Conselho Popular do Rio de Janeiro Reivindica Demandas de Interesse Social para o Primeiro Plano de Habitação da Cidade

Luta Pela Superação das Desigualdades Socioespaciais e Direito Pleno à Moradia

Primeira Audiência Pública do PMHIS, em abril de 2025. Foto: Felipe Litsek
Primeira Audiência Pública do PMHIS, em abril de 2025. Foto: Felipe Litsek

Pela primeira vez em sua história, o Rio de Janeiro está elaborando o seu Plano Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS). Em novembro, na reta final de construção do PMHIS, o Conselho Popular lançou uma campanha pública por um plano que contemple as principais reivindicações populares e, assim, enfrente as desigualdades socioespaciais da cidade.

Apesar dos problemas crônicos de moradia que assolam a cidade—cujo déficit habitacional já ultrapassa 200.000 unidades, segundo diagnóstico da Prefeitura—o Rio de Janeiro nunca teve um plano de habitação, o que demonstra a fragilidade do poder público em responder a essa demanda. Tal carência foi, por muito tempo, objeto de denúncia por movimentos sociais urbanos, que vinham pressionando a Prefeitura por uma política habitacional efetiva, para além de programas temporários como o aluguel social ou investimentos do governo federal como o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). 

Em março de 2025, a Secretaria Municipal de Habitação (SMH) anunciou a construção de um plano local de habitação de interesse social. O anúncio segue uma diretriz da Lei nº 11.124/2005, que institui o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e determina que os municípios devem criar seus planos locais para acessar os recursos do fundo.

No Rio de Janeiro, a legislação federal foi regulamentada apenas em 2019, momento em que o município se comprometeu a elaborar seu plano por meio de um processo inclusivo, com participação ativa da sociedade civil. O plano vai guiar a política habitacional na cidade pelos próximos oito anos.

Ao longo de 2025, o processo de elaboração do PMHIS foi avançando. A secretaria responsável realizou consultas públicas, seminários temáticos, audiências, reuniões internas do conselho gestor, entre outras iniciativas que visavam possibilitar a incidência de atores da sociedade civil, em especial movimentos populares, entidades de pesquisa e organizações sociais. Apesar das esferas criadas, percebeu-se, ao longo do processo, uma baixa adesão da sociedade, bem como uma incerteza sobre como as pautas populares estavam sendo incorporadas, ou não, ao plano. Estes pontos foram objetos de crítica de agentes envolvidos no processo, culminando, no mês de novembro, no lançamento da campanha pública do Conselho Popular.

Criado no ciclo dos megaeventos do Rio de Janeiro—em que mais de 20.000 famílias foram removidas de suas casas—o Conselho Popular nasceu com uma pauta compartilhada de combate às remoções e à defesa do direito à moradia na cidade. Ele é composto por diversas lideranças de favelas e periferias do Rio de Janeiro, bem como por aliados técnicos e vem atuando, desde então, na defesa da permanência de moradores em seus territórios.

As reivindicações do Conselho Popular foram formuladas a partir das plenárias que ocorrem todo mês na Mitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro (no bairro da Glória, na Zona Sul), sede da Pastoral de Favelas. O aumento do orçamento para a moradia para pelo menos 1% das receitas totais do município, considerado um valor mínimo para se estabelecer uma política de moradia, bem como a criação de um programa municipal de produção de habitação de interesse social, para que o município não dependa somente de programas federais como o PMCMV, são algumas das demandas populares reivindicadas pelo Conselho Popular para inclusão no PMHIS.

Segunda audiência pública do PMHIS, em julho de 2025. Foto: Felipe Litsek
Segunda audiência pública do PMHIS, em julho de 2025. Foto: Felipe Litsek

O Conselho também defende a criação de programas de reforma habitacional, autogestão da moradia, uso de imóveis públicos subutilizados para moradia popular, mapeamento das Áreas de Especial Interesse Social (AEIS) da cidade e uma efetiva regularização fundiária e urbanística de favelas e comunidades urbanas. O conjunto das propostas revela um olhar amplo sobre a questão habitacional, que deve ser abordada a partir de uma ampla gama de medidas.

Outra reivindicação defende a implementação do Termo Territorial Coletivo (TTC) no Rio de Janeiro: um instrumento urbanístico previsto no Plano Diretor da cidade que visa garantir o direito à permanência de comunidades nos seus bairros—freando processos de especulação imobiliária e gentrificação—e um estoque habitacional acessível na cidade. O TTC foi objeto de debate no âmbito das audiências públicas e seminários temáticos do PMHIS, sendo defendido por diversos atores envolvidos no processo de elaboração do documento e mencionado no diagnóstico da Prefeitura

Nesta última etapa de formulação do primeiro plano de habitação da cidade do Rio de Janeiro, é fundamental garantir uma efetiva participação popular. A campanha promovida pelo Conselho Popular é um movimento democrático que defende o direito do povo de ter sua opinião ouvida e respeitada nas decisões que afetam o local onde vive. É uma defesa do próprio direito à cidade. É preciso romper com uma lógica de formulação de políticas apartada, em que a sociedade aparece apenas como elemento de consulta, e não de deliberação e definições. Para solucionar a questão habitacional no Rio de Janeiro, é necessário considerar as demandas daqueles que vivenciam e lutam, dia após dia, pela efetivação do direito à moradia digna. 

Confira abaixo as nove reivindicações do Conselho Popular para o primeiro Plano de Habitação de Interesse Social do Rio de Janeiro:

  1. É Essencial Aumentar o Investimento Municipal em Habitação para 1% do Orçamento

Diante de um déficit habitacional grave, que atinge cerca de 200.000 unidades (aproximadamente 8% dos domicílios), o município precisa priorizar a moradia. Embora o orçamento total de 2026 seja de R$52,4 bilhões, o planejamento atual prevê apenas 0,73% (R$382,9 milhões) para habitação. Acreditamos que o mínimo necessário para viabilizar uma política habitacional eficaz é a aplicação de 1% do orçamento (R$524 milhões).

Esta reivindicação é amplamente endossada, tendo sido aprovada por consenso por todos os setores (populares, empresariais, sindicatos, entidades profissionais e governo municipal) durante a Conferência Municipal das Cidades do Rio de Janeiro. A aplicação de 1% do orçamento municipal, sem contar recursos externos (estaduais, federais e internacionais), é o ponto de partida fundamental para começar a enfrentar este desafio crucial.

  1. Programa Municipal de Construção de Habitação de Interesse Social: A Urgência da Produção

O maior desafio da política habitacional é atender à demanda por moradia acessível para populações de baixa renda, uma área onde a produção municipal tem sido, historicamente, praticamente, nula. Para cumprir sua responsabilidade constitucional—a moradia é uma competência comum da União, Estados e Municípios (Constituição Federal/88, Art. 23, Inciso IX)—o município deve assumir imediatamente a liderança na produção habitacional. Propomos que 40% dos recursos do Programa Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS), o equivalente a R$209,6 milhões, sejam destinados à construção de novas moradias. Esta alocação visa atingir uma meta de construir, no mínimo, 1.000 unidades habitacionais municipais por ano, o que seria um complemento essencial aos programas já existentes, como o Minha Casa Minha Vida.

  1. Programa Municipal de Assistência Técnica de Interesse Social (ATHIS): Garantindo o Amparo Técnico

Para fortalecer a política de moradia e amparar as comunidades, é fundamental a criação de um Programa Municipal de Assistência Técnica de Interesse Social (ATHIS). Este programa deve ser imediatamente ancorado na Lei Municipal nº 6.614 de 2019, que já estabelece o direito à assistência técnica. Propomos a destinação de pelo menos 1% dos recursos do PMHIS (R$5,24 milhões) para este fim. Este montante será utilizado na contratação de equipes técnicas qualificadas para desenvolver projetos executivos completos. O objetivo é ambicioso e necessário: atender à meta de produzir pelo menos 15 projetos populares por ano, garantindo apoio técnico de qualidade para a população de baixa renda.

  1. Programa de Consolidação de Ocupações: Ações Imediatas e Pactuadas

O Programa de Consolidação de Ocupações deve ser estabelecido com urgência, tendo em vista o reconhecimento oficial dessas áreas pelo próprio diagnóstico da Prefeitura. Propomos a destinação de 6% dos recursos do PMHIS para essa finalidade crucial. O objetivo é claro: reformar no mínimo seis ocupações no período de dois anos. Para garantir a transparência e a legitimidade do processo, os critérios para a escolha das ocupações serão pactuados e definidos por meio de uma comissão paritária criada especificamente para este fim.

  1. Programa de Autogestão da Moradia: Empoderamento e Produção

O Programa de Autogestão da Moradia visa empoderar famílias de baixa renda, permitindo que elas assumam o controle do processo de construção habitacional. Autogestão é um modelo onde as famílias, organizadas em associações ou cooperativas, assumem o controle da construção de suas moradias, gerenciando o projeto, os recursos e a execução da obra. Este programa será financiado pelos recursos associados aos demais programas de fomento à moradia ou reforma. A meta central do Programa de Autogestão é a realização de 200 unidades habitacionais por ano.

  1. Reversão de Imóveis Abandonados para Habitação de Interesse Social

Imóveis públicos abandonados devem ser imediatamente revertidos para Habitação de Interesse Social, por meio de programas de produção ou reforma. O primeiro passo é a demarcação desses imóveis como Áreas de Especial Interesse Social de Vazios (AEIS 2).

Metas do PMHIS:

  • Demarcação: Mapear e demarcar todos os imóveis municipais subutilizados como AEIS 2 até o final do primeiro ano de vigência do PMHIS.
  • Produção: Reverter e construir, nessas áreas, 100 unidades habitacionais por ano.
  • Mapeamento Amplo: Mapear e indicar os imóveis abandonados de propriedade privada ou de outros entes federativos até o final do segundo ano de vigência do PMHIS.
  1. Mapeamento Integral das Áreas de Especial Interesse Social (AEIS)

É imprescindível a definição e o mapeamento integral de todas as modalidades de AEIS no município (AEIS 1, AEIS 2 e AEIS 3).

Meta: Concluir o mapeamento de todas as AEIS até o final do primeiro ano de vigência do PMHIS.

O processo deve incorporar a avaliação de todas as propostas de AEIS apresentadas durante a elaboração do PMHIS.

  1. Regularização Fundiária Plena e Urbanização

Garantir que a urbanização seja realizada, respeitando o princípio da não remoção consolidado na Lei Orgânica do Município, bem como no Plano Diretor do município, consolidando o direito à moradia através da regularização fundiária plena. 

  1. Estimular a Utilização do Termo Territorial Coletivo (TTC) no Município

O Termo Territorial Coletivo (TTC) é um instrumento previsto no Plano Diretor, que visa garantir segurança da posse às comunidades e preservar um estoque habitacional acessível. O município deve estimular a utilização do TTC na cidade, facilitando sua adoção em processo de regularização fundiária e em novos empreendimentos habitacionais, adotando a meta de implementação de um TTC a cada dois anos da vigência do PMHIS.


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