Esta matéria faz parte de uma série de matérias sobre as eleições municipais de 2020, com enfoque nas perspectivas das favelas do Grande Rio, e também faz parte de nossa parceria com o The Rio Times. Para a matéria publicada no The Rio Times, em inglês, clique aqui.
À medida que a temporada de eleições ocorre no Rio de Janeiro, moradores sinalizam que há mais coisas em jogo hoje do que em eleições municipais passadas. Uma recessão profunda que se agravou ainda mais devido à pandemia global com graves impactos locais, junto com protestos crescentes por justiça racial, obstrução da mídia e outros fatores, aumentaram as preocupações sobre o estado da democracia.
Dentro deste contexto, várias iniciativas têm se esforçado para trazer mais igualdade às urnas. Embora a maioria dos brasileiros se identifique como negra ou parda, o congresso brasileiro é majoritariamente branco e tal falta de representatividade repercute em nível municipal.
O Giro 2020, iniciativa conjunta entre a Fundação Cidadania Inteligente e Casa Fluminense, é um dos projetos que buscam abordar esta falta de diversidade. Nesta eleição, o Giro ofereceu um treinamento especial a 74 candidatos e candidatas a vereador e um candidato a vice-prefeito–escolhidos dentre 289 inscritos–nos municípios do Grande Rio, procurando fortalecer candidatos sub-representados e os que se dedicam à luta antirracista. O objetivo oficial do projeto é provocar “um giro de pautas e corpos nos espaços de tomada de decisão pública”.
O recorte demográfico dos candidatos apoiados pelo Giro reflete sua missão. No total, 76% são negros ou pardos, 45% são mulheres e 19% são LGBTQ+. Os números contrastam fortemente com a composição atual das câmaras municipais em todo o país, onde somente 42% são negros ou pardos, de acordo com o IBGE. Somente 5% são mulheres negras ou pardas, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, apesar de 56% dos brasileiros se autoidentificarem como negros ou pardos, em 2019.
“Democracia, governo de todos, certo? Mas como é o governo de todos se apenas um grupo político, que é o grupo dos homens brancos, tem o poder?” pergunta Emerson Caetano, coordenador do Giro 2020.
“As pessoas, não se identificam com seus representantes”, diz Douglas Almeida, coordenador de defesa de direitos da Casa Fluminense.
Tanto a formação de iniciativas como o Giro quanto a mudança de perfil de representantes recentemente eleitos sinalizam que uma mudança está em curso na política brasileira.
Em 2018, 50% mais mulheres foram eleitas para a Câmara dos Deputados do Brasil do que na eleição anterior de 2014. O número de deputadas negras ou pardas passou de 10 para 13, o número de deputadas brancas passou de 41 para 63. Também foi eleita a primeira deputada indígena.
Uma pesquisa de maio sobre ativistas negras e mulheres de várias regiões do Brasil, conduzida pelo Instituto Marielle Franco e pela iniciativa Mulheres Negras Decidem, descobriu que 25% destas ativistas consideraram concorrer nas eleições. As mulheres negras “demonstram maturidade ao considerarem e participarem das disputas eleitorais como meio de acesso à institucionalidade e espaços de tomada de decisão”, escrevem as organizadoras da pesquisa.
Para Emerson, é importante fortalecer as candidaturas de grupos menos representados “para que eles possam moldar um ideal político que resolverá os problemas que enfrentam”.
As duas ONGs por trás da iniciativa Giro, Fundação Cidadania Inteligente e Casa Fluminense, facilitam a colaboração entre ativistas, pesquisadores e outros profissionais, baseado em opiniões parecidas quando se trata de políticas inclusivas.
As ações do Giro 2020 são baseadas em três etapas: reuniões, treinamentos e laboratórios de liderança. As reuniões ocorrem mensalmente, são abertas ao público e mantêm discussões sobre políticas com líderes sociais e pessoas que planejam concorrer a cargos públicos. Nos treinamentos, os 75 indivíduos selecionados estudam políticas públicas e discutem tendências eleitorais, estratégias de comunicação e financiamento de campanha. Os laboratórios de liderança são espaços de intercâmbio entre lideranças sociais de toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Os organizadores da Giro dizem que, apesar dos moradores do Rio terem exigido maior representatividade nos cargos públicos há muito tempo, há mais em jogo agora nestas eleições que nos anos passados.
“Diferentes grupos estão sendo atacados, principalmente da sociedade civil e da política”, disse Douglas. “Nos últimos dois anos, principalmente com a eleição do presidente Bolsonaro, [a sociedade civil] é um campo político que está sendo criminalizado”.
A empresa de pesquisas latino americana Latinobarómetro conduziu uma análise em 2018 para medir a satisfação do povo com a democracia em diferentes países. No Brasil, a satisfação caiu de 54% em 2010 para poucos 34% em 2018. Os pesquisadores advertem que essas condições favorecem a ascensão do autoritarismo.
Este é só mais um motivo para promover representantes eleitos mais diversos, disseram os organizadores do Giro. Eles veem as eleições de 2020 como um possível ponto de virada, especialmente depois que a crise da Covid-19 expôs os perigos de uma liderança política fraca. Além da Giro, outras iniciativas, como a Ocupa Política, estão formando candidatos não tradicionais para concorrer às eleições..
Esses candidatos sub-representados permitem a possibilidade de legislaturas que não apenas pareçam diferentes em gênero e cor de pele, mas que promovam políticas mais alinhadas com as necessidades e realidades experimentadas em campo.
Essas pessoas podem focar mais na redução da desigualdade, por exemplo, disse Douglas. “Existe um problema muito sério no Brasil de sempre colocar a desigualdade como um problema a ser resolvido posteriormente. Ela nunca é colocada como um problema central”. O Brasil é atualmente o nono país mais desigual do mundo.
Nas urnas deste 15 de novembro, os grupos que se sentem sub-representados ou não representados na política esperam mudar a situação atual.