Alguns moradores esperam ansiosos por apartamentos novos enquanto outros lamentam a perda da comunidade
Veja a matéria original por Donna Bowater em inglês no Al Jazeera America aqui.
Com o passar do tempo, a casa simples de dois quartos que ele construiu no final da ditadura militar ganhou um novo andar, onde sua filha e suas duas crianças agora moram, bem em cima dele e de sua esposa. Sua garagem feita de materiais variados, que dobrou com a sua oficina, agora também serve de área de lazer para sua neta de 2 anos, Nicole.
Como muitos na favela da Vila União de Curicica na Zona Oeste do Rio de Janeiro, a moradia de José Paulo foi marcada com as letras “SMH”–iniciais da Secretaria Municipal de Habitação–como uma casa condenada a demolição.
No final de agosto, aproximadamente 900 de 1500 famílias que moraram em Vila União começaram a se mudar para abrir espaço para as obras da BRT TransOlímpica que será construída para as Olimpíadas de 2016. Será um dos maiores reassentamentos de favela desde que o Rio foi escolhido para sediar os jogos, junto com as 500 famílias que também foram reassentadas de 2010 a 2011 para a construção da BRT TransOeste.
De acordo com a Anistia Internacional, no Rio de Janeiro, mais de 19.000 famílias foram removidas de suas casas desde 2009. A prefeitura nega que as remoções foram executadas para a Copa do Mundo, porém muitos associam os reassentamentos para melhorias e limpeza para o evento da FIFA, incluindo as centenas de famílias que foram removidas da favela Metrô-Mangueira, localizada próxima ao Estádio do Maracanã.
As autoridades esperam que até 70.000 passageiros irão usar o novo sistema de R$1,45 bilhões por dia para viajarem entre a Barra da Tijuca, onde será a Vila dos Atletas, até Deodoro, local de vários esportes olímpicos. A rota TransOlímpica vai passar por vias paralelas, atualmente com traçados tortos, sobre casas e redes improvisadas de cabo.
As famílias que ali moravam estão sendo indenizadas ou estão recebendo novos apartamentos, na Colônia Juliano Moreira, construídos através do programa Minha Casa Minha Vida. O complexo de apartamentos avaliado em R$46 milhões está previsto para ser inaugurado este mês e receberá famílias até o início do ano que vem.
De acordo com a presidente da Associação de Moradores, Vânia Júlio, muitos receberam com bons olhos o reassentamento para novas acomodações como um “bilhete de loteria”.
Na entrada da Rua da Esperança, o governo do Estado estabeleceu um posto de atendimento para tirar impressões digitais dos moradores que nunca tiraram suas carteiras de identidade, assim podendo ter seus documentos.
“Através dos reassentamentos, além de receber uma casa com infraestrutura, eles receberam o título de propriedade do apartamento–coisa que hoje eles não possuem”, disse Alex Costa, subprefeito da Barra e Jacarepaguá, que serve como um elo entre a comunidade e a Prefeitura.
Ele disse que a maioria das famílias afetadas pelo reassentamento estão atualmente ocupando áreas públicas com risco severo de inundações e deslizamentos. “Mesmo assim, o estudo de viabilidade da TransOlímpica foi conduzido de forma que afetasse o menor número de famílias”, ele argumentou.
É triste. Esta é uma comunidade pacífica, segura. Não temos tráfico ou crime. Mas as obras têm que acontecer.”
— Vânia Júlio, Presidente, Associação de Moradores da Vila União de Curicica
Mas a decisão de construir a rota de ônibus através da comunidade veio como uma surpresa para os moradores depois que a favela tinha inicialmente sido selecionada para beneficiar-se do programa municipal Morar Carioca. Através desta iniciativa, que visa urbanizar todas as favelas do Rio até 2020, um grupo de arquitetos planejava redesenhar e trazer melhor infraestrutura para a região como parte do legado das Olimpíadas.
Aqueles que construíram casas maiores do que os novos complexos de apartamento se sentem prejudicados e acreditam que a indenização por suas moradias foram subvalorizados. A prefeitura fotografou as casas na Vila União para calcular os acordos de compensação baseado no valor imobiliário e tamanho da propriedade.
“Se você colocar uma cama dupla nos novos apartamentos, não tem espaço para o armário”, diz José Paulo, aos seus 70 anos. “Não tem lugar para lavar as roupas do mesmo jeito que tínhamos. Porque nós que temos uma casa melhor iriamos querer nos mudar daqui? Já que eu não posso ficar eu quero ser indenizado com um preço justo”.
A construção do sistema BRT irá também arrasar com os negócios e comércios locais.
Tetuliano Souza, de 62 anos, que possui um mercado de sucata fora de sua casa, aponta para o céu e diz, “Só Jesus sabe o que eu vou fazer. Eu não quero uma outra casa. Eu prefiro dinheiro”.
Cintia Neves, de 26 anos, tinha 6 anos de idade quando seu pai comprou um terreno e construiu a casa de sua família em Vila União. Ela tem uma lanchonete e trabalha para a fornecedora de gás Copagaz, que fica próxima de onde ela mora com sua mãe e irmão. “Eu estou preocupada”, ela disse. “Eu não sei o que eu vou fazer depois de sair daqui”.
Enquanto ela falava, um grupo de meninos chutava a bola em uma rua que se tornaria uma rota de ônibus. Eles passaram pelo estádio de futebol Eustaquio Marques, que será preservado, embora haja uma linha vermelha pintada delimitando os seis metros da rua que a nova pista irá invadir.
“É triste. Essa é uma comunidade segura e que vive em paz. Nós não temos tráfico nem crime”, diz Júlio. “Mas as obras tem que acontecer. A TransOlímpica tem que passar por aqui. Eu estou fazendo tudo que posso para certificar que a comunidade fique satisfeita”.
Em uma comunidade próxima chamada Asa Branca, residência de 2000 famílias, moradores resistiram os planos de usarem seu campo de futebol como canteiro de obra para a TransOlímpica.
“Não é um grande espaço de lazer, mas é o único que nós temos para 8000, 9000 pessoas”, diz Carlos Alberto Costa, presidente da Associação de Moradores da Asa Branca. “Se nós não reclamarmos, essas coisas acontecem”.
A vista do telhado do prédio da Associação de Moradores mostra os dois lados do Rio: os grandes prédios dos novos ricos da Barra da Tijuca junto com os tijolos vermelhos aparentes das casas das favelas.
Apesar das ameaças de reassentamento e demolição, Costa disse aos moradores que entende que as Olimpíadas irão trazer desenvolvimentos importantes que estão atrasados.
“Graças a Deus as Olimpíadas estão acontecendo aqui, assim algumas coisas irão acontecer para o povo”, ele disse. “Nós sabemos que não haverá nenhuma mudança depois de 2016. Depois de 2016 voltamos a ser a mesma miragem do Brasil. As coisas boas estão acontecendo por causa dos eventos”.
Mesmo assim, a incerteza e ansiedade permanece.
“Irá empregar muitas pessoas. Eu acredito nisso”, ele disse. “Mas essa é uma comunidade muito boa. Eu amo morar aqui, e nós queremos ficar aqui. Nós vamos lutar para ficar aqui”.
Nota: Hoje a noite, quarta-feira 10 de setembro, 2014, haverá reunião dos moradores para debater sobre a remoção da comunidade. A reunião, às 20:30, é aberta à parceiros e será na Estrada da Curicica 254, do lado do Hospital.