As políticas atuais no Rio deixam muitos cidadãos aborrecidos e observadores confusos. O programa das UPPs foi, no início, bem visto, pelo potencial de finalmente garantir os serviços básicos de segurança para as partes menos favorecidas da cidade, e, ainda assim, cinco anos depois, o Rio está mergulhado em violência e as comunidades destinadas a beneficiar-se são cada vez mais vítimas dessa mesma polícia. O PAC era para ter trazido a infraestrutura, muito necessitada, para as favelas da cidade, mas muitos dos programas lançados foram considerados de baixa prioridade e às vezes até contraproducentes, e os impactos concretos gerais são mínimos. Preocupações semelhantes podem ser manifestadas em relação ao programa da Prefeitura, bem escrito, de urbanização de favelas Morar Carioca, o programa UPP Social, e o programa de habitação popular federal Minha Casa Minha Vida. Embora existam muitas causas e efeitos envolvidos no sucesso limitado, falhas e limitações de cada programa, o que une todos os programas é a pura falta da autêntica participação dos cidadãos.
Talvez a compreensão mais clara e esclarecedora das gradações e potenciais de participação dos cidadãos foi desenvolvida por Sherry Arnstein. Em seu artigo pioneiro de 1969, A Escada da Participação Cidadã, um pilar entre educadores de planejamento urbano norte-americanos até os dias de hoje, ela explica o conceito usando uma escada. Cada degrau da escada representa um nível diferente de envolvimento da comunidade, e quando você sobe a escada, mais poder é dado aos membros da comunidade no processo de tomada de decisão. Aqui vamos dar uma breve descrição de cada nível de participação, começando da parte inferior.
Não Participação
Os dois primeiros passos na escada de participação não só são considerados “não-participativos” como eles também são prejudiciais e desrespeitosos com os cidadãos.
Manipulação
Este nível geralmente inclui o aparecimento da participação, com a criação de comitês comunitários ou associações. No entanto, nenhum controle é dado a estes grupos, mas são utilizados por aqueles no poder para “demonstrar” o uso da participação cidadã. Muitas vezes, essas reuniões acabam sendo mais sobre quem está no poder persuadindo os participantes a pensar como eles, do que membros da comunidade ajudando os detentores do poder a compreender melhor a comunidade. Este nível de participação tem sido comum, historicamente, nas favelas do Rio de Janeiro, especialmente durante o regime militar até os anos 80.
Terapia
Existe alguma sobreposição entre este nível e o anterior, manipulação. Este nível vê a impotência dos cidadãos de baixa-renda e marginalizados como algo que pode ser “curado”. Assim, “participação” acaba exibindo características de sessões de terapia em grupo. Com “especialistas” dando o tom e a agenda destas reuniões de participação da comunidade, eles se concentram muitas vezes em ajustar os valores e as atitudes dos membros da comunidade para que se tornem mais em conformidade com os da sociedade mais ampla.
Tokenismo
Dentro deste grau de participação estão algumas boas ferramentas e passos em direção à participação integral do cidadão. No entanto, bons atos singulares não são capazes de tomar o lugar do envolvimento real da comunidade.
Informando
Se o envolvimento da comunidade é caracterizado somente ao ser informado por autoridades sobre o que está acontecendo, ou vai acontecer no futuro, pouca, ou nenhuma participação realmente ocorreu. Algumas características deste nível são que a informação é dada numa fase muito tardia do processo, quando as mudanças não podem mais ser feitas, as perguntas são desencorajadas, e a informação é superficial, irrelevante ou incompleta. O programa PAC, exemplificado pela criação do teleférico no Complexo do Alemão, recebeu tipicamente esse nível de participação, chamando os moradores para reuniões, mas não implementando suas prioridades e ao invés de informar aos moradores sobre o que iria acontecer, usaram suas assinaturas de presença em uma reunião como a aprovação do plano do governo. Infelizmente, este é atualmente o padrão máximo de participação na grande maioria dos programas em favelas do Rio de Janeiro. O resultado são programas de baixa qualidade.
Consulta
Nos Estados Unidos, a forma mais comum de participação é a pesquisa. Para muitos em comunidades pobres e marginalizadas pesquisas e questionários são muito comuns. Eles sabem quantas vezes eles deram a sua opinião e nunca viram efeitos ou resultados a partir delas. Quando isso acontece, cria-se uma desconfiança entre os membros da comunidade com quem está no poder, minando futuras tentativas de participação dos cidadãos. Este é o nível de participação típica do programa UPP Social, destinando-se a consultar os moradores em territórios ocupados pela UPP para que os serviços sociais possam seguir. A UPP Social se transformou em uma agência de coleta de dados. O resultado da consulta ou levantamento sem programas é tipicamente a desconfiança, comum entre os moradores das favelas do Rio de Janeiro, muitos dos quais já ouviram promessas do governo que no final não resultaram em programas concretos ou úteis.
Apaziguamento
Na tentativa de deixar as comunidades se sentirem ouvidas, os comitês organizadores e conselho selecionarão um ou dois membros confiáveis da comunidade para manter assentos no conselho. Isto dá voz à comunidade e mais acesso aos detentores de poder. Infelizmente, é apenas uma voz entre muitas outras, e pode ser facilmente ignorada ou rejeitada quando as decisões finais são tomadas. A maioria do poder ainda reside fora da comunidade. O apaziguamento pode ter sido vista em uso quando, em agosto do ano passado, o prefeito do Rio chamou um pequeno grupo de representantes de várias comunidades que alcançaram grande visibilidade na sua luta contra a remoção, para a discussão, e para proporcionar uma sensação de que as suas preocupações estavam sendo abordadas. No final, estas reuniões equivaleram a uma oportunidade de propaganda para o prefeito para reequipar promessas feitas e pouco depois quebradas.
Poder do Cidadão
Neste nível, o controle real do processo está sendo detido, pelo menos em parte, pelos próprios membros da comunidade. Estes níveis de poder muitas vezes exigem que os cidadãos sejam bem organizados, com associações de moradores ou estruturas similares em um lugar onde os moradores estão ativos e envolvidos na vida diária da comunidade.
Parceria
Finalmente, algum nível de controle e poder foi dado aos cidadãos! Isso na maioria das vezes se parece com grupos de política comum, comitês de planejamento e sistemas para resolver conflitos. O poder é dividido em partes iguais entre os grupos de cidadãos e os políticos locais que tomam as decisões. As favelas do Rio de Janeiro, até 117 anos de idade, desenvolveram-se ao longo de um século quase inteiramente através da auto-regulação, auto-construção e de forma orgânica. Soluções comunitárias abundam. Não há nenhuma razão dos moradores não serem totalmente capazes de tomar este nível de controle sobre futuros programas de desenvolvimento, e os resultados serão muito superiores.
Poder Delegado
Este nível requer que mais poder seja dado aos moradores no processo de tomada de decisão do que aos detentores do poder. Isto dá aos cidadãos um sentimento de posse sobre o estado de sua comunidade. Isso muitas vezes se parece com a presença majoritária em comitês decisórios e envolvimento desde o início de um projeto. Pessoas de fora são incluídas nas comissões também, mas em última análise, os membros da comunidade têm a maioria do poder. Um exemplo disso acontecendo no Rio hoje é o programa Minha Casa Minha Vida-Entidades, um subprograma pequeno dentro do programa habitacional federal, onde grupos de moradores projetam, constroem, e mantém as suas próprias unidades de habitação pública. Uma oportunidade perdida para envolver as comunidades de favela, desta forma, foi o caso da Vila Autódromo. A comunidade criou o seu próprio plano de urbanização, que inclusive ganhou o prêmio Deutsche Bank. Infelizmente, o Prefeitura tem consistentemente ignorado essa opção e, hoje, a Vila Autódromo já foi parcialmente demolida.
Controle do Cidadão
Este último nível permite aos cidadãos ter o controle total sobre sua comunidade. Eles só estão abaixo da fonte de seus fundos, com uma conexão direta livre de intermediários. Isso permite que as comunidades usem seus recursos exatamente da forma que acharem melhor. Um exemplo desta abordagem relacionada à habitação que está ganhando popularidade nos Estados Unidos e Grã-Bretanha é a dos Fundo de Posse Coletiva.*
*A partir de junho de 2018, adotamos a nomenclatura ‘Termo Territorial Coletivo’ (TTC) para traduzir o conceito, em inglês, de ‘Community Land Trust’. Anteriormente, o conceito foi traduzido livremente como ‘Fundo de Posse Coletiva’. A nova nomenclatura melhor descreve o instrumento internacional que atualmente está sendo adequado às especificidades brasileiras, especialmente sob o aspecto jurídico.