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No dia 6 de junho de 2023, 155 mobilizadores comunitários e aliados de 12 estados brasileiros—Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo—se reuniram online para participar do “1° Intercâmbio Nacional da Rede Favela Sustentável: Tecendo Sustentabilidade e Ampliando Saberes, com Favelas, Quilombos e Aldeias”, com mobilizadores e moradores que, em homenagem à semana mundial do meio ambiente, se uniram para pautar a sustentabilidade pelas suas próprias vozes e vivências.
O potente intercâmbio, contando com convidados especiais indígenas, quilombolas, caiçaras e de favelas pelo Brasil, foi realizado em três sessões: uma roda de apresentações, uma roda de debate e uma roda cultural. Os diferentes momentos buscaram garantir a troca entre momentos de fala, de escuta e de afeto, entre convidados especiais e mobilizadores comunitários da Rede Favela Sustentável do Rio de Janeiro. O evento foi iniciado com uma apresentação básica sobre a RFS, que atualmente trabalha em onze eixos: (1) justiça climática (tema guarda-chuva), (2) educação e pesquisa socioambiental, (3) elaboração de políticas públicas participativas, (4) cultura e memória local, (5) soberania alimentar, (6) saúde coletiva, (7) economia solidária, (8) direito ao saneamento básico, (9) justiça energética, (10) transporte justo e (11) moradia sustentável.
O intercâmbio foi construído coletivamente pela RFS, através de seis reuniões, construído por muitas mãos. Os intercâmbios são vistos como o coração da RFS e têm como o objetivo principal proporcionar espaços de troca de saberes, apoio e sustento entre as diferentes favelas e mobilizadores comunitários.
Sessão 1: Roda de Apresentação dos Convidados Especiais
Almir Narayamoga Suruí, do Projeto de Carbono Suruí e Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal, no estado de Rondônia, abriu sua fala apresentando a si e a seu povo, seu território, seus desafios e sua luta.
“Nosso estado faz parte da Amazônia brasileira. Estamos aqui ocupando uma área de 248.000 hectares de floresta. O povo Paiter, meu povo, é aproximadamente uma população de 2.000 pessoas. Estamos procurando respostas para o grande desafio… Em 2000, eu planejei criar estratégias para os próximos 50 anos do Povo Paiter Suruí. A partir daí, a gente começou a criar estratégias de desenvolvimento sustentável dentro do nosso território, buscando entendimento de que é possível se desenvolver economicamente e culturalmente junto com a floresta… Nada é intocável, mas as pessoas precisam entender que existem critérios de fazer as coisas acontecerem. Não só critérios pela lei, mas também critérios da natureza, do universo, da vida, os critérios são muito amplos. As mudanças climáticas estão aí, uma resposta pela atitude do mundo: desmatamento agressivo sem justificativa… É um desafio para nós, ainda hoje, que é possível trabalharmos com essa consciência a médio e longo prazo, para que a gente possa garantir o futuro da humanidade, o futuro das gerações, fortalecendo a economia, continuar produzindo, respeitando o meio ambiente, respeitando a vida e também usar tecnologia… É muito importante trazermos um equilíbrio e uma sociedade mais justa. União com respeito, não com exploração, não com preconceito e não com discriminação.” — Almir Narayamoga Suruí
Ben Hur Flores, do Projeto Anjos e Querubins, em Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul, contou sobre o projeto que envolve arte, educação e sustentabilidade voltado para jovens. Além disso, falou da esperança de um futuro melhor para as próximas gerações.
“A gente criou o Projeto Anjos e Querubins em 2001 pelo fato da gente viver numa comunidade em que a violência era uma coisa tão comum, tão natural. As crianças conviviam com essa violência e achavam tudo tranquilo. Os meus filhos estavam crescendo nesse ambiente. Então, criei um projeto que era de teatro… para que a gente pudesse dar alguma ocupação… eu não tinha ideia do poder que a arte tinha para transformar vidas… A primeira geração [do projeto] tem jovens fazendo faculdade, outros já formados e inseridos no mercado de trabalho, com família constituída, com casinha dentro da própria comunidade. Eles são os transformadores, aqueles que vão dar continuidade a essa mudança… Nesse meio tempo, a gente [recebeu] alguns reconhecimentos a nível nacional e local, mas o reconhecimento que eu mais prezo é ver os jovens que foram na primeira viagem de Intercâmbio no Complexo do Alemão, que viram que é possível, que mesmo sendo negro, pobre, favelado, periférico podiam alcançar o que eles quisessem.” — Ben Hur Flores
Jam Sankofa, da Rede Afrociclos, de Salvador, no estado da Bahia, relembrou a sua trajetória de formação, referências, e ancestralidade, apresentando seu trabalho com a bicicleta, usada como ferramenta de autonomia e de ativismo socioambiental.
“Sou poeta, cantora, compositora, artesã… Nasci na cidade de Salvador, em um bairro também chamado Quilombo Urbano de Pernambués… Venho da comunidade periférica da Guiné… um pontapé acho, que transformou muito a minha caminhada além do movimento hip hop, da poesia, da minha vivência com a rua, com a projeção cultural na periferia, também foi a bicicleta… aprendi a pedalar com 24 anos, né, como eu falei, eu venho de uma comunidade periférica com várias vulnerabilidades socioeconômicas e estruturais, e era uma bicicleta [usada pela] rua inteira, sem freio… existia pouco acesso a essa ferramenta… como nada é por acaso, pra gente, que está conectado com a ancestralidade, tudo tem os seus caminhos. No ano seguinte, encontrei umas meninas que trabalhavam com empreendedorismo em cima de uma bicicleta e elas me convidaram para fazer parte do que viria a se tornar o coletivo… A gente criou um projeto onde ensinávamos mulheres a pedalar… entender a bicicleta como uma ferramenta de transporte sustentável, saudável, autônoma, que faz a gente acessar lugares.” — Jam Sankofa
Maria de Lourdes Andrade de Souza, do Instituto Lia Esperança, conhecida como Lia Esperança, líder comunitária de Vila Nova Esperança, na cidade de São Paulo, falou sobre a sua luta contra as remoções e como sua comunidade se tornou um modelo de mobilização socioambiental e de soberania alimentar.
“Tinha um processo de remoção porque essas famílias moravam em um espaço que era de preservação ambiental… comecei [a] lutar junto e mostrar que não era porque esses moradores estavam dentro de um espaço que era de preservação ambiental que a Justiça poderia vir [removê-los]… dizendo que estavam degradando [a área]… Eu tive a ideia… [de] como transformar a Vila Nova Esperança em uma comunidade sustentável. Eu não tinha e nem tenho faculdade, então, tive a ideia de fazer uma horta e, através da horta, trazer para dentro da comunidade educação ambiental… a gente aqui dentro da Vila aprendeu a fazer junto, aqui não tem professor e não tem aluno, no caso todos aprendem juntos, todos com a sua sabedoria. A gente junta e transforma os espaços… Depois, nós vimos que a horta também poderia trazer para dentro da comunidade não só educação ambiental, mas também segurança alimentar… com a nossa horta, a gente trouxe saúde para a nossa comunidade.” — Maria de Lourdes Andrade de Souza, “Lia Esperança”
Maria Luiza Nunes, integrante do Coletivo Pretas Paridas da Amazônia e do Quilombo Boca da Mata, na Ilha do Marajó, no estado do Pará, abriu a sua fala saudando seus ancestrais através do rezo:
“Eu existo porque alguém antes de mim existiu
Porque alguém antes de mim insistiu
Porque alguém antes de mim resistiu
Plantou e me ensinou a plantar
Plantou e me ensinou a plantar.”
Na sequência, se apresentou, trazendo saberes herdados da mata, além da importância do corpo político de mulheres pretas na defesa da Amazônia e na resistência cultural.
“Eu nasci no quilombo chamado Boca da Mata, em Salvaterra, na Ilha do Marajó, um lugar onde a produção gira de acordo com o tempo, com respeito ao sagrado, considerando que o sagrado pra nós são os rios, as matas, os igapós, os igarapés e toda a produção que vem desses lugares… A minha avó que chamávamos mãe Maria ou Mariazinha [era] uma artista do mato, ceramista, costureira. Eu chego aqui orgulhosa dos saberes herdados dessas mulheres… Reconhecer que somos cultura andante [é] nos reconectar com outras mulheres pretas. Assim, em 2019 nós criamos junto com um grupo de mulheres, as Pretas Paridas da Amazônia, sabendo que o fazer é político, mas é aprendendo com as nossas avós, com as nossas mães, que há muito tempo atrás já praticavam a economia do cuidado, a economia do afeto, as diferenças entre o ganho, o preço e o valor, e que esse corpo é político, ele é um território político, então, tudo que eu faço… está encharcado dos conhecimentos, dos saberes herdados dessas mulheres e homens que compõem o meu território… A cosmo-conexão nos liga aos nossos espaços, às nossas essências.” — Maria Luiza Nunes
Tata Luandenkossi, do Grupo de Preservação da Cultura Negra Dilazenze e a Associação Gongombira de Cultura e Cidadania, em Ilhéus, no litoral sul do estado da Bahia, pediu a bença aos mais velhos através do canto:
“Ô dai-me licença ê
Ô dai-me licença
Ô dai-me licença ê
Ô dai-me licença
Alodê Iemanjá ê dai-me licença
Alodê Iemanjá ê dai-me licença.” — Tata Luandenkossi
Dando sequência à sua fala, ele ressaltou a importância da memória, aliada do meio ambiente e grande ativo na luta por políticas públicas.
“Eu sou Tata Luandenkossi, do terreiro Matamba Tombenci Neto, Ilhéus, Bahia. Fica localizado no bairro da Conquista, de quase 20.000 habitantes, na sua maioria de negros e negras… É um terreiro centenário, fundado em 1885 por membros da minha família consanguínea, da família Rodrigues, e onde hoje também está localizada a organização Gongombira de cultura e cidadania, da qual eu estou presidente. É a instituição responsável por fomentar as políticas culturais dentro do terreiro Matamba Tombenci Neto… o terreiro é [como uma] faculdade de vida da gente… sempre com o aval da nossa Mãe Ilza Mukalê, temos vários projetos relacionados à educação, à questão do patrimônio, do meio ambiente.” — Tata Luandenkossi
Francisco Xavier Sobrinho, conhecido como Ticote, da Associação de Moradores do Pouso da Cajaíba, em Paraty, região da Costa Verde, no litoral sul do Rio de Janeiro, trouxe em sua apresentação a luta por uma educação que respeite os saberes locais. Ele orgulhosamente falou sobre suas crianças, que atualmente conseguem estudar por mais tempo em sua comunidade.
“Sou de uma comunidade caiçara chamada Pouso da Cajaíba, aqui em Paraty, Rio de Janeiro. Venho de uma trajetória de luta na minha comunidade pela educação… transformei minha casa no Instituto de Permacultura Caiçara (IPECA), instituto de educação caiçara… A gente criou o Fórum de Comunidades Tradicionais: os indígenas, quilombolas e caiçaras… a gente discute o saneamento ecológico, educação diferenciada, o turismo de base comunitária, a agroecologia e várias outras coisas, como o movimento da pesca. Então, a gente tem várias frentes de luta nesse contexto… hoje a gente tem o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudável da Bocaina (OTSS), que é uma parceria do Fórum de Comunidades Tradicional junto da Fiocruz.” — Francisco Xavier Sobrinho, “Ticote”
Sessão 2: Roda de Debates
O evento teve um segundo momento focado em uma troca maior entre os convidados de todo território nacional, e mobilizadores comunitários da Rede Favela Sustentável no Rio de Janeiro. Para isso, jovens que fazem parte da RFS trouxeram alguns temas para compor rodas abertas de debate, sobre os temas da justiça climática, moradia sustentável, soberania alimentar e educação socioambiental.
Na roda de debate com o tema justiça climática, Matheus Edson, cria de Rio das Pedras, Zona Oeste da cidade do Rio, geógrafo e voluntário em dois pré-vestibulares comunitários no território, comentou: “Sabemos que atualmente estamos sofrendo bastante com as mudanças climáticas e sabemos que esses impactos atingem diferentemente grupos sociais, principalmente os mais vulnerabilizados.” Com isso, dirigindo-se aos convidados, perguntou o que cada convidado especial e seu grupo está fazendo, dentro da sua comunidade, para contribuir com a luta contra o aquecimento global e pela justiça climática.
Como Está Contribuindo com a Luta Contra o Aquecimento Global e pela Justiça Climática?
Almir Suruí respondeu que o seu povo Paiter Suruí começou em 2005:
“A fazer reflorestamento da área desmatada. A gente já plantou mais de um milhão de mudas e a gente já começou a produzir produtos sustentáveis, agrofloresta, como café, castanha e cacau e também estamos trabalhando com turismo… entendemos que turismo pode ajudar [na] educação, economia, meio ambiente, também [na] cultura, tecnologia, gestão.”
Jam Sankofa destacou, em sua resposta, a importância do recorte racial no tema da justiça climática:
“Nós, das comunidades periféricas, quilombolas, das comunidades que estão socioeconomicamente mais vulneráveis, é que somos as mais afetadas pelas mudanças climáticas… mudanças que não somos nós que produzimos… Qual é a perspectiva de desenvolvimento dos povos originários? Qual é a perspectiva de desenvolvimento do povo preto? Então, a gente mira nesse horizonte, pra poder entender que o nosso futuro não comunga com ideias predatórias. É para isso [que] a gente fomenta a mobilidade ativa, a bicicleta… entendendo que a educação é ferramenta de manutenção da nossa cultura… que também é afrocentrada.”
David Amen, integrante do Instituto Raízes em Movimento, do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, trouxe a sua vivência no território para somar ao debate. Relembrou as fortes chuvas que atingiram o Alemão em 2003, um desastre socioambiental que impactou a vida de seus vizinhos. Disse que atualmente buscam soluções na mobilização e organização local provocando debates:
“A gente trabalha muito com pesquisa e a gente tem uma parceria muito forte aqui com as organizações sociais do Complexo do Alemão. Nesse caso especificamente, ONGs que trabalham com recuperação, com educação ambiental, com meio ambiente no contexto geral. Então, a gente tem estreitado algumas relações para alguns diálogos para poder pensar em soluções plausíveis para o ambiente, para a justiça climática… [inclusive] um Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão e nele tem várias propostas sociais, soluções para os problemas, inclusive na área do meio ambiente.”
O Que É Moradia Sustentável para Você?
Ao lançar a pergunta ‘o que é moradia sustentável para você?’ Lia Esperança enfatizou que conviver em respeito com a natureza é essencial.
“Nós fazemos de tudo para ter onde morar, mas também não prejudicar o nosso meio ambiente, porque a gente tem que ter a nossa moradia e ter também uma forma de conviver com a natureza sem trazer danos pra ela. E é isso que nós fazemos aqui. Hoje, nós já temos horta, temos também a nossa cozinha. Tudo que a gente faz aqui de construção a gente não tira a árvore, a gente constrói junto com as árvores.” — Maria de Lourdes Andrade de Souza, “Lia Esperança”
Tata Luandenkossi trouxe a experiência do Complexo Cultural do Terreiro Matamba Tombenci Neto, um quilombo urbano com diversas famílias morando. Através de muito diálogo e organização coletiva, conseguiram realizar melhorias nas moradias do quilombo.
“A cada ano a gente fazia um encontro para avaliar o que a gente avançou e o que a gente precisava avançar. Assim, a gente conseguiu resolver problemas do esgoto a céu aberto, a questão da água encanada; conseguimos resolver também o problema da estrutura física das moradias. Construímos uma praça dentro do nosso espaço, a partir dessa escuta… Hoje, temos um espaço de memória dentro da nossa comunidade, que é um Memorial Unzó Tombenci Neto.” — Tata Luandenkossi
Anna Paula Sales, de Itaguaí, município na região metropolitana do Rio, da Associação de Mulheres de Itaguaí Guerreiras e Articuladoras Sociais (A.M.I.G.A.S.), e fundadora da Cozinha Afetiva Comunitária Sustentável, trouxe uma memória alegre da sua juventude na Baía de Sepetiba, onde a chuva era sinônimo de alegria: “quando chovia era muito legal, todo mundo saía pra pegar chuva na beira da praia. Era algo bem pitoresco, agradável, era uma confraternização brincar na chuva”. Mas atualmente o cenário mudou radicalmente. Frente às chuvas intensas, à vulnerabilidade das moradias no território e à falta de investimento público:
“Passados 40 anos, a chuva que tanto nos trazia alegria, hoje, é sinônimo de pesadelo, de terror. Como não ficar preocupado com meia hora de chuva em qualquer comunidade do estado do Rio de Janeiro ou do Brasil?”
Zoraide Gomes, conhecida como Cris dos Prazeres, do Morro dos Prazeres, favela no bairro de Santa Teresa, também trouxe uma lembrança de medo quando falou das chuvas e moradias. Ela relembrou a tragédia que ocorreu no morro em 2010, quando 35 pessoas morreram e muitas outras ficaram desabrigadas depois que uma encosta desabou após fortes chuvas. Após esse evento, o morro começou a se mobilizar e buscar soluções frente à ausência do poder público para o manejo dos resíduos sólidos, parcialmente responsáveis pelo colapso.
“O Prazeres começou a pensar em como destinar de uma forma correta [seus resíduos sólidos], em como cuidar dessa encosta que antes era um lixão. Ela passou por um processo de mutirão [de limpeza] e plantio de mudas.” — Cris dos Prazeres
Na roda de debate com o tema da soberania alimentar, Matheus Botelho, jovem mobilizador da RFS, morador da favela Coreia, na cidade de Mesquita, na Baixada Fluminense, introduziu o tema falando sobre alimentos ultraprocessados e “o direito de todos ao acesso a alimentos saudáveis de forma regular e sustentável, pautado pela diversidade cultural e alimentar de seu próprio povo e região”. Em seguida trouxe a terceira pergunta da roda de debates.
Quais São as Estratégias e Ações para o Combate à Fome no Seu Território?
Francisco Xavier Sobrinho, o Ticote, trouxe sua vivência caiçara, afetada pelos alimentos ultraprocessados.
“Eu venho de uma trajetória onde a nossa alimentação era muito baseada no que a gente produzia. A gente pescava, colhia todos os alimentos da roça. Com essa questão da industrialização, a gente vai perdendo o hábito de se alimentar bem… mas, dentro da agroecologia, incentivando as pessoas a plantar e a colher o seu próprio alimento, sem veneno… para a gente ter uma população saudável, a gente não precisa comprar esses industrializados.” — Francisco Xavier Sobrinho, “Ticote”
Maria Luiza Nunes destacou que, especialmente, para comunidades que baseiam a sua alimentação no seu modo de vida, as mudanças climáticas trazem uma alta vulnerabilidade alimentar. Ela apontou para o perigo da aprovação do Marco Temporal e as altas taxas de contaminação dos rios e dos peixes. Sua esperança é a retomada do bem viver e do modo de vida Ubuntu.
Ainda sobre saúde, Maria Luiza disse que os serviços médicos são precários localmente. No entanto, além da medicina tradicional, eles também buscam a medicina das florestas. As mudanças climáticas preocupam devido a seus impactos ambientais e ao risco que impõem à conservação dos saberes tradicionais herdados dos ancestrais.
“É o caldo de turu, as garrafadas, o melador, sabe? Aqueles remédios, aqueles medicamentos que eram feitos com os produtos da terra e aqui a gente tem sim essa bença das mais velhas… os quintais daqui são verdadeiras farmácias vivas!” — Maria Luiza Nunes
Como Trazer a Juventude Para as Pautas do Clima e Meio Ambiente?
Ao ser apresentada uma última pergunta, sobre como engajar jovens nas pautas do clima, Ben Hur afirmou que a educação crítica, ambiental e a arte são instrumentos na conscientização dos jovens. Segundo ele, essas são estratégias eficientes para mobilizar jovens pelo clima, que dão certo.
“A gente acabou utilizando o teatro e a música para conscientizar o pessoal sobre jogar lixo dentro do valetão… Era prejudicial para nós mesmos… garrafa PET, por exemplo, que hoje é instrumento musical pra nós, por muito tempo foi um dos grandes causadores das enchentes no loteamento Getúlio Vargas. Então, a gente acabou utilizando o teatro e a música para que a gente pudesse dialogar com esse jovem.” — Ben Hur Flores
Lia Esperança somou ao debate trazendo os ensinamentos locais realizados na Vila Nova Esperança: “Nós temos a nossa cozinha, que nós chamamos de cozinha experimental, porque a gente cozinha as Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), que muita gente não conhece, que é comida e muita gente não sabe”.
Sessão 3: Roda Cultural
Gisele Moura, cientista ambiental e coordenadora da equipe de gestão da Rede Favela Sustentável, conduziu o último momento do intercâmbio, uma roda cultural baseada em afeto e trocas culturais. Aqui, ficou ainda mais evidente a diversidade de lugares, pessoas e vivências representadas neste intercâmbio da RFS. Gisele trouxe as perguntas para incitar as trocas: “O que faz unir a sua comunidade? Como que a gente mantém as nossas redes e propósitos? Como que a gente pode caminhar juntos? O que é romântico, o que é possível?”
Ben Hur fez uma “homenagem a uma menina aqui de Pelotas, do loteamento Getúlio Vargas, uma rapper chamada Daiane Alves, conhecida como Preta G, uma menina que foi no Complexo do Alemão na nossa primeira viagem em 2008. Ela faleceu e hoje é o nome da rua que passa na frente da sede da instituição. Primeira rapper [nomeando uma rua], numa cidade extremamente conservadora”.
Tata Luandenkossi trouxe uma homenagem no formato de música, que escreveu quando visitou o Centro de Cultura Tainã, em Campinas (SP), local voltado para a valorização cultural. Segundo ele, o que mais o tocou foi um ritual com uma semente de Baobá.
“A gente chegava lá e ele dava a semente do Baobá, a gente colocava na boca, sentia o gosto do baobá, e depois a gente levava essa semente pra nossa comunidade pra plantar. E assim eu fiz:
‘Na casa de cultura Tainã, tem um axé que emociona todos nós
Na casa de cultura Tainã, tem uma força que vem do baobá
Na casa de cultura Tainã, tem uma força que vem do baobá
Ôba ôba ô baobá, Ôba ôba ô baobá, Ôba ôba ô baobá, Ôba ôba ô baobá’.” — Tata Luandenkossi
Assista o 1º Intercâmbio Nacional da RFS:
*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são articulados pela Comunidades Catalisadoras (ComCat)