
Esta fotorreportagem faz parte de uma série gerada por uma parceria com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre direitos humanos e justiça socioambiental nas favelas.
As manchetes desde a 30ª Conferência do Clima (COP30) em Belém deram destaque às trocas diplomáticas dos governantes e autoridades mundiais na Zona Azul, em particular à falta de um acordo em relação a combustíveis fósseis, desmatamento e financiamento para adaptação. Foram relatados avanços pontuais importantes nas discussões em relação à crise climática, mantendo-se a direção do Acordo de Paris, mas estes não são suficientes para impedir o aumento das mudanças climáticas e, consequentemente, da emergência climática.
Enquanto isso, o que pode ter sido o impacto de maior relevância da COP30 foi pouco registrado como tal nas mídias nacionais e internacionais: a maior participação da sociedade civil na história das COPs e a significância dos seus efeitos cascata que se pôde perceber claramente ao longo do evento. Belém vibrou, durante duas semanas intensas, sob a presença de uma diversidade colorida e pulsante de coletivos provenientes de cada canto, povo e região do Brasil.
Os movimentos de periferias do poder, entre elas uma pluralidade de tribos indígenas—com 5000 indígenas presentes, 600 com acesso à Zona Azul, maior número da história—quilombolas, ribeirinhos e comunidades urbanas, estiveram o tempo todo trocando intensamente. Foram histórias a partir de suas bases e experiências, estratégias de mobilização, dados coletados pelos próprios movimentos, cartas e manifestos, contatos e inspiração: elementos fundamentais para o sustento e crescimento urgente da pauta que determinará a qualidade de vida de todos os seres terrestres que estão e virão.
“A conferência do clima da ONU em Belém entrou para a história como a edição com maior participação indígena já registrada… Os povos indígenas são guardiões do território, do meio ambiente e da vida… O reconhecimento desse protagonismo é essencial para avançar em medidas globais de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.” — Sônia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas
Numerosos Espaços de Belém Tomados por Movimentos e Coletividade em Prol da Justiça Climática
A sociedade civil se concentrou principalmente na Cúpula dos Povos, lançada no dia 12, além de várias casas utilizadas por grupos alinhados por tema para oferecer seus próprios debates e eventos, espalhadas pela capital paraense (entre elas: Aldeia COP, Casa Chico Mendes, Casa da Cidade, Casa Preta Amazônia, Casa Ninja Amazônia e a Casa do Jornalismo Socioambiental). Muitos grupos tiveram oportunidade de realizar eventos e ações na Zona Verde, disponibilizada, a partir do dia 10 de novembro, dentro da área oficial da COP30, que recebeu mais de 500.000 visitas.
Veja o Álbum: Zona Verde, Barqueata de Lançamento da Cúpula dos Povos e Aldeia Indígena:
A Cúpula dos Povos é um movimento autônomo da sociedade civil que acontece em paralelo às Conferências do Clima desde a Eco-92, funcionando como contraponto às negociações oficiais para dar voz a povos indígenas, comunidades tradicionais e movimentos sociais, cobrando justiça climática e soluções vindas da base, diferentemente das propostas de mercado das COPs. A Cúpula da COP30 foi construída, como diz sua Carta Política assinada por 1.100 organizações, desde 2023, como um espaço de luta e articulação popular por alternativas sustentáveis e justas para a crise climática.
A abertura da Cúpula dos Povos da COP30 foi marcada pela Barqueata Por Justíca Climática, que reuniu mais de 200 embarcações na Baía do Guajará, em Belém. O ato histórico em defesa da Amazônia, dos territórios ancestrais e de comunidades tradicionais e por justiça climática, juntou cerca de 5.000 pessoas no dia 13 de novembro.

Com discursos fortes em diversas línguas originárias, os movimentos indígenas se fizeram escutar. Na embarcação contra a Hidrovia Ferrogrão, mídias de todo o mundo escutaram o Cacique Raoni, liderança histórica do movimento indígena, membro do povo Kayapó, que discursou em Mebêngôkre, sua língua materna, e foi traduzido para o português pelos seus sobrinhos.

No mesmo dia, no final da tarde, a abertura da Cúpula dos Povos foi realizada na Universidade Federal do Pará (UFPA), onde em seguida aconteceram vários dias de deliberação temática para se construir, coletivamente, a Declaração da Cúpula dos Povos apresentada no último dia da Cúpula à autoridades nacionais.
Já a Carta das Infâncias, produzida pela Cúpula das Infâncias, ao longo da Cúpula dos Povos, reuniu cerca de 600 crianças e adolescentes para sua construção.
Ao longo dos seus quatro dias, representantes de 65 países estavam presentes na Cúpula, entre eles 25.000 credenciados e cerca de 20.000 pessoas circulando por dia no campus da UFPA, participando de atividades, shows, discussões e plenárias. Mais de 300 veículos de imprensa nacionais e internacionais cobriram o evento. Foi uma das maiores articulações globais por justiça climática da história.

Uma cozinha solidária histórica, que servia entre 9.000 e 12.000 refeições por dia, na maior compra pública do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em mais de 20 anos—teve a iniciativa de distribuir milhares de refeições às favelas de Belém durante a Cúpula dos Povos, por volta de 7.000, segundo lideranças do MST-PA.
O auge das mobilizações foi a Marcha Global pelo Clima, organizada pela Cúpula dos Povos e COP das Baixadas, que aconteceu no dia 15 de novembro pela manhã e reuniu 70.000 pessoas, percorrendo quatro quilômetros e meio pelas ruas de Belém com alegorias, apresentações, faixas, discursos e muita coletividade.
Veja o Álbum da Marcha Global Pelo Clima:
Marchando do Mercado São Brás até a Aldeia Cabana, o Sambódromo de Belém do Pará, povos reivindicaram o direito à terra, soberania alimentar, fim da crise climática e do uso de combustíveis fósseis, desmatamento zero, demarcação de terras indígenas e quilombolas, além da taxação aos super ricos.
“Os trabalhadores do mundo inteiro caminham pelas ruas de Belém para dizer que a verdadeira república que a gente acredita é aquela que garante os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, que cuida da natureza pensando nas futuras gerações e sabe defender a soberania do nosso país. Fazemos aqui o nosso protesto em torno da agenda ambiental, mas também em torno de outras agendas que são urgentes.” — Ayala Ferreira, Movimento Sem Terra (MST) e Comissão Política da Cúpula dos Povos

Cartas de Incidência Periférica Proliferam na COP30
Além da Carta Política que informou a Cúpula dos Povos e a Declaração da Cúpula e Carta das Infâncias construídas a partir dos dias de deliberação em Belém, numerosos outros movimentos de periferias do poder e aliados lançaram suas cartas com reivindicações em prol da justiça climática. Houveram cartas institucionais de apoio, como a Carta Aberta da Fiocruz: saúde é eixo orientador da ação climática global e Carta Manifesto “A Luta da Saúde Coletiva frente ao Colapso Ecológico” da ABRASCO, e cartas populares, como a Carta COP30 das Favelas*, que fechou a COP30 com 236 signatários institucionais e 710 individuais de 22 estados e 43 países, e as diversas Cartas de Direitos Climáticos pelo Brasil.

Essas últimas, as Cartas de Direitos Climáticos, foram organizadas pelo Climate Reality Project em parceria com grupos locais, reunindo diversas cartas comunitárias em todo o país. Entre elas, algumas do Rio de Janeiro incluem do Morro da Providência e Pequena África, Complexo da Maré e São Gonçalo. E de outras regiões: da Aldeia Mãe Terra do Território Indígena Cachoeirinha, no estado do Mato Grosso do Sul; Distrito de Palmas, no município de Bagé, Rio Grande do Sul; Ilha de Caratateua no Distrito de Icoaraci, Pará; dos quilombos Sítio Araçá e Jatobá II, em Pernambuco; das comunidades de Terra Ronca, em Goiás; do Morro do Papagaio, em Belo Horizonte; e Tarumã, bairro de Manaus.
“A história da nossa região—do Morro da Providência, Saúde, Gamboa e Santo Cristo—é portuária e marcada pelas águas. Vivemos em uma área que sofreu com muitos alagamentos. Não à toa, o nome Gamboa vem de ‘pequenos alagados perto da beira do rio ou mar’. Essa vasta extensão portuária já foi coberta por praias e lagos, ainda na época em que os povos originários habitavam aqui—os primeiros a serem expulsos. Imagens de Debret e de outros pintores do passado mostram as ocupações dos povos que primeiro viveram neste lugar.” — Trecho da Carta do Morro da Providência e Pequena África

Periferias Apresentam Dados Denunciando Racismo Ambiental e Qualificando Demandas por Justiça Climática
Mais uma manifestação da sociedade civil periférica singular da COP30 em relação às COPs anteriores foi a apresentação de dados gerados de forma qualificada no “nós por nós“. O Instituto Decodifica apresentou sua pesquisa inédita “Retratos das Enchentes: Dados Preliminares Sobre o Impacto das Chuvas nas Favelas e Periferias Brasileiras“.

No mesmo evento realizado no espaço do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo na Zona Verde, a TETO Brasil apresentou seu “Panorama Climático das Favelas e Comunidades Invisibilizadas“, e a Comunidades Catalisadoras apresentou um breve histórico da pesquisa qualitativa “Memória Climática das Favelas“, realizada pela Rede Favela Sustentável*.
Centenas de Milhares Retornam Potencializados
No dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, após o término da Cúpula dos Povos e enquanto a COP30 oficial se finalizava, com o foco dos meios de comunicação jogados para um pequeno incêndio dado como fruto de um microondas clandestino, os movimentos periféricos continuavam à luta, neste dia através da Marcha da Periferia, que reuniu 400 pessoas nas ruas da maior baixada de Belém, Terra Firme.

Imprensa cobrindo ou não, as centenas de milhares de pessoas que se conscientizaram, se reivindicaram, se fortaleceram, e se conectaram voltaram para seus lares e territórios com um salto de potência. E com a convicção de que a solução se dará pela reconexão com a natureza e uns com os outros, o que nada mais é do que um retorno à sabedoria ancestral e popular.
*A Rede Favela Sustentável, que elaborou a Carta COP30 das Favelas e o painel sobre Geração Cidadã de Dados em favelas, e o RioOnWatch, são ambas iniciativas gerenciadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras.




