No dia 27 de abril, um domingo, o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, em parceria com a Associação Nacional de Futebol Feminino, organizou o primeiro de quatro jogos de futebol que constituem a Copa Popular deste ano. Quatro equipes femininas e quatro equipes masculinas participaram representando grupos impactados negativamente pela vinda dos megaeventos ao Rio de Janeiro. As partidas aconteceram em um campo na parte superior do Santa Marta, a favela que recebeu a primeira UPP em 2008 e que em 1995 apareceu no vídeo de Michael Jackson ‘They Don’t Care About Us‘ [Eles Não Se Importam Conosco, sobre violência policial]. Como na primeira edição, em 2013, os representantes das favelas de diferentes partes da cidade montaram as equipes.
Assim como na Copa Popular Contra as Remoções do ano passado, a Copa Popular deste ano tem como objetivo aumentar a conscientização sobre as formas pelas quais as pessoas do Rio de Janeiro estão sendo impactadas pelos preparativos do megaevento, particularmente pelas remoções. De acordo com o Comitê Popular, mais de 100.000 pessoas foram forçadas a deixar suas casas desde 2009. Outros impactos estão sendo destacados este ano com a participação da Frente Nacional dos Torcedores, que faz campanha contra o aumento da exclusividade do futebol brasileiro, e o Movimento Unido dos Camelôs, representando aqueles impedidos de trabalhar por limites impostos pela FIFA sobre as vendas durante a Copa do Mundo.
Apesar da leve chuva e problemas técnicos com o funicular do Santa Marta, muitos espectadores, jornalistas locais e internacionais estiveram presentes na partida inaugural entre as meninas de Santa Cruz da Zona Oeste e Criciúma da Zona Norte. No campo, as jogadoras se animaram enquanto o jogo progredia e as meninas de Chatuba, na Baixada Fluminense, se aqueciam cantando e dançando. Crianças brincavam no gramado entre as partidas; outros subiam nas lajes para apreciar a vista do Rio de Janeiro. A atmosfera era contagiante; um DJ tocou músicas famosas do funk e as equipes femininas dançaram. Mais tarde, os moradores de Santa Marta tocaram samba.
A música era interrompida por comunicados lembrando das causas que levaram todos a participar do evento. Este dia de “esporte verdadeiramente popular” destacou que o direito à moradia e ao trabalho é mais importante do que o direito à especulação. O evento deste ano foi organizado em quatro etapas, cada vez em uma comunidade diferente, para destacar que o impacto negativo da Copa do Mundo está sendo sentido por toda a cidade.
Bruna Maria, 18, e Maiara, 21, representando Chatuba, disseram que gostam de viver lá e não deixariam sua comunidade por nada. Elas estavam no evento porque as pessoas estão enfrentando ameaças de remoção, não só em favelas centrais como Santa Marta, mas em locais mais distantes também, como Chatuba. Elas citaram segurança e educação como os principais desafios da sua comunidade, mas a saúde como o mais importante, já que os moradores precisam ir para outras partes da cidade para serviços médicos.
Stefano Novais, 22 anos, estudante de química e um dos jogadores da Frente Nacional dos Torcedores, disse que futebol “não é apenas o que acontece em campo, mas os impactos fora do campo”. Ele disse que a Copa Popular é importante por causa da discussão dos direitos sociais durante o evento. Na verdade ele alegou que na televisão a Copa do Mundo é apresentada como tendo apenas impactos positivos e turísticos, enquanto que, na realidade, as pessoas estão sofrendo e sendo removidas por causa da infraestrutura da Copa do Mundo. A Frente Nacional dos Torcedores está presente em vários eventos que protestam a Copa do Mundo; sua agenda principal é garantir o acesso da população ao futebol brasileiro.
João Pedro e Yuri, ambos de 19 anos e companheiros de equipe de Stefano, participaram do evento por causa da privatização do Maracanã e do acesso à Copa do Mundo que está sendo fechado para todos, menos para os privilegiados. Quando perguntados sobre seu jogador de futebol favorito, eles responderam Romário, que embarcou em uma carreira política denunciando a FIFA. Eles temem a “modernização” dos estádios e, assim, a alienação dos fãs de futebol. Eles afirmam que os verdadeiros fãs não querem shoppings em estádios, mas sim conservar a tradicional cultura do futebol brasileiro.
Porém há uma mudança que eles aprovaram: a participação de meninas no futebol brasileiro, apesar dos preconceitos remanescentes. Ingrid de 17 anos, de Criciúma, uma favela da Tijuca, estava confiante sobre as chances de vitória de sua equipe; elas foram convidadas para mais eventos, porque ganharam a Copa Popular no ano passado. Bruna Maria e Maiara de Chatuba jogam desde que eram jovens e afirmaram que o evento é ótimo para a visibilidade do futebol feminino.
Marcio, 42 anos, jogando no time dos vendedores de rua, disse que a Copa do Mundo poderia ser uma oportunidade para a atual situação dos camelôs que estão proibidos de vender perto dos estádios durante a Copa a fim de dar prioridade aos interesses dos patrocinadores do evento. Jean Vitor, 18, que vende cintos, apreciou o evento de domingo e a sua primeira vez no Santa Marta. Ele só espera que os vendedores ambulantes não sejam retirados das ruas.
Stefano, da Frente Nacional dos Torcedores, é a favor de uma Copa do Mundo “Popular” que poderia explorar a paixão dos brasileiros pelo futebol de uma forma justa, respeitando os direitos humanos. Os vencedores do evento de domingo foram Criciúma entre as equipes femininas e a Frente Nacional dos Torcedores entre as equipes masculinas. Na parte de trás das camisas do time masculino estava escrito “um outro futebol é possível”. Vitor Lira, um guia e ativista do Santa Marta e um dos organizadores do evento, declarou no fim do evento de domingo que o futebol é realmente “integração, e não segregação”.