Veja a matéria original por Elena Hodges em inglês no Next City aqui.
Após 112 anos, o golfe vai reaparecer nas próximas Olimpíadas. Mas enquanto o site oficial do Rio 2016 fala com entusiasmo que: ‘’Um novo capítulo na história do golfe brasileiro começa a ser escrito”, a verdade é que o campo de golfe que a Prefeitura está edificando está causando sérios danos ao Rio de Janeiro.
Gil Hanse, o arquiteto americano que venceu a licitação para projetar o campo Olímpico, disse que é ‘’uma oportunidade única’’, e argumentou: “não acho que possa ser construído um campo de golfe mais importante do que esse’’.
Significativo é, sem dúvida alguma, mas não por causa de um enevoado simbolismo das Olimpíadas. Muito pelo contrário, a importância do campo deriva das implicações ambientais e legais. A caminho de se tornar realidade, o projeto tem, convenientemente, passado por cima de todos os potenciais bloqueios, desde os regulamentos sobre o uso da terra, às leis de proteção ambiental, até as verificações legais.
A sua primeira vítima foi o orçamento municipal. A Prefeitura do Rio se comprometeu com R$60 milhões para o campo atualmente em construção na Barra de Tijuca. O custo médio de um campo de golfe com 18 buracos é menos que R$10 milhões. Qualquer campo acima de R$5 milhões é considerado de ‘’alta qualidade’’, segundo o John Garrity, colaborador da revista Sports Illustrated.
O custo exorbitante do campo poderia não ter sido tão problemático se a sua construção fosse um componente essencial dos Jogos Olímpicos do Rio. Mas não é o caso. O Itanhangá Golf Club, um dos dois campos de golfe com 18 buracos existentes no Rio, está entre os 100 melhores campos de golfe fora dos Estados Unidos, segundo a lista do Golf Digest. Apenas 20 minutos de carro da Vila Olímpica, o Itanhangá poderia ter cumprido os regulamentos do COI (Comitê Olímpico Internacional), segundo o Alberto Fajerman, presidente do clube.
Mas ‘’o Itanhangá não foi sondado… sobre a possibilidade de sediar o Golfe Olímpico’’, escreveu Fajerman em uma carta enviada à Prefeitura. “O Itanhangá Golf Club tem sim condições de atender as exigências estruturais para sediar as competições de golfe dos Jogos Olímpicos de 2016″. Quando questionado, Peter Dawson, presidente da Federação Internacional de Golfe (IDF, na sigla em inglês), insistiu: ‘’há outros campos no Rio. Não há plano B, no momento, porque não acho que o precisaremos de um’’.
Para agravar a situação, o lugar escolhido para o novo campo na Barra da Tijuca é ridiculamente inapropriado. Nos últimos anos, a Barra da Tijuca tem experimentado um explosivo crescimento, sendo apelidada de ‘’Miami Beach do Rio’’, por causa da emersão de tantos prédios modernos e shopping centers. O local escolhido para o campo de golfe olímpico é um dos últimos territórios da região preservados, onde está uma área ecológica pantanosa, muito frágil, de 11 milhões de metros quadrados.
Até a chegada das máquinas escavadoras, o lugar era um mosaico de manguezais, restingas e bancos de areia projetados sobre a Lagoa de Marapendi. Toda a área é composta pelo bioma da Mata Atlântica, um fragmento de um território que no passado abrangia uma área quase duas vezes maior do que o estado de Texas. Embora menos de um décimo da Mata Atlântica permaneça intacta, esses fragmentos remanescentes ainda contém o índice de biodiversidade mais alto de qualquer bioma na terra, abrigando 8% das espécies do mundo, muitos dos quais são encontrados somente no Brasil. A região em torno da Lagoa de Marapendi–que é protegida no âmbito federal, estadual e municipal–contém cerca de 300 espécies identificadas, incluindo animais em extinção, como jacaré-de-papo-amarelo, o lagarto de praia e a jucutinga.
‘’A questão ambiental é óbvia’’, diz Jorge Borges, geógrafo com cargo técnico na Câmara dos Vereadores do Rio. Ele acrescenta que, embora ainda não seja imediatamente aparente, o problema mais grave é que o projeto ‘’está infestado de questões legais’’.
Graças à Constituição de 1988–‘’uma obra-prima’’, segundo o professor Fernando Walcacer, ex-Procurador de Urbanismo e Meio Ambiente do Município do Rio de Janeiro–não há nenhuma falta de leis ambientais firmes na constituição. A Lei da Mata Atlântica de 2006 declara todo o bioma patrimônio nacional e exige a sua proteção contra a continuidade da sua degradação. O Código Florestal federal também estabelece uma lista de ‘’crimes ambientais’’ puníveis pela lei federal.
Além disso, a maior parte do campo de golfe se encontra em uma Área de Proteção Ambiental (APA), regulada por diretrizes rigorosas sobre o uso sustentável da mesma. A parte restante constituía a Reserva Pública Municipal de Marapendi, uma área em ‘’proteção permanente’’, o que teoricamente a faz intocável.
O problema é que: ‘’Existe uma importante oposição entre o que as leis dizem e a prática real que acontece no Brasil na área da proteção ambiental’’, diz Walcacer. ‘’O mercado imobiliário e as empreiteiras sempre foram muito poderosos economicamente, e são muito importantes na hora de financiar as campanhas políticas’’.
Segundo Marcello Mello, especialista de gestação de biodiversidade, ‘’as autoridades políticas e os interesses empresariais no Rio de Janeiro estão unidos para lucrar com desenvolvimento das últimas áreas verdes da cidade’’. Com a iminente aproximação das eleições de outubro, muitas autoridades vão conceder licenças para o desenvolvimento de projetos sem se importarem com o que se trata.
A fim de ganhar acesso a parcela do terreno para o campo de golfe, a Prefeitura aprovou a Lei Complementar 125 no final de dezembro de 2012, durante uma sessão de emergência pouco antes do recesso dos feriados. Primeiramente, declarando que a construção do campo de golfe está dentro da APA de Marapendi atendendo as diretrizes sobre o uso sustentável do terreno, muito embora essas diretrizes limitem o desenvolvimento da APA ‘’ao zoneamento econômico-ecológico…protegendo a diversidade biológica e garantindo o uso sustentável dos recursos naturais”.
Em segundo lugar, a lei redesenha as fronteiras da Reserva Municipal de Marapendi, conquistando a parte que ficará dentro dos limites do campo de golfe pretendido. Desse modo, o status de área sob proteção fica anulado. Até mesmo para as terras públicas sob a “proteção permanente”.
Por fim, em troca do financiamento da construção do campo, a construtora RJZ Cyrela tem a autorização para construir 23 prédios de luxo de 22 andares no terreno. Esse fato pisoteia as regulações de zoneamento prévias que limitavam a construção de prédios e residências a 6 andares. Cyrela, que não respondeu aos pedidos de comentários à respeito, está pronto para lucrar com alguns dos imóveis mais valorizados do Rio.
Apartamentos com suítes na vizinha Riserva Uno condos, também propriedade de Cyrela, custam, minimamente, R$6 milhões. Por causa da sua localização, os novos arranha-céus valerão ainda mais: R$16 milhões. Segundo Andréa Redondo, arquiteta e ex–presidente da Secretaria da Preservação do Patrimônio Cultural, ‘’O discurso do Governo é muito sedutor, mas o projeto é só uma ferramenta imobiliária em sua essência’’.
Uma seção da Lei Complementar 125 lança muitos sinais de alerta. Apesar do status de área protegida e a clara presença de espécies em risco, não foi feito nenhum estudo sobre o impacto ambiental, nem foi formulado nenhum plano de gestão dos recursos, ambos violando a lei. Não houve audiência pública para a sua aprovação, embora seja expressamente exigido pela lei. Em resposta, os Defensores Públicos da cidade pediram a suspensão das obras em curso. ‘’A Copa do Mundo e as Olimpíadas servirão de pretexto para um decrescente planejamento urbano na cidade do Rio de Janeiro’’, Walcacer se lamenta. ‘’Vamos pagar caro por isto’’.
Por causa dos atrasos críticos, resta saber se as medalhas olímpicas estarão enfeitando os pescoços dos melhores jogadores de golfe em 2016. Peter Dawson, diretor geral de R&A, confirmou que irão fazer um evento para testar o campo olímpico de golfe, mas não foi dito como ou quando será. De acordo com a versão preliminar dos eventos de testes das Olimpíadas, recentemente lançado pelo Rio 2016, o evento teste de golfe está marcado para o dia 15 de agosto de 2015. Isto está em um prazo apertado, embora haja um ano entre a prova e o evento real estabelecido pelo COI.
Quando questionado se estaria concluído o trabalho necessário para inaugurar o campo a tempo para as Olimpíadas, o vice-presidente do IGF, Ty Vokaw, esquivou-se da pergunta e somente disse: ‘’Bem, as previsões são coisas perigosas’’. Porém, não importa o que aconteça, pois as ilegalidades do projeto e as consequências para o meio ambiente são inaceitáveis.
Por enquanto, nada–nem a reclamação oficial de dois vereadores, nem a ação judicial coletiva, nem a indignação de ambientalistas–tem conseguido suspender a construção do campo de golfe. Segundo Borges, “A impunidade é a nossa realidade nacional. E esse projeto é um ótimo negócio”.
ATUALIZAÇÃO: A Defensoria Pública tem agora uma chance de cancelar a licença ambiental para o campo, com o objetivo de deter a construção e exigir a recuperação de qualquer dano ambiental na área. Depois de estar paralisada por vários meses nas mãos da defensora pública designada Ana Paula Petra, no dia 14 de agosto de 2014, os defensores públicos apresentaram outra ação judicial contra a Prefeitura e a Fiori Empreendimentos. A construção do campo de golfe já chegou a 59% da sua conclusão.