
Este artigo faz parte de uma série gerada por uma parceria com o Digital Brazil Project do Centro
Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre direitos humanos e justiça socioambiental nas favelas.
No dia 7 de dezembro, agentes ambientais, mobilizadores locais, moradores e visitantes se reuniram no Morro do Salgueiro, na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, para um mutirão de replantio na região de Mata Atlântica da comunidade. Realizada pelo núcleo do Movimento Regenerativo Tempo de Plantar do próprio Salgueiro, a atividade fez parte da Agenda Coletiva da Rede Favela Sustentável (RFS)*, tendo como intuito recuperar a região chamada Caixa D’água de Faustino. Localizada em um dos pontos mais altos do Salgueiro, a área de replantio é frequentemente afetada por queimadas e sujeita a deslizamentos.
Robson Basílio, morador responsável do Tempo de Plantar do Salgueiro, explica que esta ação é fundamental para reduzir o calor e evitar deslizamentos na comunidade, eventos comuns na região durante o verão.
“A gente vem, planta… Sempre tô arrumando mudas de árvores e plantando, mesmo sem ação. Tô mais de 20 anos nisso aí, nessa correria aí. A gente procura sempre plantar. Eu chego com 10 mudinhas, cinco, vou lá [plantar ao longo da comunidade] e pronto. Não podemos deixar lugares sem elas, porque, quando nós chegamos ao mundo, elas já estavam aqui. Então, a gente tem que preservar.” — Robson Basílio

Frequentemente, o Salgueiro é afetado pela combustão natural, queimadas ocasionadas pelo tempo seco. O mutirão buscou recuperar a umidade do solo utilizando materiais que fazem retenção da água e plantou mais de 130 mudas de porte médio, em sua maior parte, árvores frutíferas, para inibir a erosão da terra. Palmeira-juçara, ingá-doce, pitanga, grumixama, araçá, aroeira-vermelha, goiaba, jabuticaba e cambuci foram algumas das espécies plantadas durante o mutirão.
O mutirão de plantio faz parte de uma ação nacional realizada pelo Tempo de Plantar, que, desde 2019, mobiliza voluntários pelo Brasil a plantar no primeiro domingo de dezembro, época tradicionalmente escolhida pela maior concentração de chuvas no clima tropical.
Para Gláucio Gonçalves, hortelão e morador do Salgueiro, realizar essa ação traz benefícios de diversas formas.
“[Plantar] acaba com o lixão… e barra os deslizamentos. E é uma terapia, né? É gostoso trabalhar com planta. Me sinto gratificado. Muito bom mesmo.” — Gláucio Gonçalves

Participantes que vieram de outras comunidades também compartilharam pontos positivos do encontro. Marcia Greice, moradora do Morro do Fogueteiro, em Santa Teresa, região central do Rio, conta que o aprendizado no mutirão pode ajudar sua comunidade, ainda suscetível a deslizamentos.
“Eu vim hoje porque eu também gostaria muito de aprender, né? Como é que trata [a terra], como é que cuida… A planta para mim é vida. Eu vim também pela importância de… [aprender a evitar] deslizamento, entendeu? [Na minha comunidade] já teve muito no passado. Mas porque a terra também lá é vermelha, barro vermelho, barro amarelo. Ainda tem um pedacinho de uma terra lá que é muito vulnerável. Então, ali também a gente precisava [aprender e fazer] tudo isso. Ter um olhar [cuidadoso] mais para ali, entendeu?” — Marcia Greice

Um Mutirão do Presente e do Futuro
Além de incentivar o plantio, o mutirão também tem como objetivo encorajar ações de continuidade, com manutenção periódica, de modo a assegurar a efetiva recuperação ambiental.
“A ideia é incentivar essa resiliência. Continuar fazendo [essas ações] e trazendo mais pessoas é o que faz realmente [a mudança] acontecer, sabe? O que é importantíssimo. Não adianta a gente só ir lá, plantou. A gente tem que ficar ali, voltar de três em três meses, ver como é que tá, e deixar uma pessoa que fique responsável e vai dando esse direcionamento.” — Gil Pires, gestora ambiental e participante do projeto
Essa visão também é reforçada por Janaína Soares, membra do coletivo local Erveiras e Erveiros do Salgueiro. Para ela, plantar é uma forma de cultivar um conhecimento que atravessa gerações, mantendo não só o respeito com a natureza mas também com os antepassados e descendentes.
“Isso é bom porque a gente tá trazendo a nossa ancestralidade, e a gente quer dar continuidade para que os mais novos comecem a seguir o nosso exemplo e amanhã dêem continuidade. Para poder fazer um xarope, fazer um chá para os filhos, para os sobrinhos. Então, eu venho porque eu acho que é muito bacana a gente estar com a mão na massa, a gente estar fazendo pela nossa comunidade, né? A gente tá plantando o amanhã, tá plantando o futuro.” — Janaína Soares

A fisiologista e voluntária do Tempo de Plantar, Edith Barcelos, diz que são nas ações do presente que se cultivam perspectivas positivas para as comunidades do futuro. “Apesar de dar trabalho”, como diz Edith, reflorestar é o maior legado que alguém pode deixar para o futuro.
“Uma das pessoas daqui da comunidade tava contando que, quando chegou aqui, primeiro era um barraquinho de lona, papelão. Hoje, é uma casa. Agora, imagina essas pessoas poderem projetar um futuro de que vão ter a casa e uma mata maravilhosa atrás, fresca, com água vindo de nascente? Por isso que nós, hoje, nos organizamos para essa ação específica aqui no Salgueiro, para mobilizar as pessoas sobre o que é o reflorestamento e que, na verdade, é mais importante nós mantermos, porque reflorestar dá muito trabalho. Quando eu morrer, penso nisso sempre: vou ter plantado um monte de árvore, um pouco de mim vai estar em cada árvore que eu plantei. Então, você morre, mas morre menos, sabe? Porque você vai estar um pouquinho nas coisas que você espalhou.” — Edith Barcelos
O mutirão realizado no Morro do Salgueiro contou com cerca de dez voluntários de outras comunidades do Rio de Janeiro, como o Morro da Formiga, o Morro do Fogueteiro e o Complexo da Maré. Os mutirões são abertos a todo o público. Para acompanhar a programação, acesse o Instagram do projeto.
*A Rede Favela Sustentável e o RioOnWatch são ambas iniciativas realizadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras.
Sobre a autora: Amanda Baroni Lopes é formada em jornalismo na Unicarioca e foi aluna do 1° Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias. É autora do Guia Antiassédio no Breaking, um manual que explica ao público do Hip Hop sobre o que é ou não assédio e orienta sobre o que fazer nessas situações. Amanda é cria do Morro do Timbau, no Complexo da Maré.
