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Nesse Dia das Crianças, o RioOnWatch traz uma iniciativa inovadora que está afrobetizando crianças pretas fluminenses e ensinando seus colegas de classe a serem antirracistas. Tudo começou através de quadrinhos, mas está se tornando uma política social, que leva, para os pequenos, livros de autores pretos e rodas de leitura.
A afrobetização é um ato de aliar alfabetização e educação antirracista na primeira infância. O termo, que vem ganhando espaço na última década, tem como princípio que ninguém nasce racista. Por isso, compreende a importância de empoderar crianças, contribuindo com a diminuição dos danos do racismo estrutural.
Representatividade
Pai de gêmeas de seis anos, ambas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e negras, Estevão Ribeiro decidiu agir contra a falta de representatividade para crianças pretas nos quadrinhos e livros infanto-juvenis. A paternidade fez com que Estevão, 43, criasse a Renata Tinta, Rê Tinta para os íntimos, em 2018. Os quadrinhos antirracistas empoderam e afrobetizam crianças e adultos, através de críticas sociais que refletem o racismo estrutural em suas tirinhas. E já viraram dois livros: Rê Tinta: Preta, logo resisto e Rê Tinta e o pé de jamelão.
Nascido e criado em bairros periféricos da capital do Espírito Santo, Estevão mudou-se para outros territórios de vulnerabilidade ao migrar para o Rio de Janeiro. Atualmente morador da periferia de Niterói, já morou no Beltrão, no Fonseca e atualmente mora em Santa Rosa. Em sua obra, além de temas relacionados à raça, Estevão permeia temas como religião, paternidade e maternidade, política e ancestralidade, sob a perspectiva negra. Rê Tinta já conta com quase 15.000 seguidores no Instagram.
“A gente tem o papel de educar também. A gente tem que compartilhar nossos conhecimentos, como os mais velhos compartilhavam com a gente. A gente aprende muito através das histórias. Então, assim como uma pessoa na comunidade conta as histórias, os griôs contam as histórias ocorridas. A gente também está contando para nossa aldeia, que é uma aldeia muito dispersa.” — Estevão Ribeiro
Trajetória, Obstáculos e Inspiração
Estevão Ribeiro sempre amou desenhar e começou aos 14 anos. Aos 21, publicou seu primeiro quadrinho no Jornal Notícia Agora, do Espírito Santo. Quando se mudou para o Rio de Janeiro, há quase 15 anos, publicou suas tirinhas nos jornais O Dia, Meia Hora e Extra. Em 2008, criou a tirinha Os Passarinhos, publicada no Brasil, na Nicarágua, em Portugal, no Panamá e no Equador.
Ser um homem negro e pai de duas meninas negras autistas fez com que Estevão pudesse criar uma personagem empoderada, que está educando outras crianças como as filhas dele.
“Sou pai de meninas gêmeas e elas estão no espectro autista. Uma delas tem um pouco mais de dificuldades com a fala, então, há um desafio a mais. Meu desafio maior atualmente é a independência delas. É como trabalhar para que elas tenham as melhores [condições] para que elas se desenvolvam cada vez mais e possam ser pessoas independentes. É nisso que eu luto atualmente. Eu espero obviamente estar criando meninas empoderadas e antirracistas, cientes de seus privilégios.” — Estevão Ribeiro
Os livros que contam as aventuras de Rê Tinta já estão nas mãos de mais de 20.000 crianças da rede pública fluminense, afrobetizando tanto os pequenos pretos quanto as crianças brancas. A história que empodera tantas crianças quase não nasceu, contou Estevão. Porque ele quase desistiu de desenhar.
“Eu comecei a desenhar muito cedo, só que eu parei porque eu encontrava pessoas com muito mais talento do que eu e eu achava que meu talento era para a escrita apenas. Então, eu me dediquei mais à escrita até os 20 anos. Precisei fazer uma biografia minha e eu não tinha registros biográficos. Então, comecei eu mesmo a me desenhar e fazer as coisas. Comecei a trabalhar mais de forma também independente, porque quando você é um escritor de quadrinhos, você sempre depende de um desenhista. E nem todo mundo está à disposição para investir em histórias como você, como criador, não é? Então, a partir daí, esse tipo de demanda acabou criando a minha vontade de desenhar, [e pensei]: vou voltar a desenhar.” — Estevão Ribeiro
Hoje, Estevão compreendeu que acreditar no seu dom foi a resposta certa para o seu caminho e para o de milhares de outras crianças e adultos, pretos e brancos, pelo mundo afora. “As tirinhas produzidas da Rê Tinta já são temas de provas, já estiveram algumas em provas de faculdade, e em livros didáticos. Então, eu acredito que o meu material tem colaborado um pouco com a educação no país”.