Na terça-feira, 6 de maio, a Associação de Moradores da Vila Vidigal, a Comunidades Catalisadoras, o Fórum Intersetorial do Vidigal, o Albergue da Comunidade e o Vidblog Vidigal realizaram o terceiro de quatro debates na série relativa ao processo de gentrificação na comunidade, “Fala Vidigal”, desta vez discutindo o papel e impacto de novos empreendedores no Vidigal.
Enquanto o primeiro debate examinou o processo de gentrificação e o segundo abriu a discussão para os moradores compartilharem suas esperanças e anseios em relação ao futuro, o terceiro debate deu aos moradores a oportunidade de questionar novos empreendedores sobre os custos e benefícios de seus projetos para a comunidade.
150 pessoas compareceram ao evento, dentre elas moradores nascidos e criados, e também moradores recentes, estrangeiros, estudantes e jornalistas.
O evento começou com um vídeo de 20 minutos, contendo entrevistas com líderes de várias organizações comunitárias já ativas na comunidade. Em torno de dez diferentes grupos, incluindo o A.M.A.R (Associação de Mulheres do Vidigal) e a ONG Horizonte, discutiram o desenvolvimento de suas organizações e o trabalho que eles fazem em prol da comunidade.
Foi então dado início ao painel de discussão. Oito estabelecimentos notáveis na onda de empreendimentos novos ou envolvidos no processo de gentrificação foram convidados, incluindo: Alto Vidigal, Bar do Laje, Winfinet, Bela Vista Imóveis, Move ID e Las Empanadas. Entretanto, apenas dois compareceram, com Fabio Ghivelder representando a nova escola de arte sendo estabelecida na comunidade pelo famoso artista paulista Vik Muniz, e Conrado Denton representando o luxuoso Hotel Mirante do Arvrão. O resto do painel foi composto de dois membros da Associação de Moradores do Vidigal, o Presidente Marcelo da Silva e Diretor André Gosi, assim como Theresa Williamson, Diretora Executiva da ONG Comunidades Catalisadoras, como mediadora do debate.
Fabio Ghivelder foi o primeiro a compartilhar as ambições da Escola de Artes do Vidigal, do internacionalmente famoso artista brasileiro Vik Muniz. O projeto objetiva ser uma escola de arte e tecnologia para crianças de 4 a 8 anos de idade. Gratuito para a comunidade, o projeto será auto financiado, sem patrocinadores externos, e oferecerá um currículo de ensino de educação visual único para a juventude. Ele compartilhou a preocupação de que o projeto não estaria sendo bem recebido pela comunidade, citando o embargo da obra anunciado no dia anterior e um furto: “Eu queria fazer uma parêntese aqui–na semana passada, a gente foi assaltado lá na obra encima e roubaram o dinheiro dos pedreiros. Essa é uma coisa muita chata, quando a gente está tentando fazer uma coisa positiva, e leva um banho de água fria desses”. Ele terminou a apresentação anunciando que instituições americanas de prestígio como o MIT e a Blue School em Nova York apoiaram a escola de educação visual e poderiam eventualmente criar programas de intercâmbio internacional.
Conrado Denton então explicou o projeto do Mirante do Arvrão, um hotel com bar luxuoso situado bem no topo da comunidade. Inaugurado em novembro de 2013, a construção verde, que oferece uma vista impressionante da costa marítima do Rio, utiliza painéis solares e foi parcialmente construído com materiais ecológicos. Ele também declarou que 20 empregados do hotel são moradores do Vidigal.
O debate foi então aberto aos comentários e às perguntas dos moradores. Claudio, morador do Vidigal, perguntou a Fabio Ghivelder, “Em relação à escola, além da escola ser de tecnológica e de arte […], o projeto tem uma área de lazer?” se referindo a falta de espaço que as crianças têm para brincar na comunidade, ao que o empreendedor respondeu que o foco da escola era na arte e infelizmente não incluía nenhum programa de esportes.“Nosso meio, é o meio da arte. A gente está focando no que sabemos fazer […] bem para dar mais ferramenta para essa criança. Concordo com você que existe uma carência, mas infelizmente eu não sou a pessoa indicada para isso”.
O Presidente da Associação de Moradores, Marcelo da Silva, questionou então, como uma pergunta complementar, se no futuro seria possível haver uma infra-estrutura ligada a artes implantada na Catorze, uma área na parte mais baixa do Vidigal. Fabio afirmou a ambição do projeto, respondendo que já existem pessoas pensando em replicar a escola em outras localidades, se ela for bem-sucedida. “Existe a vontade de replicar isso em toda a rede pública [de ensino]. Mas isso é só ambição agora. Novamente: pensa pequeno e faça bem-feito”.
Conrado Denton completou a resposta de Fabio: “Quando completamos o hotel, a gente ajudou a reformar a quadra atrás da Associação. O lugar era muito ruim e a gente ajudou, pintou, trouxe tatames. Nos tivemos também um projeto de horta hidropônica nas lajes muito bacana. Mas a gente não conseguiu a adesão suficiente dos moradores para desenvolver esse projeto, que seria muito, muito legal para a comunidade”.
Após meia hora de evento, William de Paula, conhecido como “Ninho”, responsável por mediar as perguntas, alcançou o cerne da questão quando perguntou aos dois empreendedores: “Vocês tiveram de certa forma influência nesse processo de gentrificação, especulação imobiliária, e colocaram o projeto de vocês numa parte do morro, que até três, cincos anos atrás, era uma das áreas mais perigosas. Vocês têm essa consciência?”
Conrado Denton reconheceu que exerce um papel nesse processo de certa forma, como ele explicou: “Eu acho que sim. Esse processo de gentrificação–eu não gosto dessa palavra–é o mesmo que aconteceu em outras comunidades, quando entrou a UPP, e [o empreendedor] se sente confortável para investir numa comunidade. É normal que tem um aumento do preço pelos novos serviços e pelos imóveis e serviços que vão abrir na comunidade. Então, no nosso caso, quando a gente começou o hotel no Arvrão, tinha o Andreas do Alto Vidigal, e com nossa entrada a gente viu também, além dos empresários que não eram da comunidade, os próprios moradores se sentindo mais confortáveis de investir lá, como é o caso da Casa da Tapioca. Eles viram a oportunidade de criar um comércio onde eles moram, e aproveitar esse gancho da nova gente chegando, turistas se sentindo mais tranquilos de subir. Esse processo de gentrificação tem que ser aproveitado para os próprios moradores do Vidigal mesmo”.
Por outro lado, Fabio Ghivelder se manteve mais distante em sua reposta: “Eu me sinto um pouco fora disso. O aumento de preço, o aumento de aluguel, acho que a gente tem muito pouco impacto sobre isso. Eu acho que escola e gentrificação são duas coisas que não andam muito lado ao lado. Posso estar enganado, talvez você tem que me mostrar que a nossa presença lá encima é um signo dessa gentrificação, mas eu te confesso que não vejo dessa forma”.
Como lembrete, Theresa Williamson acrescentou: “Tem uma diferença entre um bairro ou uma comunidade recebendo investimento e se desenvolvendo, com os moradores presentes, e aproveitando naquele desenvolvimento, e a gentrificação–que é quando o desenvolvimento vem de tal forma que quem morava ali é expulso pelo mercado, resultando em um desenvolvimento do território e não das pessoas. Eu acho que a gente tem visto nesses debates aqui no Vidigal que as pessoas que moram aqui querem desenvolvimento, querem ver os desafios da comunidade resolvidos enquanto as qualidades são mantidas. E uma das qualidades é o preço accessível. Outras são cultura, convívio, amigos, vizinhos, redes, troca, as ONGs comunitárias… que as pessoas não querem perder”.
Miguel Plaza, arquiteto espanhol e morador, contribuiu ao debate focando no espaço público. Ele primeiro perguntou sobre a falta de acesso ao deck do hotel, ao que Conrado justificou: “O deck faz parte do nosso terreno. A gente o deu de presente para a comunidade. Porque que o deck não está pronto? Porque acabou o dinheiro. Acabou a obra, o hotel ficou pronto, e não tinha como terminar o acesso. […] Porque que a gente deixa fechado? Como a gente não terminou o acesso ao deck, a gente acha perigoso deixar aberto para pessoas subiram lá”. No entanto, ele afirma seus planos de terminar a construção do deck.
Quando perguntado por Miguel sobre a altura da escola de arte Vik Muniz–o que causou preocupações suficientes entre os moradores a ponto de resultar no embargo da construção, porque sua altura é vista como ameaçadora ao incrível panorama do mirante número um do Vidigal, o Arvrão–Fabio Ghevilder explicou que modificações ao projeto inicial foram feitas com o intuito de respeitar ao máximo as preocupações. A segurança da construção para um prédio alto foi também tomada em consideração, como Fabio explica: “O muro de contenção é quatro vezes maior que a largura inicialmente prevista. A fundação está dois metros dentro da rocha, para evitar deslizamento. A melhor maneira de construir hoje em dia não é tanto pela questão de custo mas de segurança. A nossa responsabilidade com a segurança foi 200%, e a gente ouviu a questão da vista, e por isso a gente modificou para fazer um projeto mais baixo”.
Alex Gillot, moradora inglesa da comunidade, engajada no trabalho de preservação cultural do local, pegou o microfone para expressar vividamente sua opinião sobre a súbita aparição do Mirante do Arvrão na comunidade. Ele foi “lançado como uma bomba”, contribuindo para um considerável aumento nos preços: “Quantos moradores não conseguem mais pagar o aluguel, e saem do Arvrão? Eu sei que vocês fizeram um projeto que não foi apoiado, não foi um projeto que os moradoras queriam. […] Vocês sabem o que fazem: chegam com o objetivo de lucro, chegaram, compraram, compraram mais, e o resto? A família da Casa da Tapioca já foi embora, muitas pessoas estão saindo […] O lucro que chegou junto com o hotel é muito forte e a mudança foi muita rápida. Vocês fizeram um projeto que as pessoas não gostaram, e o que mais vocês vão fazer para aumentar esse processo de gentrificação?”
Conrado se defendeu: “Eu vejo o Vidigal como sendo um bairro, como qualquer outro, com as suas particularidades. Um bairro livre onde as pessoas vem e vendem seus imóveis da maneira que eles querem. A economia é livre, é assim; a gente chegou no Vidigal e também foi muito apoiado”.
Alex continuou sua crítica à atitude do hotel em relação à comunidade. “Você veio para ganhar. Isso é natural, com a pacificação, com a mudança da gentrificação. Vê aqui como um bairro, mas é uma favela […] Muitas famílias já foram embora, venderam suas casas, porque não conseguiram mais pagar o aluguel […] Vocês são responsáveis por essas mudanças. Para os moradores que cresceram aqui, é uma coisa muita difícil. Você tem que respeitar isso”.
O representante do hotel reagiu: “A gente respeita muito isso mas eu discordo da sua opinião. Eu acho que a gente veio aqui, a gente gera emprego, e os vizinhos trabalham diretamente em vários eventos com a gente”.
A animada discussão findou com uma sugestão de Alex: “Acho que você não vê o impacto que vocês têm sobre os moradores do Vidigal. Quando você chega, quando você ganha, tem que dar uma porcentagem de volta. Tem que ser um projeto que eles querem”.
Rosa Batista, moradora do Vidigal por 8 anos e membro do Fórum Intersetorial do Vidigal, também expressou seu sentimento de que os novos empreendedores não estejam suficientemente levando em consideração a história e cultura da comunidade, ou os elementos existentes na favela: “A ONG do Vik Muniz pode também apoiar as ONGs que já estão aqui. A gente quer progresso sim, mas nós queremos continuar aqui, porque amamos esse lugar, moramos aqui ha muito tempo, sofremos juntos muitas coisas aqui, que as pessoas que estão chegando agora não têm ideia, e a gente sofre ainda com dificuldade de acesso, essa pista que fecha de manhã é um saco par ir para Barra da Tijuca, falta de água, quebra de luz, e agora dificuldade de morar […] Vocês têm que ouvir, e entender que numa favela, tem uma historia.” Aí ela vira para a platéia: “Vocês vejam aqui como um bairro ou uma favela? Favela!”
Fabio respondeu: “Tenho um respeito muito grande por essa comunidade… A gente escolheu aqui porque a gente gosta daqui, e respeita muito a cultura daqui. Eu, pelo menos, só estou aqui para a comunidade. Inclusive, quando você questiona se é isso que os moradores querem, é ótimo para mim ouvir. Porque se a comunidade não quiser uma escola, gratuita, de uma pessoa que pode trazer muita visibilidade para cá, é ótimo saber. Eu não conheço uma pessoa no mundo que vai falar que escola não é bom, então me sinto muito confortável para falar para você que o projeto está 100% respeitoso e 100% integrado ao que está acontecendo”.
Uma parente do dono da Casa da Tapioca então se levantou para responder à intervenção de Alex Gillot, dizendo que a família escolheu se mudar: “Hoje muitas pessoas vendem suas casas para ganhar bom dinheiro. Oito anos atrás, você ganhava 2000 reais para uma casa pequena… Gente, você tem que ver, que talvez estão vendendo para seu benefício, para seu bem-estar. Meu avô era o dono da Casa da Tapioca, e não foi pressionado à vender… Gente, pensa bem. Hoje em dia, nosso lugar está valorizado. É verdade. Gente que tem a oportunidade de vender sua casa, vende“. Ela então insistiu que se os novos empreendedores quisessem criar projetos sociais na comunidade, os moradores deveriam apoiar.
Após conduzir uma pesquisa com os moradores nos “Fala Vidigal” anteriores, Sara Junger, fundadora do projeto Albergue da Comunidade, observou que muitas das reclamações na área do Arvrão são concernentes ao volume das últimas festas acontecidas ali. Ela questionou Conrado: “Minha pergunta é se você tem a possibilidade de manter o equilibro entre esse som que está atrapalhando os moradores? O Arvrão não tinha muitas coisas, e de repente acontece esses eventos?… E também se tem algum programa de descontos para quem é morador da comunidade, também para fazer um intercâmbio cultural”, evocando também os preços geralmente caros desses eventos. Conrado respondeu dizendo que eles estavam tentando de tudo para satisfazer a todos: “Em todos os eventos que a gente da no hotel, a gente separa uma quantidade de ingressos a preço mais acessível para a comunidade… Sobre o barulho, a gente já se conhece há tempo, você sabe que a gente sempre passa nas casas dos moradores, pergunta como que está, se a gente está incomodando os nossos vizinhos próximos, as pessoas que de fato escutam barulho”, ele explicou, apesar de parte do grupo presente expressar dúvidas a respeito de sua afirmativa.
Sara continuou: “A outra pergunta é referente aos transportes–as pessoas esperando na fila de kombi estão se sentindo deixado de lado para dar preferência as pessoas da festa. Teria uma possibilidade de que a comunidade não pudesse ser afetada para o pessoal da festa poder ir na festa lá encima?”
Conrado respondeu que eles já tentaram organizar pontos de encontro de minivans para os eventos, para evitar impactos na linha comum das kombis. Marcelo, da Associação de Moradores, acrescentou: “Na Associação de Moradores, já fizemos várias reuniões, tanto com os proprietários das kombis, tanto com os motoristas dos moto-taxis. Na última reunião que tivemos, falamos sobre o impacto que tinha. Foi afirmado que iriam pegar o pessoal das festas junto com os moradores, e que todos pagariam o mesmo valor. Essa responsabilidade também é dos proprietários das kombis e das motos”.
Os comentários sobre os novos empreendimentos no Vidigal se encerraram com um motorista de kombi que estava seguindo a conversa. Ele comentou, apoiando os novos empreendimentos: “Está trazendo um retorno financeiro muito bom para a comunidade, para todos da comunidade, pessoas novas, pessoas com uma cultura diferente, beneficia todo mundo… Vidigal não é mais uma favela. Vidigal é um bairro. Na favela tem barracas, tem miséria, e no Vidigal não tem. A única coisa que falta para o Vidigal, é a facilidade de acesso, e o trânsito”.
Ao longo do evento, opiniões diferentes dos moradores sobre os novos empreendimentos na comunidade emergiram, contribuindo para um debate produtivo.
O quarto debate “Fala Vidigal” convidará autoridades públicas para discutirem seus planos para a comunidade e para escutarem os anseios dos moradores, e acontecerá no dia 3 de junho às 19h no anfiteatro na entrada do Vidigal.
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