
No dia 5 de dezembro, em meio ao VI Encontro de Composteiros e ao Encontro Anual de Saúde na Favela, a Arena Dicró recebeu a exposição Memória Climática das Favelas no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Realizada em parceria com a Rede Favela Sustentável (RFS)*, a exposição fez parte de uma diversa agenda de atividades que teve início no dia 24 de novembro na Escola Municipal Brant Horta com uma roda de conversa com os estudantes. O encerramento ocorreu em 10 de dezembro, na Praça do Mineirinho, na Vila Cruzeiro, com atividades abertas ao público.
Ana Santos, do Centro de Integração na Serra da Misericórdia (CEM) e do coletivo Frente Penha, explica como foi concebida a programação da exposição.
“A Penha está recebendo de forma inédita essa grande exposição. A exposição fez parte do conteúdo metodológico da escola, que vinha trabalhando a questão do rio, do valão, as questões climáticas, as questões do Parque Ary Barroso. Então, nada mais justo do que trazer essa exposição para dentro da escola, com os jovens, com os adolescentes, com as famílias, para que a gente não só pulse na Penha, mas que também valorize as juventudes que estão aí construindo um território de bem-viver. Hoje, a gente está na Arena Carioca Dicró, que foi o palco que recebeu a nossa Roda de Memória Climática. A arena está dentro do Parque Ary Barroso, que é uma unidade de conservação. E por que não pensar essa exposição junto ao Encontro de Composteiros, que acontece anualmente, e ao Encontro Anual do Plano Integrado de Saúde nas Favelas? Então, hoje, num dia só, a gente conseguiu unir grupos de diferentes favelas que trabalham as questões ambientais a partir da compostagem. A gente sabe que o resíduo, o que muita gente chama de lixo, é um dos grandes problemas, que foi trazido muito, inclusive, na nossa Roda de Memória Climática da Penha. Mas, hoje, a gente só falou de soluções, soluções climáticas na favela. Eu, que participo da Rede Favela Sustentável desde o início me sinto muito contemplada com o debate e, sobretudo, com todo esse visual que não traz só a Penha como eixo central, mas que traz todas as outras favelas. No dia 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos, essa exposição vai estar na rua, na Vila Cruzeiro. Tanto como uma questão de reparação, depois de toda essa chacina que aconteceu, porque o que a gente quer ver, no meio da Vila Cruzeiro, não são corpos retirados no chão. A gente quer ver as nossas memórias, as nossas histórias, o reconhecimento do povo que, desde sempre, vem criando soluções para viver melhor e para construir bem-viver em rede.” — Ana Santos

O VI Encontro de Composteiros teve início pela manhã, com uma roda de conversa mediada por Paulo Monteiro, com Felipe e Davi Apolinário, do coletivo Composto Familiar, e Rose Trovão, do CEM, que compartilharam experiências de compostagem comunitária. Rose Trovão falou do projeto de compostagem que está sendo realizado na Terra Prometida, onde se localiza o CEM.
“A gente começou há pouco tempo, tem seis meses o primeiro composto que ficou pronto, e a gente usou na própria horta com as crianças. Futuramente, os próximos compostos a gente vai fazer uma moeda de troca, a pessoa traz o resíduo, aí leva uma quantidade de composto. Traz o resíduo, traz o óleo, também pra gente fazer sabão, aí ganha um quilo, ou dois quilos [de composto]… A gente ainda vai ver como é que a gente vai fazer, mas vai ser como uma moeda de troca, ninguém sai perdendo.” — Rose Trovão
Na segunda mesa do encontro, os vereadores William Siri e Maíra do MST abordaram a importância das políticas públicas para o fortalecimento da compostagem e detalharam os caminhos para a construção do projeto de lei sobre o tema. Segundo William Siri, um relatório elaborado pelo mandato, com foco na Zona Oeste, evidenciou que mais de 40% dos resíduos gerados pela população são orgânicos. Nesse contexto, um Programa de Compostagem vem sendo construído com apoio de outros parlamentares, entre eles, a vereadora Maíra do MST, que reforça a importância de fazer esse processo de maneira coletiva e com as soluções que já existem nas favelas.
“É fundamental que a gente possa construir coletivamente porque a gente sabe que é a ponta dos territórios, que está fazendo a ação concreta, inclusive, na rebarba do Estado que, muitas vezes, ou quase nenhuma, dá oportunidade para que essa política pública seja efetivada… Nós estamos na Comissão de Segurança Alimentar da Câmara e acho que é a partir desse olhar da segurança alimentar que nós, nos somamos a essa luta da compostagem. Eu acho que o Rio de Janeiro tem experiências muito interessantes, aqui tem os companheiros do Compostaê, a Fundação Angélica Goulart, as companheiras do CEM.” — Maíra do MST

Após o almoço, os participantes do evento da manhã seguiram para a Serra da Misericórdia, onde conheceram o CEM e suas iniciativas nas áreas de compostagem e de agrofloresta. Enquanto isso, na Arena Dicró, entre a manhã e a tarde, houve grande visitação à Exposição Memória Climática das Favelas, onde os presentes puderam conhecer mais sobre clima e favela nas dez favelas do Rio que construíram esta exposição.
Vilson Luiz, do coletivo Frente Penha, avalia como é positivo o retorno da exposição à comunidade. Segundo ele, a exposição “dá uma satisfação” sobre todo o processo que foi construído com os moradores.
“Muitas vezes a gente está no território, as pessoas tiram fotos da gente, fazem perguntas e depois não voltam para mostrar o produto que foi desenvolvido. Então, lá na escola, foi legal porque a gente mostrou isso para as crianças, o potencial que o território tem. A gente volta aqui na Arena de Dicró hoje, em mais um evento, para poder mostrar a exposição e as pessoas poderem perceber tudo isso que foi coletado, tudo que foi produzido e que está sendo apresentado. É sobre Penha, é sobre favelas, e é imaginar o que a gente vai poder fazer também no território… de falar sobre memória e falar que os territórios têm memória, as favelas têm memória. E aí a gente não está falando só da nossa, a gente está falando de todas. E aí é entender que todas as favelas estão ligadas numa rede.” — Vilson Luiz

Ainda durante a tarde, aconteceu o Encontro Anual do Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro, quando foram apresentados dados das ações desenvolvidas nas favelas do estado. A escolha do local teve um significado simbólico, pois a atividade reuniu organizações que atuam em todo o estado, inclusive, no Complexo da Penha, comunidade que ainda enfrenta os impactos da chacina que deixou 121 mortos na operação policial mais letal da história do Brasil.
O evento contou com a participação de parlamentares como a Deputada Estadual Renata Souza, que comenta sobre os resultados alcançados.
“A gente viu resultados muito importantes, cerca de um milhão de pessoas impactadas diretamente com o Plano Integrado de Saúde das Favelas e, mais que isso, 176 comunidades atendidas em 33 municípios do estado do Rio de Janeiro, ou seja, algo que faz diferença quando a gente faz com que a construção da política pública e do orçamento chegue onde deve. Então, a gente estar aqui no Complexo da Penha, onde teve uma chacina, que é a política da morte, é a necropolítica. E o que a gente faz com o Plano Integrado de Saúde da Favela é a política da vida, da possibilidade do sonho, da esperança e de superação das desigualdades sociais.” — Renata Souza

Sidnei Fernandes, também membro do coletivo Frente Penha, afirma que a exposição reforça um sentimento de pertencimento dos moradores e exalta a importância da Exposição Memória Climática das Favelas e o fato dela ter vindo para a Penha.
“Ter participado primeiro da Roda de Memória Climática aqui, sendo morador daqui, e sabendo da importância desse local aqui [Parque Ary Barroso]… Esse local tem uma importância pra mim, que sou uma pessoa com deficiência, eu não andava e não falava, então, meus amigos me carregavam pra cá… E memória afetiva, essa memória de estar aqui, e de estar vendo essa exposição aqui, pra mim é uma memória de territoralidade, de pertencimento, porque quando você tá num local que você cresceu, que você frequentou e ver isso tudo vindo de novo, ter ido na Roda de Memória Climática dentro da Maré, participar lá, vendo também lá todo esse projeto construído, também pra trazer até o território, a importância do território, do meio ambiente, né, dessa memória climática, ver isso aqui de novo é alegria, conquista e também pertencimento.” — Sidnei Fernandes
A chegada da exposição Memória Climática das Favelas ao Complexo da Penha, em meio a dois grandes eventos na Arena Dicró, reafirma a importância da organização comunitária, como força motriz que cuida, transforma resíduos, produz saúde e constrói memórias sobre a favela. As favelas têm memórias e são capazes de gerar soluções diversas para seus desafios cotidianos, com criatividade, auto-organização e solidariedade.
Veja Aqui o Álbum Completo da Exposição ‘Memória Climática das Favelas’ na Penha:
*A Rede Favela Sustentável e o RioOnWatch são ambas iniciativas gerenciadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras. A exposição de Memória Climática das Favelas reúne 1.145 depoimentos de 382 moradores de dez favelas da capital fluminense, coletados e sistematizados ao longo de três anos de construção coletiva. A exposição foi desenvolvida por onze museus e coletivos de memória de favelas integrantes da RFS: Museu da Maré, Museu Sankofa, Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz, Museu de Favela, Núcleo de Memórias do Vidigal, Alfazendo (Cidade de Deus), Centro de Integração da Serra da Misericórdia, Museu do Horto, Fala Akari, Conexões Periféricas (Rio das Pedras) e Museu das Remoções.
Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.

