deve ser observado, contudo, que resíduos elétricos e eletrônicos precisam de manuseio apropriado sob condições controladas, uma vez que alguns produtos contêm componentes perigosos.

Em seguida à coleta de WEEE, seja no supermercado ou em uma WRS, os resíduos são transportados a instalações de reciclagem onde são separados e tratados. Um dos primeiros passos desse processo se mantém totalmente manual até hoje, uma vez que ainda não há tecnologia capaz de substituir a habilidade das pessoas de identificarem cuidadosamente e separaram delicadamente diferentes produtos. Depois da separação manual, muitos dos componentes dos produtos são reciclados através de um processo automatizado, resultando em produtos finais de qualidade que podem ser introduzidos como matéria-prima em outros processos de produção.

Além de leis relativas à responsabilidade do produtor, o código ambiental estipula que, devido ao grande valor ambiental de certos materiais, produtores de embalagens para recipientes de bebidas prontas para o consumo como garrafas de polietileno tereftalato (PET) e latas de alumínio são obrigados a planejar e implementar um sistema de coleta envolvendo pagamentos de prêmios. Esses prêmios, por sua vez, encorajam consumidores a retornarem as embalagens ao sistema. Um sistema separado de coleta foi agora implementado em conexão com supermercados, tornando fácil e lucrativo para consumidores devolverem as embalagens. Através de um acordo com supermercados, a empresa que comercializa esses produtos, Pantamera, cobra dos clientes aproximadamente R$0,44 extras por garrafas PET pequenas e latas de alumínio e R$0,88 extras por garrafas PET grandes. Esse valor é reembolsado ao consumidor como um vale-presente no supermercado afiliado quando ele retorna a embalagem vazia ao sistema.

Lições para o Rio: Infelizmente, o material coletado, separado e vendido por catadores informais de resíduos e cooperativas continua a ser pouco valorizado no Rio de Janeiro. O real valor dos serviços ambientais e de mercado que esses trabalhadores oferecem é maior do que aquele que lhes é pago. Material de baixa qualidade que demanda muitas horas de trabalho por pagamentos baixos poderia, em vez disso, ser reutilizado para o valor retornar para lares na comunidade. Transformar materiais de baixa qualidade em bijuterias ou outros artefatos vendáveis, por exemplo, poderia potencialmente aumentar a rentabilidade dos resíduos que de outra forma recebem pouco pagamento em troca. Materiais, como embalagens TetraPak, também podem ser usados como revestimento reflexivo para manter as casas frescas.

Objetivos nacionais de reciclagem para materiais de embalagens e papéis são decididos pelo governo sueco. De acordo com empresas comerciais, em 2017, 70% do vidro; 65% do papelão, cartolina e papelão ondulado; 70% dos metais; 30% dos plásticos; 75% dos jornais e papéis; 90% das garrafas PET; e 90% das latas de alumínio no país foram reciclados. Como a Suécia tem uma longa tradição em reciclar papel e vidro, estes são os dois materiais com o mais alto índice de reciclagem, de 95,5% e 93% respectivamente. Em torno de 81,3% das embalagens de metal, 81,3% de papelão e 80,2% das embalagens plásticas foram recicladas. Apesar do sistema separado de coleta para PET e alumínio, a reciclagem de PET apenas alcançou 83.3% e a de alumínio, 85,9%, o que significa que essas duas categorias foram as únicas que falharam em atingir os objetivos nacionais em 2017.

Para todo resíduo que não se encaixe em nenhuma das categorias de responsabilidade do produtor (como lixo residual, resíduos de jardim, móveis e partes menores de carros), o governo municipal é responsável pela coleta e pelo tratamento. Isso resultou em vários modelos e experimentos para se descobrir sistemas adequados para cada município. Contudo, a maioria dos diferentes sistemas de coleta na Suécia é integrada, o que significa que um ponto de coleta tem contêineres para a maior parte dos tipos de materiais e resíduos, seja aqueles de responsabilidade do produtor ou do município. A ideia por trás disso é facilitar o descarte apropriado de resíduos a fim de aumentar o índice de reciclagem. O ponto de coleta para embalagens, lixo residual e itens menores normalmente está localizado próximo a propriedades residenciais, chamado “ponto de coleta perto de propriedades”. Para itens maiores como móveis, resíduos de jardinagem e partes de carros, o detentor de resíduos é obrigado a ir à WRS. Numa tentativa de aumentar o índice de reciclagem, em 2018, o governo sueco decidiu que coletas perto de propriedades devem estar conectadas a não menos do que 60% de todas as propriedades na Suécia até 2021 e que o financiamento completo dessa iniciativa é de responsabilidade dos produtores.

Também é responsabilidade dos municípios coletar e tratar resíduos de alimentos. Como a lei sueca não requer que resíduos alimentícios sejam separados de outros tipos de resíduos, apenas 223 dos 290 municípios oferecem contêineres separados para restos de comida atualmente. Contudo, em 2018, o governo nacional optou por obrigar os municípios a oferecer e financiar esse serviço para todos os lares a partir de 2021. A maioria dos restos de comida coletados na Suécia é tratada através de digestão anaeróbica para produzir biogás, embora parte seja compostada no solo. Em 2017, o total de produção de energia de restos de comida suecos foi de 975.680 MWh, dos quais 856.170 MWh foi de biogás próprio para veículos. Isso substituiu em torno de 83,3 milhões de metros cúbicos de gás natural que, quando queimado, é equivalente a aproximadamente 42.000 toneladas de CO2.

Lições para o Rio: Embora o protocolo ideal para lidar com resíduos alimentícios permaneça sendo a digestão anaeróbica com a produção de biogás e reciclagem de nutrientes, atualmente ocorrendo em uma favela no Rio, comunidades no Rio e pelo Brasil podem facilmente melhorar seus ambientes apenas separando restos de comida (particularmente matéria vegetal) do restante do lixo doméstico através de simples compostagem em casa. Dessa forma, as famílias podem tanto reduzir os riscos para a saúde quanto reciclar nutrientes que retornam à comunidade, tudo isso enquanto reduzem o impacto ambiental. Compostar restos de comida em casa ajuda a reduzir emissões e devolve os nutrientes ao solo local. Lembre-se de que nem todo resíduo alimentício é apropriado para a compostagem, leia mais a respeito do que fazer e do que não fazer aqui.

Importando Resíduos

Localizado bem ao norte na Europa, o clima da Suécia é frio e escuro durante a maior parte do ano. Como resultado, a nação tem necessidade de um sistema elétrico de aquecimento eficiente e de alto funcionamento. Por essa razão, o lixo residual é usado como combustível para incineradores produzirem calor e eletricidade. Em 2017, a energia recuperada através de incineração de resíduos na Suécia foi equivalente à demanda de aquecimento de 1.250.000 apartamentos e à demanda de eletricidade de 680.000 apartamentos. Isso também minimizou a quantidade de resíduos sendo descartado em aterros, e a emissão de gases de efeito estufa vinda de aterros foi reduzida em mais de 76% desde 1990 como resultado. Ademais, a incineração de resíduos substitui a necessidade de combustível fóssil e desse modo evita mais emissões.

De acordo com a Associação Sueca de Gestão de Resíduos, a capacidade de instalações de incineração é aproximadamente 21% maior do que a quantidade de lixo residual gerada na Suécia hoje. Dessa forma, há uma demanda para mais lixo residual como combustível e a solução foi importar resíduos de outros países. Segundo a Agência Sueca de Proteção Ambiental, mais de 2,5 milhões de toneladas de resíduos são importados para a Suécia a cada ano, a maioria da Noruega e da Grã-Bretanha.

Nos últimos seis anos, cerca de 50% de todos os resíduos domésticos foram tratados através de recuperação de energia. Em torno de 15% são resíduos orgânicos reciclados, 34% materiais reciclados e menos de 0,5% vai para aterros sanitários.

O sistema de gestão de resíduos sueco é bem-sucedido devido às suas ambiciosas políticas ambientais, ao respeito em geral pela lei sueca e a uma população com um histórico de apreciação e respeito pela natureza. As novas regulamentações a serem implementadas nos próximos dois a três anos vão, provavelmente, continuar a melhorar as taxas de reciclagem e a diminuir ainda mais os efeitos ambientais de se gerar lixo.

Veja a apresentação completa de Emma aqui:


Emma Bergman é mestranda em engenharia ambiental na Faculdade de Engenharia da Universidade de Lund, na Suécia. Sua pesquisa analisa a gestão de resíduos nas favelas do Rio.

*Comunidades Catalisadoras é a organização que publica o RioOnWatch e facilita a Rede Favela Sustentável.