No dia 22 de março, urbanização nas favelas e indenizações para catadores de lixo estavam na agenda do painel de debates sobre “urbanismo inclusivo” no Studio X Rio, um projeto satélite da Escola de Pós-Graduação em Arquitetura, Planejamento e Preservação (GSAPP) da Universidade de Columbia. Localizado em um prédio histórico restaurado na Praça Tiradentes no centro do Rio de Janeiro, o Estúdio X teve uma programação completa especialmente durante as férias de primavera norte-americanas, quando os estudantes de Columbia vieram para mostrar suas pesquisas e dialogar com os cidadãos e atores locais em arquitetura e urbanismo.
Planejamento participativo é certamente a exceção e não a regra quando se trata de desenvolvimento urbano no Rio, e os palestrantes foram sinceros sobre seus obstáculos. Entre os palestrantes estavam um planejador do Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal (PAC) comprometido com projetos de infraestrutura na Rocinha, uma moradora da Rocinha, um aluno de Columbia que está estudando o encerramento do aterro do Jardim Gramacho, e um pesquisador do Rio que ajudou a facilitar a coleta de dados e negociação entre os vários grupos trabalhando no assunto.
Jonathas Magalhães, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Campinas, começou descrevendo seu papel na criação do “Plano Sócio-Espacial” da Rocinha, em 2007, em preparação para a comunidade receber as melhorias financiadas pelo PAC: “Nós identificamos os diferentes bairros que compõem a comunidade, e agendamos reuniões diferentes para os moradores de cada um deles.”
Cleonice Santos, moradora da Rocinha que ajudou a organizar estas reuniões, disse que a parte mais difícil para trazer outros moradores a participar era o ceticismo baseado em promessas não cumpridas do passado de ambos, os órgãos governamentais e organizações não governamentais. Além disso, quando se trata de obras públicas, “os moradores pensam, por causa de experiências passadas, que o governo vai ver um orçamento em um projeto de uma empresa de construção e vai mostrar o preço muito mais elevado para o público. Dessa forma, eles podem manter os lucros para si mesmos.”
Os planejadores do PAC criaram um estúdio de arquitetura dentro da Rocinha para o projeto, assim como completaram os grupos focais, e instalaram melhorias na habitação popular e infra-estrutura que são, na maior parte, visto como um exemplo positivo do desenvolvimento da favela.
O caso de Jardim Gramacho é centrado em torno da obrigação do governo com os catadores de lixo locais depois de terem eliminado seus empregos. Um evento altamente divulgado nas vésperas da conferência ambiental Rio +20 foi o fechamento de Gramacho, o maior aterro sanitário da América Latina, melhor conhecido como o tema do filme indicado ao Oscar de Vik Muniz, “Lixo Extraordinário”. Gramacho sustentava 5.000 empregos para catadores que vasculhavam parte das 3.150 toneladas de lixo por dia que passavam pelo aterro sanitário. A coleta municipal do Rio de Janeiro, Comlurb, selecionava 2% do lixo, os catadores 45%.
May Yu, que está escrevendo sua tese de mestrado sobre Gramacho, iniciou a fala dizendo: “Quando estamos falando de urbanismo inclusivo, eu realmente quero desafiar a ideia de inclusivo para quem? E o que uma ‘cidade sustentável’ abrange, na sua totalidade?” Yu estuda a relação entre o emprego e sustentabilidade urbana na Universidade de Columbia. Ela continuou a discutir a importância de facilitar rendas alternativas quando as prefeituras tomam medidas radicais para eliminar empregos, observando que metade dos Estados membros das Nações Unidas adotaram planos inclusivos na criação de empregos urbanos.
A palestrante Fabrícia Ramos do instituto de pesquisa IETS trabalhou com várias organizações comunitárias, igrejas, entidades sem fins lucrativos e órgãos governamentais ativos na área de Gramacho para mapear e agregar ao trabalho que eles estavam fazendo em torno deste problema. A coligação ainda está em processo de demonstração para a Prefeitura da importância de uma compensação adequada e serviços de recolocação profissional para os trabalhadores de lixo. Até agora, os 1.700 catadores cadastrados receberam R$14.000,00 cada.
Ramos disse que uma parte importante do seu trabalho foi simplesmente fazer os diferentes atores da questão Gramacho dialogarem pela primeira vez. “Em alguns casos, verificou-se que as secretarias de governo não estavam se comunicando. Eu ouvia comentários do tipo, ‘Nossa, como é bom ver obras públicas aqui!” O IETS conectou informações de mais de vinte iniciativas públicas, privadas e de movimentos populares.
O moderador do painel de debates salientou que cabe aos cidadãos do Rio de Janeiro manter o ritmo desses projetos andando, um comentário que ecoou da noite anterior de um outro painel sobre a revitalização do Porto, também no Studio X. Shawn Amsler, um aluno recentemente graduado da Escola de Pós-Graduação em Arquitetura, Planejamento e Preservação (GSAPP) da Columbia, acabara de apresentar um estudo para saber se o mercado imobiliário no centro do Rio de Janeiro seria forte o suficiente para suportar todos os investidores privados que a cidade estaria esperando atrair para a área do Porto. Ele disse que provavelmente seria. Amsler, em seguida, recebeu diversas perguntas da platéia sobre a ausência de zoneamento ou incentivos para a habitação social na área do porto, apesar do seu próprio slide na apresentação mostrar que recomendações iniciais eram de que parte da área fosse posta de lado como “habitação de interesse social” e, apesar do estudo de 2012 produzido por Columbia e pelo Studio X, para as autoridades de habitação do Rio de Janeiro, recomendar habitação de uso misto na remodelação do porto.
A mesma questão também foi colocada para Rodrigo Gomes Coelho, o representante da Caixa Econômica Federal, que está encarregada de financiar todo investimento imobiliário novo na zona do Porto. Coelho disse que a responsabilidade da Caixa exclusivamente foi o de garantir que todos os investidores vindos para o novo porto alcancassem um ponto de equilíbrio financeiro, não para garantir qualquer tipo de norma social para a área.
Um grande número de participantes do evento não estavam satisfeitos com esta resposta e continuaram questionando, dizendo que as favelas do Rio de Janeiro se desenvolveram a esta extensão devido à ausência de uma política adequada de habitação popular. Um participante citou a função social da terra, que é definida na Constituição Brasileira, com a habitação popular sendo explicitamente parte dessa função.
Amsler respondeu: “De fato, há situações em que uma área urbana pode ser bem sucedida financeiramente, mas que pode não ser o melhor resultado social. É por isso que algumas cidades colocam regulamentações locais incentivando algo diferente… Seu papel como cidadão é dizer, ‘você nos deve uma cidade que é melhor do que está agora'”.
No painel de urbanismo inclusivo na noite seguinte, Anna Rubbo, do Instituto Terra da Universidade Columbia e Estúdio Global, fechou a discussão com um comentário similar: “Nós todos temos que ser sujeitos neste debate. Você não pode sentar-se do lado de fora como observador deste processo para sempre, dizendo: ‘Eu sou apenas um estudante’, ou… ‘somente quando eu aprender o suficiente sobre isso poderei fazer alguma coisa'”.