Há menos de uma semana depois de terem sido nomeadas Campeãs da Copa do Mundo de 2014 de Criança de Rua no Rio de Janeiro, a equipe de meninas do Brasil voltaram a praticar. As meninas têm entre 12 e 18 anos e vêm do Complexo da Penha e Vila Cruzeiro na Zona Norte do Rio de Janeiro. Elas todas fazem parte da organização Favela Street que, através do futebol, motiva e incentiva meninas que precisam de estrutura, um ambiente seguro, e apreciação, para terem e alcançarem seus objetivos de vida. Depois de participarem da Copa da Rua durante 10 dias, as meninas voltaram com energia, novas amizades do mundo inteiro, e confiança para dizer com orgulho: “Eu sou alguém“.
A Copa do Mundo de Criança de Rua aconteceu no Rio de Janeiro entre 28 março e 7 abril e reuniu mais de 230 meninos e meninas de 19 países diferentes em um torneio de futebol, festival de artes e conferência participativa sobre os direitos das crianças. O evento trouxe atenção internacional para a questão global da falta de moradia na juventude e da pobreza. A equipe de cada um dos países não foi selecionada exclusivamente pela habilidade no campo, mas os jogadores ou “Campeões das Ruas” foram selecionados porque são exemplos inspiradores de transformação dentro das organizações locais de cada país representadas, que trabalham para combater a falta de moradia e o trabalho infantil nas ruas. O termo “criança de rua” em uma definição mais ampla refere-se a crianças que estão conectadas às ruas, seja por que vivem ou trabalham nas ruas, em seus respectivos países. Equipes de meninas e meninos representaram o Brasil no torneio: o time de meninas da Favela Street da Penha do Rio de Janeiro, e o time de meninos da ONG Pequeno Nazareno de Fortaleza.
Embora os jogadores chegaram ao Rio prontos para competir para se tornarem os Campeões da Copa de 2014, o torneio serviu para aumentar ainda mais a esperança e coragem que o futebol fornece para esses “Campeões das Ruas”. Para ganhar reconhecimento internacional para a promoção dos direitos das crianças o torneio focou na plataforma de que “nenhuma criança deveria ter que viver na rua”. Um grande número de crianças envolvidas no torneio têm histórias traumáticas de violência e abuso relacionados ao trafico de drogas e violência policial. O torneio incentivou cada um dos jogadores a perceber que eles são valorizados, que eles têm um futuro, e que eles são alguém. O site da Copa da Rua afirma que “estes grupos de jovens são exemplos inspiradores, pois cada criança ligada à rua terá um futuro longe das ruas na medida em que recebe proteção adequada, reabilitação, e oportunidades”.
Para as equipes brasileiras, a campanha para promover os direitos das crianças de rua e para protegê-las da violência de rua assumiu um significado ainda maior após a trágica morte do capitão da equipe dos meninos brasileiros, Rodrigo Kelton, em fevereiro. Rodrigo foi baleado e morto no dia do seu aniversário de 14 anos por traficantes de drogas, por vingança, em um suposto roubo na favela onde sua família vive em Fortaleza. Ambas as equipes de meninas e meninos brasileiros lembraram Rodrigo durante toda a semana vestindo braçadeiras pretas durante as partidas. A equipe dos meninos carregou uma pintura de seu companheiro de equipe. Várias outras equipes de outros países também jogaram para honrar Rodrigo e todas as crianças de rua vítimas de violência.
Para se preparar para a Copa do Mundo de Criança de Rua, a equipe das meninas brasileiras, da Penha, treinava quatro vezes por semana. Jéssica, uma treinadora da Favela Street que cresceu na Penha disse: “O Futebol faz uma diferença nas nossas vidas. Distrai-nos e ajuda muito na nossa saúde. Na verdade, antes não tinha um evento assim para as meninas”. Embora o Brasil seja conhecido por sua paixão pelo futebol, as mulheres tradicionalmente não podiam participar. Antes e durante a ditadura militar, de 1941-1979, uma lei foi imposta proibindo meninas e mulheres de jogar futebol porque o esporte era considerado “incompatível com a forma feminina”. Mesmo depois da quarta formação de uma liga de mulheres, em setembro passado, não houve apoio para as equipes femininas. O Favela Street ajudou a trazer o futebol feminino para o centro do palco.
Foi difícil a comunicação no torneio entre os jogadores, pois a maioria só falava sua língua nativa. As meninas brasileiras disseram que o português lhes permitiu falar com algumas outras equipes, incluindo a equipe de Moçambique, e que o Português é semelhante o suficiente com o espanhol para se comunicarem com outras equipes latino-americanas, que participaram como as de El Salvador, Nicarágua e Argentina. Independente da barreira da língua, os jogadores fizeram uma forte amizade. A capitã da equipa das meninas brasileiras, Claudiane, 18, disse: “Foi difícil se comunicar com todos os times, mas ainda todos têm uma grande amizade. Todos se conectaram pelo Face e se falaram todos os dias”. Para as meninas brasileiras um dos laços mais fortes foi com a equipe das meninas das Filipinas que jogaram contra no jogo final. A treinadora Jéssica explicou: “A mais difícil parte da semana foi o jogo entre o Brasil e Filipinas na final. Não por causa do jogo, mas por causa da amizade que temos com elas. Elas eram as melhores amigas; era difícil jogar contra elas. Foi um bom jogo, ainda assim, os dois lados jogaram muito bem. Essa amizade mostrou o significado do evento”.
Depois de uma experiência tão emocionante, foi difícil para as meninas retornarem à sua vida cotidiana. Claudiane disse: “[A próxima] semana foi bem chata. Preciso estudar e trabalhar de novo. Só quero voltar. Adorei a Copa da Rua e já tenho saudades disso e dos meus amigos”. Para Claudiane, “A parte mais difícil foi o dia ir embora. Foi bem emocional. A gente cantou a música do Zimbabwe e África do Sul ‘Shosholoza’ de novo. No ultimo dia, a gente aprendeu a tradução que significava: você está indo embora, através destas montanhas, trem da África do Sul. Era uma música de apoio e encorajamento em tempos difíceis. Foi tão relevante e triste quando a gente sabia o significado e era a hora de ir embora”. Uma mensagem significativa para todas as equipes enquanto se dirigiam para casa era seguir em frente, para lembrar que eles têm apoio em tempos difíceis, e lembrar que eles são alguém.