Jovens no Centro das Decisões Sobre o Futuro do Planeta: Durante a COP30, Cúpula das Infâncias Destaca ‘É A Criança A Que Mais Sente!’

Crianças no Centro da Luta por Justiça Climática

Crianças e jovens do Chalé da Paz, em Terra Firme, Belém, participaram da Cúpula das Infâncias na Cúpula dos Povos, evento paralelo à COP 30, organizado pela sociedade civil. Foto: Bárbara Dias
Crianças e adolescentes da baixada de Terra Firme, em Belém, se juntaram a outros 600 jovens na Cúpula das Infâncias da Cúpula dos Povos, evento paralelo à COP 30, organizado pela sociedade civil. Foto: Bárbara Dias

As crianças e os adolescentes estão cada vez mais presentes nas Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COPs), seja no evento oficial, onde estão os governos e as negociações sobre o clima, seja nos espaços paralelos organizados pela sociedade civil, como a Cúpula dos Povos. E não estão lá como meros espectadores: crianças e jovens pensam e propõem caminhos para o enfrentamento das mudanças climáticas

A Cúpula das Infâncias, realizada em parceria com a Cúpula dos Povos, reuniu cerca de 600 crianças e adolescentes. No dia 16 de novembro, dia de encerramento da Cúpula dos Povos na Universidade Federal do Pará (UFPA), crianças protagonizaram discussões públicas sobre as questões que enfrentam relacionadas às mudanças climáticas, à justiça socioambiental e ao bem-viver, a partir de suas perspectivas e de suas comunidades. 

No dia seguinte, 17 de novembro, o evento oficial da COP30, organizado pelo governo brasileiro e pela Organização das Nações Unidas (ONU), também teve sua programação dedicada a ouvir as infâncias e as juventudes globais. Realizado na Zona Azul, onde ocorreram debates de alto nível entre representantes de Estado, crianças e jovens puderam incidir politicamente nas negociações sobre o clima com suas próprias ideias e propostas.  

Os Mais Afetados pela Crise Climática Devem Ser Vistos como Sujeitos de Direitos

O relatório A Primeira Infância no Centro do Enfrentamento da Crise Climática evidencia que as crianças são o grupo mais afetado pela crise climática. Segundo o documento, todas as que nasceram de 2020 em diante enfrentarão 6,8 vezes mais ondas de calor do que as nascidas em 1960. No Brasil, 40 milhões de crianças e adolescentes já enfrentam ao menos um tipo de risco climático, e 1,1 milhão convivem com escassez de água.

Criança do Povo Mura, segura um cartaz onde se lê “Meu futuro depende de vocês! Demarcação já!” durante a Barqueata de abertura da Cúpula dos Povos. Foto: Bárbara Dias
Criança do Povo Mura segura um cartaz onde se lê “Meu futuro depende de vocês! Demarcação já!” durante a Barqueata de abertura da Cúpula dos Povos. Foto: Bárbara Dias

As infâncias, de modo geral, não são historicamente vistas como um grupo social com um lugar próprio, mas sim como um período a ser vivido até se chegar à fase adulta, na qual ela alcançará sua plena cidadania. Dessa forma, as crianças acabam sendo tratadas como espectadoras de processos que ocorrem no mundo, o que as coloca em um lugar de não decisão, ou seja, de não serem entendidas como sujeitos de direitos, capazes de decidir sobre os fatores que afetam suas próprias vidas.

Jens Qvortrup, em seu artigo A Infância Enquanto Categoria Estrutural, afirma que a reivindicação por voz surgiu como resposta ao fato de que, tradicionalmente, as crianças eram vistas sob uma perspectiva “preparatória” para a fase adulta. O autor destaca que “uma criança não é um adulto integrado na sociedade; o que não parece, contudo, é que isso seja condição necessária para ser completo enquanto indivíduo”. Ou seja, apesar de não ser um adulto, a criança é um indivíduo, um sujeito de direito, que pode e deve participar politicamente das discussões da sociedade.

Em muitas favelas e periferias, crianças e jovens vivem em ambientes desfavorecidos em termos de natureza, com pouca arborização e poucos espaços verdes, além de altas temperaturas e riscos associados a eventos climáticos extremos, como enchentes e deslizamentos. É justo que os que são afetados por essas questões possam também dizer como isso os afeta, e como esperam que estes impactos possam ser solucionados ou mitigados.

Infâncias em Terra Firme, Baixada de Belém do Pará

Cada criança e adolescente se relaciona com sua comunidade e tem percepções sobre as questões ambientais que o circundam. O RioOnWatch entrevistou duas crianças moradoras da Terra Firme, comunidade em Belém, que participaram da Cúpula das Infâncias, na Cúpula dos Povos.

Ao todo, 10 crianças e adolescentes atendidos pelo Chalé da Paz—um espaço de acolhimento, vivências, cultura e arte em Terra Firme—participaram da Cúpula das Infâncias. Para além de participarem de eventos culturais, painéis e outras atividades, elas estiveram juntas para serem ouvidas sobre as decisões que afetam seu futuro. O resultado foi a escrita da Carta das Infâncias na Cúpula dos Povos 2025, entregue aos ministros do governo brasileiro e à presidência da COP30.

Assista a Leitura da Carta das Infâncias no Encerramento da Cúpula dos Povos:

Carlos Davi Ferreira dos Santos, estudante de 12 anos, se sentiu feliz em chegar a pessoas tão importantes através da Cúpula das Infâncias. O depoimento do jovem evidencia como é importante, até mesmo para a construção da imagem de si enquanto sujeito político, que crianças e adolescentes ocupem espaços políticos e façam parte dos processos decisórios, sobretudo sobre temas que os afetem diretamente.

“Foi muito bom chegar para pessoas tão importantes, foi muita experiência e aprendizado na Cúpula. Eu escrevi que precisava melhorar as pontes, poder melhorar a locomoção dos carros, das motos. Também precisava fazer uma limpeza melhor do lixo. Eu sonho que o governo melhore as ruas, destrua menos, cuide mais dos lixos e que tenha menos queimadas.” — Carlos Davi Ferreira Santos

Crianças e Jovens do Chalé de Paz, em Belém do Pará participam de uma roda de conversa em intercâmbio com a Rede Favela Sustentável, durante a COP30, apesar das distância, as favelas do Rio de Janeiro e as Baixadas de Belém passam pelos mesmos problemas. Foto: Bárbara Dias
Crianças e jovens do Chalé de Paz participam de uma roda de conversa com nossa equipe do Rio de Janeiro durante a COP30. Apesar da distância, as favelas do Rio de Janeiro e as baixadas de Belém passam pelos mesmos desafios e exibem potências similares. Foto: Bárbara Dias

Carlos Davi e Maria Sofia Marciel Rodrigues entregaram a Carta das Infâncias no encerramento da Cúpula dos Povos ao embaixador André Correa do Lago, presidente da COP30; à Ana Toni, CEO da conferência; e às ministras, Marina Silva do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e Sônia Guajajara dos Povos Indígenas; e ao Ministro Guilherme Boulos, da Secretaria-Geral da Presidência.

Maria Sofia, estudante de 12 anos, em entrevista, afirma que a participação na Cúpula das Infâncias foi uma experiência de muito aprendizado.

“Foi muito bom, a gente aprendeu coisas bem interessantes para quem é criança, a gente brincou e aprendeu ao mesmo tempo um monte de coisa. É importante a gente participar desses momentos, porque tem muitos adultos que falam que criança não tem que participar desses negócios, um monte de coisa. E claro, [que criança tem que participar], pois é a criança a que mais sente. Eu sonho que tenham mais árvores, que o mundo seja mais limpo, principalmente os rios e para a gente parar de desmatar.” — Maria Sofia Marciel Rodrigues

Cúpula das Infâncias criancas e adolescentes enfrentam mudanças climáticas e ameaças aos territórios. Foto: Alex Ferro/COP30
Cúpula das Infâncias: crianças e adolescentes enfrentam mudanças climáticas e ameaças aos territórios. Foto: Alex Ferro/COP30

Francisco Batista, mais conhecido como Zeca da TF, fundador do Chalé da Paz e do Coletivo Terra Firme, liderança comunitária da Terra Firme, explica como foi o processo de participação dos jovens do Chalé.

“Nós tivemos de 12 a 16 (de novembro) na Cúpula das Infâncias, com uma galera do Chalé da Paz, que participou de vários momentos, principalmente de dois momentos super importantes, do processo da construção da Carta da Cúpula das Infâncias e da entrega dessa Carta para as autoridades. Tivemos a Sofia e o Davi que subiram ao palco, mas a galerinha estava toda lá também para acompanhar esse momento. Então, as crianças do Chalé contribuíram com a carta a partir dessa própria realidade. Nós estamos aqui na Terra Firme, um dos bairros menos arborizados de Belém, que passa por um processo de segregação sócio-espacial. É luta viver aqui. E essa geração que está aí, essa nova geração, está fazendo sua parte. E é muito importante. Isso é uma lição para os adultos que estão acomodados. As crianças mostrando o seu clamor e o seu grito para criar um mundo melhor, com justiça climática e sem racismo ambiental.” — Francisco Batista

Do Rio a Belém, Crianças Mandam Seu Recado na COP30

No Rio de Janeiro, em Barra de Guaratiba, Zona Oeste, crianças do Quintal das Pedrinhas Miudinhas estiveram bastante ativas antes da COP30. Elas realizaram a pré-COPzinha, uma atividade voltada a apresentar a importância da COP30, o encontro oficial dos líderes globais. A pré-COPzinha surgiu como um espaço para que crianças e jovens pudessem entender essas discussões, refletir sobre sua comunidade e participar da construção de soluções ambientais.

Iyá Katiuscia de Yemanjá, uma das lideranças do Terreiro Òbá Labi, casa de santo idealizadora do Quintal das Pedrinhas Miudinhas, esteve na COP30. Ela levou um vídeo em que crianças que participaram da pré-COPzinha deram seu recado durante a mesa mulheres negras e saberes tradicionais no enfrentamento da crise climática, ocorrida no dia 15 de novembro no Círculo dos Povos, Zona Verde da COP30.

“Eu apresentei o Quintal das Pedrinhas miudinhas, que é um projeto de educação ecológica tradicional por um futuro com justiça climática oriundo da comunidade tradicional negra Terreiro Òbá Labi, que fica na extrema Zona Oeste do Rio de Janeiro.” Iyá Katiuscia de Yemanjá

COP30 Teve Dia da Juventude

2025 é o primeiro ano em que as crianças e os jovens participaram com presença significativa e foram ouvidos em uma Conferência das Partes. As crianças foram citadas em diferentes eixos:

  • Transição justa: participação infantil, direito a um ambiente saudável e valorização da educação;
  • Adaptação: reconhecimento de crianças como agentes da adaptação climática, com foco em equidade e direitos humanos;
  • Tecnologia: atenção às necessidades específicas de crianças em tecnologias climáticas;
  • Agenda de ação: iniciativas ligadas à educação, à saúde, à alimentação escolar e à proteção contra o calor extremo.

No total, foram 19 menções diretas às crianças e aos jovens, um aumento que consolida a visão de que as decisões climáticas precisam ouvir quem representa 1/3 da população mundial, a maioria vivendo no Sul Global. Esse avanço foi possível graças a um mutirão global de jovens participando das chamadas MiniCOPs, uma metodologia que promoveu diálogos intergeracionais em 10 países, produziu cartas entregues a líderes mundiais e possibilitou a presença inédita de muitas crianças e adolescentes na COP. Com isso, a COP30 credenciou 170 crianças e reuniu mais de 40 delas para um diálogo com os adultos, um acontecimento até então inédito.

Crianças da Terra Firme, do Chalé da Paz (ao centro) participaram na Marcha da Periferia, no dia da Consciência Negra, junto a demais militâncias de vários setores sociais. A participação política das crianças é um território a ser conquistado, criando espaços de escuta e atuação. Foto: Bárbara Dias
Crianças da Terra Firme, do Chalé da Paz (ao centro) participaram na Marcha da Periferia, no dia da Consciência Negra, junto às demais militâncias de vários setores sociais. A participação política das crianças é um território a ser conquistado, criando espaços de escuta e atuação. Foto: Bárbara Dias

Imaginar Novos Mundos

Seja nos espaços oficiais da COP30, na Cúpula dos Povos ou em suas comunidades, às crianças e aos jovens  deve ser dada a possibilidade de se imaginar novos mundos, como nos convida Ailton Krenak em seu livro A vida não é útil.

Para Carla Souza, mestranda em educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPed), pesquisadora da relação de crianças em situação de vulnerabilidade com a natureza e fundadora do Projeto Ẹbí, é preciso deixar que as crianças exercitem sua imaginação.

“É preciso imaginar mundos a partir dos mundos que já são oferecidos às crianças. De que lugar olhamos para essas infâncias? Como reconhecemos suas interações com os espaços que habitam? De onde partem os desejos e expectativas que projetamos para o futuro?”  Carla Souza

Leia, na Íntegra, a Carta das Infâncias Produzida por 600 Crianças na Cúpula dos Povos 2025:

Bem Viver e Justiça Climática:
só com a Participação de Crianças e Adolescentes!
Belém – Pará – Brasil

Somos crianças e adolescentes de muitos lugares do Pará, da Amazônia e de outras
partes do Brasil e do mundo. Viemos de lugares quentes, bairros apertados, ilhas,
comunidades ribeirinhas, territórios indígenas e quilombolas, cidades grandes,
casas simples e escolas que nem sempre têm sombra e ventilação.

Nos juntamos na Cúpula das Infâncias para conversar sobre uma questão que
impacta nossas vidas todos os dias: O CLIMA.

Decidimos escrever esta CARTA porque queremos que o mundo escute a nossa voz;
e o que sentimos no nosso corpo e no nosso dia a dia!

O calor está muito forte. De verdade. Tem dia que a gente sente dor de cabeça,
tontura, vontade de desmaiar.

Tem criança que não consegue brincar no sol, estudar na sala quente, caminhar na
rua cheia de poeira. Tem escola que não tem árvores para fazer sombra. Tem
bairro onde o vento quase não passa.

SENTIMOS TRISTEZA QUANDO VEMOS:
Árvores caindo
Fumaça das queimadas
Rios com lixo
Animais sofrendo
A floresta diminuindo
Pessoas ficando doentes por causa do calor e da poluição.

TUDO ISSO MEXE COM A GENTE!
Mexe tanto que alguns de nós desenhamos o que sentimos:
árvores grandes coloridas, crianças brincando sob o sol, rios azuis, passarinhos
voando, casas cercadas de plantas, florestas pegando fogo, placas dizendo “CUIDE
DA NATUREZA”.
Esses desenhos são um jeito de falar aquilo que a nossa boca não consegue.

POR QUE NOS IMPORTAMOS COM O CLIMA?
Nos importamos porque a NATUREZA é a nossa casa e muito mais… Nós somos
natureza, o planeta é natureza. A natureza é tudo!
Somos muito jovens e queremos ter um FUTURO BONITO para viver, mas também
queremos AGORA!
Queremos continuar estudando, jogando bola, brincando, plantando, nadando, indo
aos lugares que gostamos. Queremos que os animais e as florestas continuem
existindo!

E DIZEMOS:
A morte da FLORESTA é o fim da nossa vida
Não pode ATIRAR E MATAR OS ANIMAIS
O calor afeta a SAÚDE das pessoas
Sem a natureza não existe HUMANIDADE
A gente respira o AR das matas e dos rios
As mudanças climáticas deixam CRIANÇAS DOENTES
Temos que cuidar e proteger a AMAZÔNIA
Nós queremos PLANTAR mais árvores
Nos IMPORTAMOS porque moramos aqui

TODOS NÓS CONCORDAMOS COM UMA COISA:
Não queremos crescer num mundo destruído!
Não estamos pedindo, mas reivindicando nossos direitos.
Queremos que cuidem do planeta como se fosse uma criança: viva, precisando de
atenção!

AQUI ESTÃO NOSSAS PROPOSTAS:
Temos que plantar mais árvores, muitas árvores, em toda parte
Parar o desmatamento e as queimadas
Ter lugares para jogar o lixo certo
Limpar os rios e os mares e proteger os peixes
Cuidar dos animais que estão perdendo suas casas
Ensinar nas escolas sobre o meio ambiente, com práticas e professores
preparados.
Meio ambiente como parte da política de saúde
Ouvir as comunidades que estão na floresta
Participação real das crianças e adolescentes nas decisões políticas
Os adultos devem fazer sua parte, porque estamos fazendo a nossa.

Os adultos devem ouvir as crianças — PORQUE MANDAM A GENTE CALAR A
BOCA QUANDO TENTAMOS FALAR.

POR QUE CONSTRUÍMOS ESTA CARTA?
Porque acreditamos que nossa voz precisa chegar ao mundo todo.
A COP30 é grande, e a nossa esperança também!
Não temos poder, dinheiro ou cargos importantes,
Mas temos o FUTURO E O PRESENTE!

EXIGIMOS
Ajuda para proteger a Amazônia
Para cuidar da Terra
Para que as próximas CRIANÇAS E ADOLESCENTES não tenham medo do calor,
da fumaça, da falta d’água, da extinção dos animais
Para que elas possam desenhar florestas vivas — não florestas morrendo.

Somos muitos e muitas: crianças e adolescentes de zero a 17 anos.
Cada uma com um jeito, um desenho, uma fala, um sonho.
Mas todas com o mesmo IDEAL!

Cuidem do nosso planeta agora. Queremos continuar vivos e vivas! Crescer num
mundo bonito, num mundo que ainda respire. Com esperança e sem medo!

Crianças e Adolescentes da Cúpula das Infâncias
Belém, 15 de novembro de 2025

Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.


Apoie nossos esforços para fornecer apoio estratégico às favelas do Rio, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.