Nos dias 14 e 15 de agosto, aproximadamente 300 pessoas se reuniram no Armazém da Utopia, ao longo da Baía de Guanabara, na região portuária do Rio, para uma longa e inadiável conferência a fim de discutir a provisão de habitação social para os moradores da região. A questão da habitação social na região portuária do Rio tornou-se crítica diante do contexto de forte investimento privado em projetos de renovação do Porto Maravilha, que antecipam os Jogos Olímpicos de 2016.
A conferência foi o ápice de três audiências públicas, ocorridas em junho e julho, durante as quais a prefeitura cedeu às pressões dos movimentos sociais de criar oportunidades para ampliar a participação dos habitantes da área e dos defensores da habitação social na região portuária. A primeira reunião focou em buscar estratégias para impedir 30.000 moradores de serem empurrados para fora da região por causa do aumento dos preços; a segunda reunião detalhou estratégias para a incorporação do desenvolvimento de rendimentos mistos; e a reunião final abordou as especificidades do aluguel social no projeto. O aluguel social no Rio só tem sido utilizado como uma medida temporária, mas durante esta reunião foi apresentada a possibilidade de utilizar o que está sendo chamado de ‘locação social’, como uma transferência de renda regular para fins de moradia para moradores de baixa renda. No contexto brasileiro, o aluguel social contínuo como uma ferramenta potencial para atender às necessidades de habitação substanciais só foi experimentado em São Paulo até o momento.
O painel principal da conferência foi presidido pelo presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP) Alberto Gomes Silva, pelo Secretário Municipal de Habitação Carlos Portinho, e por Marcelo Edmundo, membro da Central de Movimentos Populares (CMP). Em 14 de agosto, os participantes leram e aprovaram os estatutos que especificavam os mecanismos participativos e os processos de tomada de decisão que ocorreriam no dia seguinte. O documento do Plano de Habitação de Interesse Social elaborado pela CDURP, que incorpora o conhecimento produzido durante as três audiências públicas de junho e julho, foi apresentado.
No dia seguinte, 15 de agosto, os grupos gerados a partir da estrutura da conferência se centralizaram em torno de cinco temas, cada um analisando o Plano: Habitação Social, Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), Aluguel Social, Melhorias Habitacionais e Equipamentos Comunitários/Inclusão Sócio-produtiva. Os membros da platéia foram divididos entre cada grupo e avaliaram o Plano linha por linha, sugerindo alterações específicas que foram depois votadas e, finalmente, consideradas em sessão plenária. No final da conferência, o grupo havia trabalhado e votado para aprovar a versão final do Plano de Habitação de Interesse Social.
Para muitos participantes, o encontro foi visto como uma vitória inicial, porque esse era um espaço de negociação adquirido após anos de luta para proteger os meios de subsistência dos habitantes da área do Porto no contexto da revitalização urbana e a consequente gentrificação. Uma alteração fundamental que passou durante esta reunião foi o aumento de 5.000 para 10.000 unidades de habitação social a serem construídas na área do Porto. E, de forma geral, a presença dos participantes no sábado foi ativa.
No entanto, os participantes mais ativos eram aqueles organizados em movimentos sociais e outras entidades. Alguns moradores da primeira e mais histórica favela do Brasil– o Morro da Providência–localizada na Zona Portuária, relataram que muitos deles tinham sido convidados pela CDURP com pouco tempo de antecedência–apenas horas antes da reunião–e indivíduos foram incentivados a encontrar outros moradores para vir com eles, como se a sua participação tivesse sido uma reflexão tardia. Um morador deu a entender que, como resultado da correria, várias pessoas presentes não estavam plenamente informadas do pano de fundo da reunião e seu propósito. Moradores de favelas e outros bairros da região do Porto, que tinham vindo de forma independente, eram visivelmente menos ouvidos do que os acadêmicos e os que vieram como parte de movimentos sociais.
O ceticismo entre os moradores de favela que sofreram ou testemunharam remoções era alto, e alguns viram o processo participativo aparentemente mais como uma “performance” para distrair as pessoas da especulação imobiliária. Durante uma pausa, um morador observou: “Revitalização para quê? O que é que eles querem revitalizar? Já não há pessoas que vivem aqui? A área do Porto não está viva?”.
Há ainda um longo caminho a percorrer antes que o documento redigido se torne uma realidade tangível. Enquanto o Secretário Portinho, e Gomes Silva, da CDURP, comemoraram a conquista de uma “democracia direta participativa” em seus discursos de abertura, é importante observar a história recente de planejamento dominado pelo setor privado na área do Porto, em que uma coalizão de interesses privados e públicos promoveram uma agenda baseada na excepcionalidade. No contexto dos direitos a terra, excepcionalismo significa evitar ou neutralizar as normas constitucionais em vigor de proteção ao uso social da terra. A participação ativa dos acadêmicos na Conferência–especialmente dos membros do Observatório das Metrópoles e da advogada e defensora habitacional Sonia Rabello–foi crucial para a mediação entre os moradores e os complexos mecanismos de governança. Esses defensores também pressionaram as autoridades a respeitarem os seus compromissos de participação e de habitação social durante os processos de desenvolvimento urbano que continuarão a rolar ao longo dos próximos anos.
Após a aprovação das pessoas presentes na conferência, o documento será agora enviado ao Conselho Gestor do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social, que estabelece diretrizes e aprova a alocação de recursos para projetos de habitação pública para a cidade. Vários participantes ativos nesta conferência, incluindo os três palestrantes e Orlando Santos Junior, pesquisador e planejador urbano do Observatório das Metrópoles, também são membros do Conselho Gestor, um sinal promissor para a passagem deste documento.
“Quando nós nos organizamos, podemos ser mais fortes em nossos esforços”, disse o palestrante Marcelo Edmundo, em um tom que era ao mesmo tempo otimista e cauteloso. “Os processos democráticos não são fáceis.”
Com o evento chegando ao fim, ficou claro que os participantes hesitaram um pouco em celebrar os sucessos da reunião, por medo de que as alterações não sejam mantidas ou que o documento seja de alguma forma alterado no momento em que for aprovado. “Alterar este plano após esta reunião é antidemocrático”, disse Orlando Santos Junior enfaticamente, enquanto muitos participantes na multidão aplaudiram, demonstrando aprovação.