Melhores Reportagens Internacionais Sobre as Favelas do Rio em 2025

Jessica Tapre conserta um telhado verde em um ponto de ônibus em Benfica, na Zona Norte do Rio. Foto: Ian Cheibub/NPR
Jessica Tapre conserta um telhado verde em um ponto de ônibus em Benfica, na Zona Norte do Rio. Foto: Ian Cheibub/NPR

De 2013 a 2023, o RioOnWatch publicou a série Melhores e Piores Reportagens Internacionais sobre as Favelas do Rio. Ela começou, de forma bastante sintomática, com as Piores Reportagens Internacionais sobre as Favelas do Rio em 2013, em que nossa conclusão foi inequívoca: “há muitos artigos que não são apenas imprecisos, mas perigosos ao reforçar uma visão estigmatizada e unidimensional das favelas do Rio e de seus moradores”. Ao longo dos anos, a série documentou uma mudança significativa—não apenas na representação das favelas e de seus moradores na cobertura de língua inglesa, mas também na escolha de tópicos e na crescente nuance das reportagens. Essa evolução culminou na edição de 2023, que celebrou apenas o melhor da cobertura internacional, e no lançamento da nova série anual “Melhores Reportagens Internacionais sobre as Favelas do Rio” em 2024. Escrita por colaboradores convidados, esta nova série destaca reportagens recomendadas sobre favelas, dando continuidade ao nosso compromisso de amplificar narrativas autênticas e matizadas sobre as mesmas e seus moradores. Esta reportagem de 2025 mostra uma forte mudança em direção ao jornalismo de soluções, abordando a justiça climática e respostas populares das favelas do Rio.

Sustentabilidade e Resposta Comunitária à Crise Climática

Telhados Verdes e Refrescantes Pareciam um Sonho Impossível para as Favelas do Brasil. Mas Não É Verdade!

No original em inglês: ‘Cooling Green Roofs Seemed Like an Impossible Dream for Brazil’s Favelas. Not true!’

Da NPR, por Jill Langlois

Nesta reportagem radiofônica e escrita por Jill Langlois para a National Public Radio (NPR), moradores do Parque Arará, na Zona Norte do Rio de Janeiro, vêm cultivando plantas em seus telhados para amenizar o calor extremo agravado pelas mudanças climáticas. Sob a liderança do Teto Verde Favela, organização comunitária fundada por Luís Cassiano Silva, os moradores aprendem a realizar o cultivo de plantas leves e seguras nos telhados de suas casas, garantindo o resfriamento do ambiente. “Antes era insuportável quando fazia muito calor”, diz o morador Reginaldo Gomes da Silva. “Mas agora está fresco o suficiente para eu relaxar. Agora, posso respirar novamente.”

A história mostra como uma iniciativa como essa reflete a cultura local transmitida por gerações. Reginaldo conta que sua paixão por plantas nasceu em casa: “Minha mãe me ensinou tudo sobre como cuidar de plantas: quando regá-las, de quanto sol elas precisam, o que fazer se começarem a murchar.” O projeto Teto Verde Favela não só reduz a temperatura na favela, como também junta pessoas por meio de mutirões.

Uma das principais reportagens de 2025 destaca o Teto Verde Favela, iniciativa comunitária de Luís Cassiano que ajuda a amenizar o calor extremo agravado pelo aquecimento global. Foto: Ian Cheibub/NPR
Uma das melhores reportagens de 2025 destaca o Teto Verde Favela, iniciativa comunitária de Luís Cassiano que ajuda a amenizar o calor extremo agravado pelo aquecimento global. Foto: Ian Cheibub/NPR

Como Lembranças de Água Limpa, Sapos e Ar Puro Podem Ajudar a Salvar as Favelas do Rio de Futuros Desastres Climáticos

No original em inglês: How Memories of Clean Water, Frogs and Fresh Air Could Help Save Rio’s Favelas from Future Climate Disaster

Do The Guardian, por Júlia Dias Carneiro

Cobrindo o lançamento da exposição Memória Climática das Favelas para o The Guardian no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, Júlia Dias Carneiro contextualiza como, apesar do racismo ambiental histórico decorrente da negligência do Estado, os moradores preservaram lembranças de uma época em que a natureza era parte intrínseca de suas vidas, bem como memórias de catástrofes climáticas que resultaram em perdas de vidas e soluções comunitárias. Ao preservar essas memórias, eles afirmam um futuro de justiça climática e ambiental para suas comunidades. Esta reportagem sensível e profunda deixa claro que a memória coletiva é uma forma de resistência e mostra, também, que as soluções para a crise climática vêm surgindo justamente entre os mais vulneráveis ​​aos seus impactos.

Crianças na Maré, uma das muitas favelas do Rio, tentam evitar a água da enchente, carregada de esgoto, em uma rua. A inscrição na parede diz: “É proibido jogar lixo aqui”. A Maré se expandiu rapidamente na década de 1940, até que as autoridades municipais transferiram parte de seus moradores para Antares, a 64 quilômetros de distância. Foto: AF Rodrigues/The Guardian
Crianças na Maré, uma das muitas favelas do Rio, tentam evitar a água da enchente, carregada de esgoto, em uma rua. A inscrição na parede diz: “É proibido jogar lixo aqui.” A Maré se expandiu rapidamente na década de 1940, até que as autoridades municipais transferiram parte de seus moradores para Antares, a 64 quilômetros de distância. Foto: AF Rodrigues/The Guardian

Energia Solar Comunitária Ilumina Casas e Comércios nas Favelas do Rio

No original em inglês: Community Solar Lights Up Homes and Businesses in Rio’s Favelas

Do Dialogue Earth, por Kashfi Halford

O minidocumentário de Kashfi Halford, publicado no Dialogue Earth, apresenta uma inspiradora história de solução comunitária nos morros da Babilônia e do Chapéu Mangueira, na Zona Sul do Rio. Diante dos preços abusivos da conta de luz, os moradores dos dois morros decidiram resolver o problema coletivamente. A Revolusolar é “uma iniciativa de base comunitária que leva os benefícios da energia solar aos moradores da Babilônia e do Chapéu Mangueira”. A reportagem documenta a primeira cooperativa solar de favela do Brasil como uma solução comunitária sustentável, destacando o importante papel da tecnologia criativa, da determinação e do protagonismo nessas comunidades.

‘Eu Não Tinha Ideia de que Iria Tão Longe’: Por que uma Favela Brasileira Prestes a Ser Despejada Decidiu Adotar Práticas Sustentáveis

No original em inglês: ‘I Had No Idea It Would Snowball This Far’: Why a Brazilian Favela Facing Eviction Decided To Go Green

Da BBC, por Lottie Watters

O artigo de Lottie Watters na BBC conta a história da Vila Nova Esperança, em São Paulo, que salvou sua comunidade da remoção por meio de uma transformação verde. Quando, em 2006, as autoridades decidiram remover 600 famílias, alegando que a área se tornaria um parque, a moradora Maria de Lourdes Andrade Silva (conhecida como Lia Esperança) decidiu agir. “Pensei: ‘Preciso fazer alguma coisa para não perder minha casa nem a de ninguém’”, lembra ela.

Junto com os vizinhos, Lia começou a limpar o lixo acumulado nos limites da favela, para mostrar às autoridades que “moradores de favelas também podem cuidar do meio ambiente”. Graças aos seus esforços, o Ministério Público do Estado de São Paulo suspendeu as remoções. Devido à mobilização de Lia e seus vizinhos, as autoridades avaliaram que uma comunidade que cuida de seu território merece o direito de permanência.

Infelizmente, a reportagem da BBC mantém o equivocado uso da palavra “slums”—termo que reforça estereótipos problemáticos—em referência às favelas. Ainda assim, a matéria destaca a problemática exclusão das comunidades locais da tomada de decisões e informa aos leitores como atores comunitários podem influenciar quem detém o poder e mudar efetivamente as decisões em favor das demandas populares.

O jardim da Vila Nova Esperança. Foto: Lottie Watters
O jardim da Vila Nova Esperança. Foto: Lottie Watters

Projeto na Favela Combate Fome com Piscicultura e Agricultura Urbanas

No original em inglês: Favela Project Battles Hunger With Urban Fishery and Farming

Da Reuters

Esta reportagem em vídeo da Reuters leva os espectadores à laje de um prédio na Rocinha, na Zona Sul do Rio. Em resposta à insegurança alimentar na segunda maior favela do Brasil, Flávio Gomes lançou a Horta na Favela, uma fazenda urbana com horta e piscicultura. A reportagem mostra como os moradores produzem seus próprios alimentos, ajudando a garantir a segurança alimentar na comunidade e aumentando o acesso à proteínas pela população local.

Na Maior Favela do Rio, Óleo Usado se Transforma em Sabão e Promove Mudanças Sociais

No original em inglês: In Rio’s Largest Favela, Used Oil Becomes Soap and Social Change

Da Mongabay, por André Aram

Esta reportagem da Mongabay, escrita por André Aram, também apresenta uma solução comunitária em andamento na Rocinha. O descarte inadequado de óleo de cozinha pode ser uma causa significativa de entupimentos e danos em encanamentos, especialmente em favelas. Isso levou Marcelo Santos, mobilizador comunitário e principal entrevistado da matéria, a “buscar entender o grau de contaminação por óleo, o grau de riscos à saúde e as questões ambientais” envolvidas. Para mitigar os impactos ambientais e de saúde decorrentes do descarte inadequado, Marcelo passou a coletar óleo e transformá-lo em sabão e produtos de limpeza. A reportagem mostra o projeto Óleo no Ponto, da Rocinha, como uma tecnologia ecológica inovadora, originária da favela e construída sobre princípios de solidariedade e sustentabilidade. A única limitação desta matéria é que, embora o artigo afirme que o projeto visa capacitar “mulheres locais que vivem em condições de vulnerabilidade social”, com exceção do depoimento de Adriana Moura, esposa de Marcelo, os leitores não têm a oportunidade de saber diretamente dessas mulheres como a iniciativa vem transformando suas realidades.

A reportagem da Mongabay destaca um projeto nascido na Rocinha que gera renda para a comunidade e, ao mesmo tempo, mitiga os impactos ambientais causados ​​pelo descarte inadequado de óleo de cozinha. Foto: André Aram/Mongabay
A reportagem da Mongabay destaca um projeto nascido na Rocinha que gera renda para a comunidade e, ao mesmo tempo, mitiga os impactos ambientais decorrentes do descarte inadequado do óleo de cozinha. Foto: André Aram/Mongabay

Favelas Expõem as Contradições da COP30

Em Belém, a luta do povo-maré contra a obra da COP que joga esgoto dos ricos no quintal dos pobres

Título em inglês: Belém’s ‘People of the Tides’ Battle COP Project That Dumps Waste of The Rich in Their Backyards

De Sumaúma, por Guilherme Guerreiro Neto

Esta reportagem investigativa de Guilherme Guerreiro Neto, publicada no Sumaúma, site bilíngue de notícias amazônicas, descreve a luta de Vila da Barca, uma favela localizada às margens da Baía de Guajará, em Belém do Pará, contra o racismo ambiental no período que antecedeu a COP30. Como mostra a matéria, um sistema de esgoto construído como parte da infraestrutura da conferência climática transportava dejetos de um bairro rico e os despejava nas águas que circundam Vila da Barca. Os leitores assim descobrem como 4.000 pessoas do “povo-maré”—os moradores das palafitas da Baía de Guajará—lutam contra o racismo ambiental, reivindicando sua dignidade e a preservação do patrimônio natural de sua comunidade. A reportagem expõe décadas de negligência estatal: Vila da Barca existe há mais de um século, mas ainda não dispõe de sistema formal de esgoto ou de água tratada (serviços que só agora vêm sendo implementados). A matéria do Sumaúma mostra que, para comunidades como a de Vila da Barca, a COP30 não ocorreu sem violações e medo—o medo de que suas vozes fossem caladas sob o lixo dos bairros mais ricos. A reportagem também destaca como os moradores são atores-chave na preservação de sua história: criaram o Museu da Memória de Vila da Barca para mostrar que seu patrimônio cultural tem valor e merece proteção. Essa foi a maneira que encontraram de resistir ao apagamento e ao deslocamento: enraizando sua comunidade, profundamente, na terra onde têm o direito de viver.

“Vila da Barca também é Amazônia”. A reportagem do site Sumaúma expõe as controvérsias da COP30 ao mesmo tempo que retrata a luta da comunidade de Vila da Barca para resistir ao racismo ambiental, ao deslocamento forçado e ao apagamento de sua história. Foto: Rafael da Luz/Sumaúma
“Vila da Barca também é Amazônia”. A reportagem do site Sumaúma expõe as controvérsias da COP30 ao mesmo tempo que retrata a luta da comunidade de Vila da Barca para resistir ao racismo ambiental, ao deslocamento forçado e ao apagamento de sua história. Foto: Rafael da Luz/Sumaúma

Moradores de Favelas Brasileiras Reivindicam Voz Ativa nas Negociações Climáticas

No original em inglês: Brazil’s Favela Residents Are Demanding a Say in Climate Talks

Da NPR, por Júlia Dias Carneiro

Outra reportagem de Júlia Dias Carneiro, apresentada no noticiário radiofônico All Things Considered, da NPR, enfoca lideranças de favelas que exigiram participar das negociações da COP30, uma vez que estas dizem respeito ao futuro do planeta. Apesar das grandes barreiras e da falta de acesso formal às negociações, essas lideranças organizaram seus próprios espaços paralelos, como festivais locais, cartas coletivas e cúpulas comunitárias, garantindo que suas perspectivas e demandas chegassem à COP30—mesmo que, pessoalmente, não pudessem comparecer à conferência.

Resposta Comunitária ao Terrorismo de Estado e à Violência Policial

Crianças Autistas Sofrem o Custo Oculto das Violentas Operações Policiais nas Favelas do Brasil

No original em inglês: Autistic Children Bear Hidden Cost of Violent Police Raids in Brazil’s Favelas

Do The Guardian, por Tiago Rogero

Em outra reportagem do The Guardian, o jornalista Tiago Rogero mostra como Rafaela Figueiredo de França, moradora do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, e mãe de uma menina de seis anos com autismo, encontrou uma maneira de proteger a filha do estresse causado por um tiroteio de 15 horas ocorrido em janeiro deste ano em sua comunidade. O artigo descreve como o Estado tem falhado em garantir segurança pública às famílias, evidenciando a falta de apoio psicológico e o não reconhecimento das necessidades específicas de famílias atípicas que vivem nas favelas.

A reportagem também destaca a iniciativa dessas famílias para a melhoria da saúde de seus filhos. Depois de conversar com outras mães de crianças autistas, Rafaela fundou a organização comunitária Estrela de Maria. Essa iniciativa popular criou um Centro de Estimulação para crianças neurodiversas e passou a distribuir fones de ouvido especiais, com cancelamento de ruído, às famílias, a fim de proteger crianças atípicas dos perturbadores sons de tiros durante operações policiais. Em dois anos, foram distribuídas centenas de fones em dezenas de favelas do Rio. O artigo de Rogero dá visibilidade a esses grupos de mães que assumiram um papel que o Estado deixou de cumprir. Também mostra essas famílias como lideranças locais, organizando eventos de captação de recursos, oferecendo treinamento e pressionando as autoridades para garantir condições mais seguras para as crianças (defendendo, por exemplo, a limitação do horário de disparos perto de escolas).

Heitor, morador da Rocinha, no Rio de Janeiro, e Mary, moradora do Morro dos Macacos, também no Rio de Janeiro, ambos com transtorno do espectro autista. Foto: The Guardian
Heitor, morador da Rocinha, no Rio de Janeiro, e Mary, moradora do Morro dos Macacos, também no Rio de Janeiro, ambos com transtorno do espectro autista. Foto: The Guardian

‘São Para Frear a Polícia’: Barricadas no Rio Transformam Favelas em Fortalezas

No original em inglês: ‘They’re to Put The Brakes On Cops’: Rio Barricades Turn Favelas Into Fortresses

Do The Guardian, por Tom Phillips

Este artigo do The Guardian, escrito pelo seu correspondente da América Latina, Tom Phillips, começa descrevendo a história por trás de algumas das barricadas das favelas do Rio, erguidas por facções de narcotraficantes para dificultar as operações policiais, e, em seguida, compartilha as estratégias da polícia para destruí-las. No entanto, para oferecer uma perspectiva diferente sobre o assunto, o artigo também conta a história de Tainan Cabral, um jovem morador que cresceu cercado por barricadas de concreto e que, por meio de sua arte, vem transformando uma paisagem frequentemente associada à violência e ao medo. Em vez de se adaptar a uma paisagem de guerra, Tainan optou por embelezá-la. Há seis anos, ele começou a pintar barricadas abandonadas com cores vibrantes. “As barricadas transmitem um clima de guerra… Tento transformá-las em monumentos esculturais… Comecei a ver este lugar como um parque de esculturas”, explica o pintor.

 

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Brasil: Pelo Menos 64 Mortos no Pior Dia de Violência no Rio em Meio a Operações Policiais em Favelas

No original em inglês: Brazil: At Least 64 Reported Killed in Rio’s Worst Day of Violence Amid Police Favela Raids

Do The Guardian, por Tom Phillips

De forma alarmante, em outubro de 2025, o Rio de Janeiro vivenciou a operação policial mais sangrenta de sua história, com mais de 120 pessoas mortas pela Polícia Militar nos complexos de favelas do Alemão e da Penha. Alguns veículos da mídia internacional mostraram a realidade pelos olhos dos moradores, destacando os fatores altamente complexos que levam à violência nas comunidades: racismo sistêmico, desigualdades sociais e negligência do Estado.

Esta reportagem, também de Tom Phillips, do The Guardian, apresenta as perspectivas críticas da comunidade sobre a operação policial. Após a ação brutal no Alemão e na Penha, o governador de extrema-direita, Cláudio Castro, anunciou que a cidade estaria em guerra contra o crime organizado. Muitos moradores de favelas, no entanto, apresentam uma perspectiva radicalmente diferente, questionando se esta é uma guerra contra o crime ou contra os pobres. Um dos entrevistados, o jornalista e mobilizador internacionalmente reconhecido René Silva do Complexo do Alemão (também fundador do site de notícias Voz das Comunidades), cobria os desdobramentos desde a manhã seguinte à operação. “O problema da criminalidade no Rio precisa ser combatido em outros lugares—não apenas nas favelas. Não temos plantações de maconha ou cocaína aqui. Não temos fábricas de armas aqui. Esta não é uma luta contra o crime, é uma luta contra os pobres”, afirmou. Por meio de depoimentos como o de René, a reportagem evidencia a profunda contradição de uma estratégia de segurança pública focada na repressão às favelas, em vez de enfrentar as verdadeiras raízes do problema. A reportagem também ecoa a opinião de Raull Santiago, ativista do Complexo do Alemão também com projeção internacional, que observa que essas incursões com retórica de guerra não são novidade nas favelas, “mas deixam marcas profundas em quem vive nelas… Mais uma vez, a favela sangra, mais uma vez contamos um número cada vez maior de corpos”.

Membros da equipe antibarricadas da Polícia Militar do Rio de Janeiro destroem bloqueios construídos por traficantes. Fotografia: Alan Lima/The Guardian
Membros da equipe antibarricada da Polícia Militar do Rio de Janeiro destroem os bloqueios construídos por traficantes. Fotografia: Alan Lima/The Guardian

Milhares Participam de Protesto em Favela do Rio Após Operação Policial Mais Letal da História

No original em inglês: Thousands Join Protests in Rio Favela After Deadliest Ever Police Raid

Do The Guardian, por Tom Phillips

Este terceiro artigo de Tom Phillips, do The Guardian, retrata a profunda polarização entre os brasileiros em relação à controversa e mortal operação policial no Alemão e na Penha. Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança Pública e Cidadania (CESeC) do Rio, descreveu-a como uma “vergonha internacional”, enquanto outros, apoiadores do governador do Rio, a consideraram um sucesso. O artigo expõe a tensão entre duas narrativas conflitantes: as autoridades que reivindicam o sucesso da operação versus os manifestantes e moradores angustiados pelas vidas, direitos e dignidade destruídos pelo terror de Estado. Este artigo leva os leitores a refletir que, por trás das estatísticas da “guerra às drogas”, estão vítimas da violência cujas famílias e sonhos foram irremediavelmente destruídos. Acompanhando o grupo de manifestantes enquanto caminhavam pela Vila Cruzeiro, na Penha, suas palavras de dor e indignação foram cuidadosamente registradas. “Nenhuma mãe quer ver seu filho estendido no chão, crivado de balas”, disse a manifestante Raimunda Leone ao portal de notícias Voz das Comunidades, conforme reproduzido pelo The Guardian. Ao amplificar essas vozes, a reportagem defende um jornalismo ponderado, responsável e empático, expondo a divisão atual na sociedade brasileira.

Ao cobrir a manifestação contra a operação policial mais brutal do Rio, o The Guardian mostrou como a sociedade civil e os moradores condenam esse modelo de segurança pública e exigem que as autoridades sejam responsabilizadas por suas ações. Foto: André Coelho/EPA
Ao cobrir a manifestação contra a operação policial mais brutal do Rio, o The Guardian mostrou como a sociedade civil e os moradores condenam esse modelo de segurança pública e exigem que as autoridades sejam responsabilizadas por suas ações. Foto: André Coelho/EPA

Vida e Morte nas Favelas: O que Revelam as Últimas Operações Policiais no Brasil

No original em inglês: Life and Death in the Favelas: What Brazil’s Latest Police Raids Reveal

Da Catalyst, por Lou Didelot

Tendo a megaoperação como ponto de partida, o artigo de Lou Didelot na Catalyst oferece um contexto sócio-histórico e sociopolítico para analisar o que está por trás da violência policial nas favelas, trazendo uma perspectiva mais ampla da operação policial mais sangrenta da história do Rio. Mais do que uma reportagem jornalística, o artigo explicativo também evidencia estratégias de resistência e de organização comunitária, mostrando os moradores não como vítimas passivas, mas como cidadãos que agem e defendem mudanças estruturais. Esta matéria informa leitores não familiarizados com a violência estatal e suas consequências para as comunidades cariocas às margens das esferas de poder e privadas de seus direitos. Apesar da frequência com que os fatores estruturais são deixados de lado nos noticiários, eles são um elemento-chave para uma cobertura elucidativa da violência, além de informar os leitores sobre como ela afeta as realidades da favela.

Panorama do teleférico do Complexo do Alemão em 2014. Foto: Mariordo/Wikimedia Commons
Panorama do teleférico do Complexo do Alemão em 2014. Foto: Mariordo/Wikimedia Commons

A Cultura Como um Espelho Provocativo da Realidade

Brasil: Indignação Após Prisão de Funkeiro por Suposta Incitação ao Crime em Letras de Música

No original em inglês: Brazil: Outcry After Funk Singer Arrested for Allegedly Inciting Crime in Lyrics

Do The Guardian, por Tiago Rogero

Esta última recomendação de matéria, também do The Guardian, outra de autoria de Tiago Rogero, discute a controvérsia em torno do caso envolvendo o artista de trap e funk MC Poze do Rodo. Ele foi detido por supostas ligações com uma quadrilha criminosa e por “incitar o crime” por meio de suas letrasuma tentativa, segundo muitos, de silenciar uma voz inconveniente da favela. The Guardian questiona a forma como Poze do Rodo—um artista negro da favela, com milhões de fãs—foi preso: foi detido em sua casa e levado para uma delegacia, algemado, descalço e sem camisa.

No entanto, como argumenta o entrevistado, o professor de direito penal Pierpaolo Bottini, não há nenhuma ligação direta entre a apologia ao crime e as músicas de Poze do Rodo. Como a matéria esclarece, Poze do Rodo canta sobre a realidade da favela e sobre as experiências cotidianas dos moradores. Ele não incentiva a violência nem glorifica a vida no crime.

O artigo também cita a antropóloga Mylene Mizrahi, que descreve como os músicos de funk não são considerados “artistas completos”—em contraste, por exemplo, com diretores de cinema. O advogado Joel Luiz Costa observa, ainda, a continuidade histórica da repressão ao funk, lembrando que o samba e a capoeira foram proibidos de forma semelhante no passado. Embora MC Poze do Rodo tenha finalmente sido libertado da prisão, a história estimula um debate necessário: o Estado ultrapassou seus limites ao punir e criminalizar um artista que retrata a realidade em que vive de uma forma considerada inconveniente pelas elites dominantes e pelo status quo?


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