Situada no alto do morro da Alvorada, logo abaixo de uma parte do fotogênico, mas controverso teleférico do Complexo do Alemão, o Barraco #55 é um centro comunitário voltado para as artes e pesquisa, bem como a realização de eventos como concertos, oficinas, e exposições envolvendo moradores. O centro também oferece acomodação para visitantes que desejam ter a experiência de viver no Complexo do Alemão.
O Barraco #55 é gerenciado pela escritora e pesquisadora holandesa Ellen Sluis e o músico Eddu Grau, nascido e criado no morro, e é uma demonstração da vibrante e rica identidade cultural da área, mundialmente subestimada pelo público em geral, e de dentro do Complexo do Alemão–uma área, infelizmente, ainda estigmatizada pela violência de gangues e da ocupação militar em novembro de 2010. O centro tem como objetivo promover as qualidades culturais da favela para os visitantes–incluindo formas de arte surpreendentes, um potencial para a sustentabilidade e um forte senso de comunidade–quebrando estigmas comuns sobre a comunidade e, consequentemente, reduzindo a distância psicológica que separa as favelas do “asfalto“.
A exposição “Favela, você mesmo faz!” foi inaugurada no Barraco 55 no dia 13 de abril, focando no uso do espaço público e semi-público nas comunidades locais de Alvorada, Itararé, Morro do Alemão e Nova Brasília. A exposição questiona o uso dos espaços disponíveis e sugere possibilidades para otimizar estes locais públicos, muitas vezes considerados raros nos ambientes densos das favelas do Rio de Janeiro.
O evento foi nomeado devido a notável capacidade das favelas para auto-construção, e o mesmo estimula a interação local com a exposição, fornecendo sugestões sobre futuras implementações em seus ambientes urbanos. Como tal, a exposição tem como objetivo aumentar a consciência da comunidade sobre a evolução urbana que está acontecendo no Complexo do Alemão. Ben Stokke, um estudante de arquitetura dos Estados Unidos, morador do Barraco #55 e co-organizador da exposição, explica: “Queremos saber quais mudanças a comunidade sente que são necessárias e benéficas para o povo, [mudanças] que podem fazer o Complexo do Alemão saudável, mais feliz, mais seguro e um lugar melhor para se viver”.
Para esta mostra extraordinária, Ben em parceria com o urbanista holandês Manoe Ruhe, também morador do Complexo do Alemão, fez uma pesquisa baseada em trabalhos que incluíam a criação de um modelo da Rua da Assembléia, um dos principais eixos de circulação da comunidade, feito de concreto e materiais recuperados da mesma, gerando laços importantes e oferecendo grande visibilidade às empresas locais ali instaladas–na qual o trabalho, em parte, concentra-se.
“Um lado da rua tem muitos empreendedores e do outro lado tem bastante espaço público [em potencial]. Além disso, com a construção do teleférico, o governo já demoliu construções desta rua para renovar a área, mas não aconteceu nada [com o espaço] ainda”, diz Manoe.
No modelo, as áreas onde a flexibilidade espacial é mais evidente são realçadas. Moradores e visitantes são convidados a expressar as suas sugestões para o uso de cada local, escrevendo suas ideias sobre algumas das paredes originalmente em branco da sala. Um mês após a inauguração da exposição, duas superfícies de parede foram preenchidas com os escritos de colaboradores de todas as idades. As sugestões mais populares são os pedidos de mais espaços verdes, ruas limpas, bem como infra-estrutura de saúde e saneamento.
Outro aspecto interativo da exposição consiste em pedir às crianças para desenharem a sua imagem ideal para o Complexo do Alemão. Os resultados têm sido surpreendentes ao expressar um apelo pela paz, amor e tranquilidade. Estas palavras sábias e de aspiração foram escritas sobre a grande maioria dos desenhos coletados por gerações mais jovens do Alemão.
As opiniões dos moradores mais velhos, alguns pertencentes às primeiras gerações que se estabeleceram em partes do Complexo do Alemão, também foram destacados na exposição. Suas histórias falam da velocidade com que o complexo de favela se expandiu e se densificou nas últimas décadas. Algumas críticas expressam em relação a forma com que o Alemão tem evoluído. Por exemplo, Luciano Batista Dos Santos, de 71 anos, diz: “Era melhor naquela época em todos os sentidos, muito melhor do que é hoje”. Outros expressaram a inevitabilidade da transformação urbana da área. “O progresso é inevitável”, afirma o Sr. Florindo no seu retrato na exposição, com 83 anos e morador de Nova Brasília por 70 anos.
Outras transformações estão ao aguardo na área, pois há planos para ampliar a Rua da Assembléia no âmbito do PAC. O projeto vai exigir a demolição de linhas inteiras de construções, removendo moradores e empresas locais para criar uma pista mais larga, o que de acordo com o Estado vai facilitar o fluxo de controle de trânsito e do policiamento.
No entanto, o PAC tem sido muito criticado por ser mais monumental do que realmente benéfico para as comunidades, que na maioria dos casos precisam de serviços públicos para facilitar a integração social, com prioridades como um sistema de esgoto eficiente. O teleférico de 3,5 km do Complexo do Alemão pode ser citado como um exemplo. O teleférico ainda não cumpre o desempenho pretendido pelo governo, enquanto sua construção gerou espaços ineficientes ou inoperantes na base inferior de suas torres e em torno de suas cinco estações. A estes espaços poderiam ser dados fins sociais, já que os espaços públicos existentes são utilizados como lixeiras e estacionamentos. A prova da demanda por esses espaços pode ser encontrada na própria exposição do Barraco 55, que se tornou um parque infantil para as crianças locais. Como Manoe descreve: “Quando a exposição abriu, muitas crianças vieram para brincar. É incrível para eles ter um espaço grande (público) para brincar. O que mais uma vez prova que há uma grande escassez de possibilidades de brincar no morro”.
Consequentemente, o modo de lidar com os espaços não utilizados do bairro, para criar áreas orientadas para uma comunidade sustentável, é a outra questão principal que a exposição busca endereçar, e que caracteriza o trabalho desenvolvido pelos participantes da oficina “O Caso dos Espaços Residuais do Complexo do Alemão” que fez parte do Seminário Internacional de Inovação e Urbanismo em outubro de 2013. A proposta de Ben e Manoe promove um bairro mais verde, incentivando a agricultura urbana em diferentes escalas, aumentando o sombreamento e redução do efeito de ilha de calor, ao passo em que proporciona recursos alimentares sustentáveis para a comunidade.
Para além de explorar a questão do espaço público nas comunidades densas, “Favela! Você Mesmo Faz!” Revela-se uma exposição muito importante dada à experiência proporcionada, tanto para os visitantes de fora do Complexo do Alemão quanto para os moradores locais.
Os visitantes do Complexo do Alemão mais comumente visitam o local através do teleférico, que tem um sistema de bilhete único para os trajetos, (R$5 para os visitantes e R$1 para moradores) o que significa que os turistas, geralmente, só param no final da linha, onde um pequeno espaço público circundante da estação Palmeiras aloja quiosques de alimentos e bebidas e oferece uma vista espetacular sobre as zonas centrais e norte do Rio de Janeiro. Ali se concentra a maior parte da atividade turística do Complexo do Alemão, o que limita a experiência do visitante do Alemão a esta área de visualização independente, distante da vibração real e atividade presente em toda a favela. Na exposição, os visitantes ganham muito maior conhecimento e proximidade com a vida do Alemão, inclusive através dos trabalhos fotográficos do fotógrafo holandês Martin Dijkstra, que captura cenas da vida cotidiana, e através do curta-metragem “Prato do dia” de Ellen Sluis sobre as questões diárias de coleta de lixo no bairro.
Fundamentalmente, os moradores que visitam a exposição são convidados a participarem na criação de uma visão coletiva para espaços públicos no Alemão. A exposição também aumenta a consciência local sobre as próximas transformações urbanas definidas para acontecerem nas comunidades no âmbito do PAC. “Como podemos ver estas conveniências urbanas sendo implementadas no Complexo do Alemão, é fundamental que a comunidade esteja preparada para se comunicar de forma concisa as suas demandas. Esta área está mudando e eu acho que é importante que as pessoas que vivem aqui invistam tempo pensando sobre quais e como as melhorias poderiam ser mais benéficas para todos e para as gerações futuras”, explicou Ben Stokke.
A exposição “Favela, Você Mesmo Faz!” inicialmente prevista para encerrar em 15 de maio, foi prorrogado até 29 de maio. A exposição fica aberta às sextas-feiras de 17:00 às 22:00h, e aos sábados e domingos de 15:00 às 17:00h. Para mais informações visite o site do Barraco 55.