Em um país que viu o número de veículos mais que dobrar na última década, na cidade hoje mais congestionada do Brasil, as quatro linhas planejadas do BRT (Bus Rapid Transit) do Rio de Janeiro são referenciadas como a estratégia fundamental para atingir o objetivo da Prefeitura de aumentar as viagens totais, feitas em transporte público de alta capacidade, da taxa atual de 18% a 60% até 2016. Financiado como parte dos “Projetos de Legado” das Olimpíadas de 2016 destinados a servir ao Rio muito depois dos jogos, o sistema de transporte já é fonte de muita controvérsia.
O sistema BRT original foi concebido em Curitiba na década de 1970. O BRT é caracterizado por ter pistas de ônibus exclusivas, tarifas pagas fora dos ônibus, estações de ônibus elevadas niveladas com as portas dos ônibus, veículos de alta capacidade, e serviço freqüente-o que combinados reduz, significativamente, as ineficiências que aumentam o tempo de viagem. Sistemas de BRT são conhecidos por oferecerem muitos dos benefícios da eficiência do transporte ferroviário em uma fração do custo. O programa do Instituto de Recursos Mundiais (WRI em sua sigla em inglês), Embarq, descreve o BRT como uma “solução de transporte urbano sustentável de baixo custo”. O instituto colaborou com a Prefeitura nas linhas do Rio de Janeiro. O modelo de Curitiba inspirou 160 cidades ao redor do mundo a adotar o BRT, com linhas atualmente a serem implementadas nas cidades brasileiras, incluindo Belo Horizonte e Porto Alegre.
No Rio, há quatro linhas planejadas e em diferentes estágios de desenvolvimento. A TransOeste percorre 57 km entre Santa Cruz e Barra da Tijuca e foi inaugurada em junho de 2012. A linha TransCarioca de 39 km, liga o aeroporto internacional do Rio de Janeiro à Barra da Tijuca e está programado para ser inaugurada antes da Copa do Mundo no próximo mês. Embora, autoridades da Prefeitura tenham dito, em março, que a TransCarioca já estava 88% completa, eles também disseram, em abril, que a despesa do projeto agora está estimada em R$1,9 bilhões, ultrapassando 46% em relação ao orçamento inicial de R$1,3 bilhões, conforme relatado pelo O Globo.
A TransOlímpica vai percorrer 26 km de Deodoro, Zona Norte, a Barra da Tijuca. No entanto, a rota exata ainda não está clara. Finalmente, a TransBrasil ligará Deodoro e o aeroporto Santos Dumont, perto do Centro do Rio. Esta linha de BRT final é planejada com 32 km, incluindo corredores expressos ao longo da Avenida Brasil, com uma capacidade diária de 900.000. Ambas as rotas devem estar em funcionamento durante os Jogos Olímpicos de 2016, no entanto, o despreparo para os Jogos no Rio faz com que muitas dúvidas permaneçam. O trabalho no local esportivo, em Deodoro, ainda está para começar e uma ordem judicial em janeiro suspendeu a licitação para o primeiro conjunto de obras na TransBrasil.
Críticas sobre o sistema de BRT no Rio
Apesar da crescente popularidade do BRT no desenvolvimento urbano global, há dúvidas sobre o sistema do Rio e a forma como o governo municipal está realizando o projeto. Gabriel Oliveira, pesquisador do ITDP Brasil (Instituto de Transporte e Política de Desenvolvimento), afirma que o BRT do Rio de Janeiro poderia, se planejado corretamente, constituir uma escolha eficaz de sistema de trânsito em bairros historicamente prejudicados. Chris Gaffney, professor de urbanismo da Universidade Federal Fluminense, diz que as rotas escolhidas para as linhas de BRT não são uma solução para as extremas necessidades de transporte no Rio de Janeiro. Gaffney faz referência a um estudo de tráfego de 2003 que mostrou como todos os grandes fluxos diários no Rio vêm do norte e do oeste para o centro, Zona Sul e parte da Zona Norte, que, juntos, concentram 60% do setor de emprego formal do Rio. Em vez de construir o transporte de massa para atender a essa necessidade, todas as linhas de BRT percorrem o Anel Olímpico da Barra da Tijuca, o centro da especulação imobiliária no Rio de Janeiro.
O prefeito Eduardo Paes disse em um debate recente que os BRTs iriam melhorar a mobilidade para a população urbana mais pobre nas zonas Norte e Oeste. Neste ponto Gaffney concorda, mas a concordância entre ambos termina aí. “Para mim, a única lógica que justifique [os BRTs] é trazer pessoas pobres e relativamente sem mobilidade à Barra para trabalharem para a classe média-alta em expansão”, diz Gaffney. “É uma estratégia geopolítica de fragmentar a cidade na metade, isolar as pessoas na outra metade, e afunilá-los em um lugar de emprego no setor informal abundante”.
Gaffney argumenta que o BRT também vai acabar fazendo o oposto de um dos seus principais objetivos: levar as pessoas para fora de seus carros. “BRT mantém uma dependência de transporte com rodas. Se você olhar para a linha TransCarioca, além da pista BRT eles expandiram pistas de carros de quatro a seis”. Não só esta expansão de pistas levam ao aumento do congestionamento, também é um risco de segurança grave. Muitas calçadas ao longo de linhas de BRT serão reduzidas de uma largura de 3 para 1,5 metros, a fim de cumprir as metas de capacidade, para o qual precisa ter um ônibus em alta velocidade passando em ambos os sentidos a cada 15 segundos, diz Gaffney.
Alojamento para os ciclistas também é uma preocupação. “A acessibilidade para os pedestres de renda baixa leva as pessoas a ir a pé ou de bicicleta nos corredores de ônibus, ou cruzar em áreas conflituosas”, diz Oliveira do ITDP Brasil. Ele elogia a disponibilidade de instalações de estacionamento de bicicletas nas estações de BRT, mas lamenta a falta de ciclovias integradas e infra-estrutura de proteção para ciclistas. Oito pessoas já foram mortas por acidentes na TransOeste, primeira linha de BRT do Rio de Janeiro a ser inaugurado.
A construção de linhas de BRT levou à remoção e deslocamento de comunidades inteiras, incluindo Largo de Campinho, Vila Harmonia, Restinga e Vila Recreio II. Em 2010, Gaffney estimou que um total de pelo menos 10 mil casas, empresas e espaços públicos sofreriam remoções forçadas. Já houve milhares de remoções, com mais duas linhas que nem sequer começaram. No caso de Recreio II, o terreno desocupado continua inutilizado anos após autoridades da Prefeitura considerar a remoção da comunidade necessária para a TransOeste. Os que foram removidos agora lidam com trajetos muito mais longos, dada a distância dos apartamentos Minha Casa Minha Vida para onde foram removidos, tudo para um projeto que o suposto objetivo é melhorar a mobilidade urbana.