O Rio de Janeiro está construindo sua nova marca como a cidade do futuro. Basta visitar a região portuária da cidade, que atualmente passa por enormes transformações urbanas como parte do projeto “Porto Maravilha”, e o quase concluído Museu do Amanhã para comprovar isso.
Entretanto, aqueles que desejam conhecer esta região do Rio em rápida mutação não devem negligenciar o seu passado. O Porto do Rio está profundamente conectado à história africana e afro-brasileira da cidade, e ao Brasil como um todo. Aproximadamente 5 milhões dos 10 milhões de africanos escravizados enviados de navio às Américas foram trazidos ao Brasil, e o Rio de Janeiro fora o principal ponto de chegada, tornando-o o maior porto de escravos da história mundial. No início do século 19, metade da população da cidade era escravizada.
O website educacional Afro-Rio Walking Tour, lançado recentemente, pretende fazer exatamente isso. Criada pela historiadora norte-americana e moradora do Rio há muitos anos Sadakne Baroudi, o site oferece informações e conselhos sobre como visitar locais importantes na história da escravidão no Porto do Rio, em português, inglês e francês.
Um dos temas mais abordados no Tour é o da história da escravidão do Rio ser frequentemente escondida, o que é comum em cidades e países com um legado de escravidão.
De fato, muitos dos mais importantes locais na história da escravidão do Rio, listados no site da Walking Tour, foram apenas “redescobertos” recentemente. E muitos deles lutam para conseguir reconhecimento e financiamento.
O Cemitério dos Pretos Novos é um exemplo. O cemitério foi local de enterro (talvez seja mais correto chamá-lo de depósitos) para milhares de africanos que morreram durante suas longas jornadas para chegarem ao Rio, ou logo depois de terem chegado à cidade, entre 1769 e 1830, quando foi fechado. A sua localização permaneceu perdida até 1996, quando um casal descobriu, enquanto reformava sua casa, que moravam sobre o antigo cemitério.
Um importante estudo arqueológico foi iniciado e o casal, Merced e Petruccio Guimarães, se propuseram a criar um instituto de pesquisa e um centro memorial em 2005, que continuam a administrar, com financiamento precariamente baixo.
O fato do cemitério ter ficado esquecido por muito tempo, e a luta que o casal Guimarães enfrenta para manter a memória dos escravos enterrados e a herança negra do Rio viva através de seus próprios esforços, contrasta com a obra de uma enorme construção, realizada por uma grande parceria público-privada (PPP), em andamento na mesma rua. Atualmente, esta rua está sendo cavada para a construção do sistema de transporte VLT (veículo leve sobre trilhos): uma rede de 28 km que a prefeitura pretende concluir a tempo para as Olimpíadas de 2016.
Outro local recentemente “redescoberto” na Zona Portuária, e também detalhado no site do projeto Walking Tour, é o mercado de escravos do Valongo, local onde escravos foram trazidos para o Rio em navios e eram vendidos. O Valongo foi renomeado e coberto em 1843, em razão da chegada da noiva italiana do futuro Imperador Dom Pedro II, ficando conhecido como o Cais da Imperatriz. Depois de ser aterrado e pavimentado em 1911, o Valongo original permaneceu ignorado até 2011, quando foi descoberto e escavado durante a construção das obras para o projeto de reestruturação Porto Maravilha.
Depois de uma dura batalha para a preservação do Valongo, agora é possível visitar o local e ver as três camadas de ruas da cidade em exposição.
O site do projeto também apresenta ao público notáveis brasileiros negros da história da cidade, como o engenheiro, inventor e abolicionista André Rebouças. Bem próximo ao Valongo encontra-se um belo armazém de tijolos vermelhos construído por Rebouças em 1870. Rebouças ficou conhecido por modernizar os portos em todo o Brasil, e por desenvolver a concepção de um sistema de saneamento moderno para a cidade, colocando um fim à prática de usar escravos para transportar o esgoto do Rio com as próprias mãos.
O site também trás informações sobre a Pedra do Sal e a zona conhecida como Pequena África, onde as famosas tradições do samba e do carnaval do Rio se originaram. Além disso, são fornecidas informações sobre as religiões afro-brasileiras tradicionais que floresceram na região.
Além da Zona Portuária, o website também aponta lugares para visitação em regiões próximas, no Centro do Rio, incluindo um par de edifícios na esquina do Largo da Carioca: a Igreja Negra e Museu do Negro. Incendiados em 1967, os edifícios são escassamente decorados e se encontram em mau estado de conservação. O museu é um ponto de parada essencial ao longo da jornada Afro-Rio, especialmente pela forma como a sua pequena coleção, gerenciada por um curador dedicado, mostra a diferença entre a realidade da escravidão na cidade e a imagem higienizada da escravidão, promovida em pinturas da época, que ainda persiste na memória da nação até hoje. De acordo com o Walking Tour, a entrada para o Museu do Negro é confusa e difícil de ser encontrada.
O website do Walking Tour–um projeto que está em andamento e em expansão–detalha uma ampla gama de lugares, pessoas e histórias importantes com o intuito de ajudar os visitantes a “aprender a história africana vivida nas ruas do Rio de Janeiro”. Este site é um ponto de partida acessível para os moradores do Rio e visitantes que estão curiosos sobre a história de uma cidade que está acelerando frente ao processo de reestruturação a ser concluído a tempo para as Olimpíadas de 2016.
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