Desde sua primeira corrida em 1912, o famoso bondinho do Pão de Açúcar já realizou inúmeras viagens levando milhares de turistas para apreciar a vista panorâmica do Rio de Janeiro do topo da icônica montanha. Enquanto isso, desde concluída a obra, em 2012, o teleférico da favela mais histórica do Rio, o Morro da Providência, só realizou um punhado de viagens teste. Só agora, depois de mais de 18 meses concluída, o lançamento foi anunciado, deixando muitos céticos em relação as intenções, se perguntando “Por que Agora?” Teleféricos como uma solução inovadora para mobilidade urbana–como o da Providência está sendo anunciado–vem, recentemente, se tornando comuns na América Latina. Porém, há sinais que os novos bondes nas favelas do Rio são intencionados, principalmente, para manter a tradição do turismo–e da política.
A Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP) anunciou na quinta-feira, 19 de junho, que o lançamento do teleférico da Providência estava dependendo apenas de mais testes depois que algumas mudanças no gerador de energia que abastece os bondes foi feita. Segundo a CDURP, a Concessionária Porto Novo será responsável pelo serviço operacional. O governo da cidade anunciou em maio que o sistema seria lançado no mesmo mês explicando que nenhuma companhia tinha sido escolhida para se responsabilizar pelo serviço operacional e de manutenção. Contudo, a situação progrediu e a data de lançamento foi anunciada para hoje, dia 2 de julho, às 9h, na Estação Gamboa do teleférico.
O projeto que tanto atrasou foi financiado através do programa Morar Carioca, da Prefeitura do Rio, que tem como objetivo melhorar a infraestrutura e promover integração social nas favelas do Rio. Dos R$163 milhões investidos na Providência através do Morar Carioca, a construção do teleférico custou R$75 milhões, quase a metade do valor total. O teleférico é listado como um dos projetos especiais no site oficial do Porto Maravilha. O Porto Maravilha é um outro programa da Prefeitura que visa renovar a região do Porto circundante a Providência antes das Olimpíadas de 2016. Maurício Hora, um antigo morador e fotógrafo conhecido, discursou em um evento em abril sobre a desafiante disparidade entre a Providência tentar melhorar os serviços básicos da favela através do Morar Carioca, enquanto toda a região adjacente ao Porto recebe muitos recursos do Porto Maravilha.
Em abril de 2013, o Prefeito Eduardo Paes declarou que o teleférico iria servir para duas funções: “servirá como transporte para a população local, mas também servirá como um novo ponto turístico.” Moradores da Providência já levantaram suas preocupações, argumentando que a construção destina-se para o turismo e que essa não é a prioridade da comunidade. A construção do sistema custou a comunidade seu principal espaço público na favela, a Praça Américo Brum, e mais importante, a casa de muitos moradores. Originalmente, 832 casas foram marcadas para demolição. Um mandato do tribunal em março de 2013 congelou todas as construções públicas na Providência devido a falta de consulta pública, exceto a do teleférico por já estar concluída.
O sistema possui três estações, cobrindo um total de 721 metros. A primeira estação fica na estação de metrô, trem e ônibus da Central do Brasil e é conectada à Praça Américo Brum na Providência (mas não ao ponto mais alto da comunidade). A estação da Providência possui uma plataforma com vista para o porto e para a Cidade do Samba, onde se localiza a terceira estação. Mesmo íngreme, a ladeira que liga a Central do Brasil até a Praça Américo Brum pode ser caminhada em menos de quinze minutos, e já existem serviços de moto-táxi assim como kombis e vans funcionando regularmente, servindo como transporte para os moradores e suas bagagens.
Segundo autoridades da cidade, quando o teleférico estiver em funcionamento terá uma capacidade de transportar 1.000 moradores por hora de um lado para o outro, com os trajetos demorando 8 minutos. Cada bonde pode acomodar até dez passageiros.
O teleférico da Providência é o segundo a ser construído no Rio com o objetivo de melhorar a mobilidade nas favelas, baseando-se no exemplo da pioneira Medellín, na Colômbia. Apesar do sistema do Complexo do Alemão, que custou R$210 milhões, ter começado à operar desde sua construção em 2011 e ter servido como transporte para muitos moradores, os problemas ainda persistem. A capacidade prometida pelo Estado e pelo governo federal ainda não foi alcançada e o Alemão ainda possui demandas urgentes, como água e saneamento, que os moradores consideram de maior importância.
No último ano, a Presidente Dilma Rousseff visitou a Rocinha e anunciou que ela seria a terceira favela a receber um teleférico. Quando os moradores ficaram sabendo que o projeto seria realizado através da segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) eles se mobilizaram rapidamente e verbalizaram sua reprovação aos planos. A organização comunitária Rocinha Sem Fronteiras foi fundamental em dar visibilidade as demandas do bairro para que o PAC-2 seja direcionado para prioridades urgentes como água e saneamento ao invés do teleférico, como foi originalmente prometido mas nunca entregue na implementação do PAC-1, no inicio de 2006.
Um olhar mais atento para o teleférico original de Medellín revela porque o sistema foi bem recebido lá. Empresas Públicas de Medellín (E.P.M.), a companhia de utilidade pública responsável pela água, saneamento, gás e eletricidade, é constitucionalmente mandatada para fornecer esses serviços para a população inteira, significando que as comunidades não tiveram que abrir mão de serviços básicos para receber o teleférico. Outro fator crítico é a participação da comunidade. Moradores de Medellín participaram do processo de tomada de decisão de forma muito mais efetiva do que no Rio, onde em alguns casos moradores foram avisados em cima da hora que suas casa estavam marcadas para demolição ao invés de pergunta a comunidade se eles queriam um teleférico.
O Rio de Janeiro possui uma longa e bem sucedida história com o bondinho como uma atração turística. O novo fenômeno dos teleféricos como solução para mobilidade urbana, entretanto, é altamente questionável. Mesmo que mobilidade e turismo não precisem ser mutuamente exclusivas, as autoridades do Rio parecem estar tentando conquistar o turismo, através de reformas mascaradas como melhoria de infraestrutura no transporte.